A canção de Babu







  Bernardi corria com força, pontapeando a bola de encontro à baliza. Com os braços em movimento e o coração a bater com força, pouco lhe importava ser o único rapaz em campo que não vestia um uniforme escolar. Adorava futebol e a sua única preocupação era meter um gol.

   A dado momento, Bernardi deu um pontapé tão forte na bola que caiu de costas, enquanto o esférico passava a voar pelo guarda-redes e entrava na baliza. Ficou deitado na relva, a recuperar o fôlego. Um rapaz ajudou-o a levantar-se, correndo depois para dentro da escola. Bernardi também gostaria de ir à escola como as outras crianças. Gostava de aprender e achava que poderia ser bem sucedido. Também poderia jogar futebol todos os dias, e não só quando os alunos precisavam de um jogador extra. Mas, nem ele nem o avô, com quem vivia, tinham dinheiro suficiente para pagar uma escola.

   Bernardi dirigiu-se para casa, caminhando devagar.

   Quando chegou, o avô deu-lhe um abraço. Era a sua maneira de dizer "Olá", já que uma doença lhe roubara a voz há muito tempo.

   — Olá, Babu — saudou Bernardi. — Hoje marquei um gol.

   O neto adorava contar as histórias dos seus jogos.

   O avô mostrou-lhe uma figura feita de madeira. Puxou um fio e o boneco mexeu as mãos e os braços ao mesmo tempo, o que fez Bernardi rir. Babu era fabricante de brinquedos e bastava-lhe olhar uma vez para um determinado objecto para saber que tipo de brinquedo viria a ser. De uma lata vazia conseguia fazer um avião e de um pedaço de madeira um assobio.

   Bernardi vendia os brinquedos e o dinheiro que obtinham dava-lhes para viver.

   Babu fez chá para si e para o neto. Depois de beberem o chá, Bernardi pegou num grande saco que estava atrás da porta, despediu-se do avô e dirigiu-se para o mercado. Enquanto caminhava, ia assobiando uma melodia que o avô cantava quando ainda falava.

   — Há alguma coisa para o Babu? — perguntou Bernardi aos vendedores, quando chegou ao mercado.

   Os vendedores costumavam dar-lhe pedaços de fio ou de papel que ajudassem o velhote a fazer brinquedos. A Tia Valentina, que vendia sal, chamou por Bernardi e deu-lhe um saco de plástico. O rapaz agradeceu-lhe e meteu o objeto dentro do saco grande que trouxera, embora não acreditasse que fosse de grande utilidade para o avô.

   À ida para casa, passou por uma loja do centro da cidade e parou a olhar para a vitrine. Por entre resmas de tecido e panelas brilhantes, estava uma bola nova de futebol. Exatamente aquilo que ele sempre quisera. Encostou a cara ao vidro e olhou para o preço. Custava mais do que uma inscrição na escola!

   Lentamente, afastou-se da vitrine e dirigiu-se para casa. Desta vez, sem assobiar.

   Nessa noite, Babu e Bernardi comeram feijões com arroz à luz do candeeiro de querosene e o avô pôs uma coisa no prato do neto. Este pegou no objecto e examinou-o. Era uma lata de banha. Ao abrir a tampa, Bernardi ouviu um tilintar.

   — Uma caixa de música! — exclamou o rapaz, pondo-se, de novo, à escuta.

   O som da melodia era áspero e metálico, mas o neto reconheceu a canção que o avô cantava outrora.

  
   Bernardi abraçou-o e ambos escutaram a música. Nessa noite, pela primeira vez, Bernardi adormeceu ao som da canção de Babu.

   O sábado seguinte foi um dia muito ocupado para Bernardi, porque era o dia em que ele vendia os brinquedos aos turistas. Instalou-se na sua esquina favorita do centro da cidade, dispondo os artigos ao longo da curva.

   Rodou a manivela da caixa de música e pôs-se a ouvir a canção de Babu. Vendera já algumas coisas, quando uma mulher pegou na caixa de música. Perguntou o preço e Bernardi disse-lhe que não estava à venda. Contudo, a cliente não desistiu e disse que queria a caixa de música para juntar à sua coleção. Bernardi declinou de novo. Foi então que a mulher estendeu um maço de notas e os olhos do rapaz abriram-se de espanto. Aquele dinheiro era mais do que suficiente para comprar a bola da vitrine!

   Bernardi pegou na caixa, pensando na bola novinha em folha e como seria bom poder ponteá-la! De certeza que o avô poderia fazer outra caixa de música! Engoliu em seco e aceitou o dinheiro. Depois de vender todos os brinquedos, não foi logo para casa. Em vez disso, dirigiu-se às lojas do fundo da rua.

   Quando chegou a casa, Babu estava a fazer limpeza. Olhou para o neto e para o saco vazio.

   — Vendi tudo, Babu! — disse Bernardi, tentando parecer alegre.

   Mas uma lágrima rolou-lhe pela face. O avô foi ter com ele, limpou a lágrima e aguardou. Sabia que Bernardi lhe contaria o que o preocupava. O neto fungou e falou-lhe da caixa de música e do futebol. Depois, entregou o dinheiro ao avô.

   — Não consegui comprar a bola, Babu. Este dinheiro é teu.

   Babu fez-lhe festas na cabeça. Depois, colocou o dinheiro na mão do neto e apertou-a, para lhe mostrar que o dinheiro era de ambos.

   Bernardi disse, cabisbaixo:

   — Já não quero a bola.

   E devolveu o dinheiro ao avô.

   — Fica com ele, Babu, e decide tu o que fazer.

   O velho pegou no dinheiro e olhou para o neto, pensativo. Após algum tempo, sorriu, pediu a Bernardi, por gestos, que ficasse em casa, e saiu. O rapaz ficou tranquilo à espera do avô na sala. Quem lhe dera ter ainda a caixa de música. Como conseguira vendê-la?

   Já era noite quando o avô regressou, trazendo na mão um saco de papel. Tirou um embrulho do saco e deu-o a Bernardi. Este reprimiu um soluço. Depois, desapertou o fio e retirou o papel castanho. Ficou de olhos esbugalhados quando viu que o embrulho continha um uniforme escolar!

   — Pagaste a minha inscrição na escola? — perguntou ao avô.

   Babu assentiu. O neto deu um salto e abraçou-o.

   Enquanto Bernardi segurava o uniforme de encontro ao peito, Babu voltou a sair. Quando voltou, trazia algo escondido atrás das costas. Era uma bola de futebol feita com fio e com o saco de plástico da Tia Valentina.

   Bernardi pousou o uniforme e pegou na bola. Deu-lhe uns toques com o joelho e viu que era uma bola a sério.

   — Obrigado, Babu. É maravilhosa! — disse ao avô, abraçando-o.

   O velho ficou radiante e o neto deu-se conta que esta bola era ainda melhor do que a que vira na
vitrine!

   Por fim, Babu tirou ainda mais uma surpresa do saco. Era uma lata de banha vazia. Bernardi pôs água a ferver e o avô começou a fazer uma nova caixa de música. Depois, pôs-se a trautear a canção de Babu, enquanto ambos esperavam pelo chá, à luz do candeeiro.

Stephanie Stuve-Bodeen
Babu’s Song
New York, Lee & Low, 2008
(Tradução e adaptação)

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