Hoje vou falar de futebol.
Era uma vez um jogador que se chamava Medo. Um grande jogador!
— Vamos jogar contra o Medo — diziam, antes do desafio, os adversários, cheios de medo.
Mas, um dia, lesionou-se.
— Estamos muito desfalcados — lamentavam-se os companheiros de equipa. — Sem o Medo não é a mesma coisa.
Foram buscar o suplente. Por acaso, o rapaz até se chamava Nervos. Era o Zé Nervos, não muito jeitoso a dominar a bola, mas com uma potência no remate de virar os guarda redes do avesso.
Já o primo dele, o Chico Nervos, que também jogava, mas a meio-campo, não havia quem o suplantasse como armador de jogo.
— Rapazes, hoje a tática é toda por conta dos Nervos — anunciava o treinador, nos balneários. — Com os Nervos ao ataque, temos a vitória garantida.
E tiveram.
Naquele jogo e no outro e nos outros que se seguiram o êxito foi estrondoso. Os adversários levavam abadas de chocar.
— Vocês não têm mais irmãos ou primos com queda para o futebol? — perguntava aos dois Nervos o treinador. — Se tiverem, eu contrato-os. Com os Nervos todos do nosso lado, bem controlados por mim, seremos imbatíveis.
Por sinal que eles não tinham mais parentes virados para o desporto. Eram os únicos Nervos futebolistas da família. Mas chegavam.
— Nervos! Nervos! Nervos! — gritavam os espectadores, nas bancadas.
Até parecia que a força dos Nervos se comunicava aos restantes jogadores.
Tanto se destacavam os primos que os jornais quase se esqueceram do nome dos outros futebolistas, do treinador e do próprio clube, para apenas designarem a equipa com títulos deste gênero: avalanche de Nervos, Nervos a mais, ataque de Nervos, com um entusiasmo e um exagero que – brr! – até enervavam.
Entretanto, o Medo, aquele jogador que se tinha lesionado no princípio da história, restabeleceu-se. Estava, de novo, pronto para jogar.
O treinador fez umas substituições, uns acertos e, sem dispensar os primos Nervos, mandou vir o Medo.
— Por este andar, com uma equipa deste nível, vamos ganhar a Taça das Taças das Taças das Taças — dizia o treinador, a esfregar as mãos e a rir-se.
Riso de pouca dura. O primeiro jogo com a nova formação foi um desastre. O segundo jogo, uma calamidade. Do terceiro jogo já não posso falar, porque não assisti. Sem, ao menos, um jantar de despedida, os dirigentes do clube puseram-me na rua.
Sim, era eu o treinador da equipa, esqueci-me de avisar no princípio.
Depois deste desastre, nunca mais voltei a um estádio. Mudei de vida.
Empreguei-me a escrever histórias...
Mas uma coisa aprendi da minha passagem pelo desporto: com Nervos e Medo juntos, nunca se consegue ganhar.
António Torrado
www.historiadodia.pt
Era uma vez um jogador que se chamava Medo. Um grande jogador!
— Vamos jogar contra o Medo — diziam, antes do desafio, os adversários, cheios de medo.
Mas, um dia, lesionou-se.
— Estamos muito desfalcados — lamentavam-se os companheiros de equipa. — Sem o Medo não é a mesma coisa.
Foram buscar o suplente. Por acaso, o rapaz até se chamava Nervos. Era o Zé Nervos, não muito jeitoso a dominar a bola, mas com uma potência no remate de virar os guarda redes do avesso.
Já o primo dele, o Chico Nervos, que também jogava, mas a meio-campo, não havia quem o suplantasse como armador de jogo.
— Rapazes, hoje a tática é toda por conta dos Nervos — anunciava o treinador, nos balneários. — Com os Nervos ao ataque, temos a vitória garantida.
E tiveram.
Naquele jogo e no outro e nos outros que se seguiram o êxito foi estrondoso. Os adversários levavam abadas de chocar.
— Vocês não têm mais irmãos ou primos com queda para o futebol? — perguntava aos dois Nervos o treinador. — Se tiverem, eu contrato-os. Com os Nervos todos do nosso lado, bem controlados por mim, seremos imbatíveis.
Por sinal que eles não tinham mais parentes virados para o desporto. Eram os únicos Nervos futebolistas da família. Mas chegavam.
— Nervos! Nervos! Nervos! — gritavam os espectadores, nas bancadas.
Até parecia que a força dos Nervos se comunicava aos restantes jogadores.
Tanto se destacavam os primos que os jornais quase se esqueceram do nome dos outros futebolistas, do treinador e do próprio clube, para apenas designarem a equipa com títulos deste gênero: avalanche de Nervos, Nervos a mais, ataque de Nervos, com um entusiasmo e um exagero que – brr! – até enervavam.
Entretanto, o Medo, aquele jogador que se tinha lesionado no princípio da história, restabeleceu-se. Estava, de novo, pronto para jogar.
O treinador fez umas substituições, uns acertos e, sem dispensar os primos Nervos, mandou vir o Medo.
— Por este andar, com uma equipa deste nível, vamos ganhar a Taça das Taças das Taças das Taças — dizia o treinador, a esfregar as mãos e a rir-se.
Riso de pouca dura. O primeiro jogo com a nova formação foi um desastre. O segundo jogo, uma calamidade. Do terceiro jogo já não posso falar, porque não assisti. Sem, ao menos, um jantar de despedida, os dirigentes do clube puseram-me na rua.
Sim, era eu o treinador da equipa, esqueci-me de avisar no princípio.
Depois deste desastre, nunca mais voltei a um estádio. Mudei de vida.
Empreguei-me a escrever histórias...
Mas uma coisa aprendi da minha passagem pelo desporto: com Nervos e Medo juntos, nunca se consegue ganhar.
António Torrado
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