- Se não me engano, é a raposa que lá vem, mais os
seus raposecos. Caminha à surrelfa, a manhosa, por entre o matagal! – Diz a
aranha, de atalaia no alto da teia onde vive.
- Nesse caso, o melhor é esconder-me. – Comenta,
precavido, o ouriço-cacheiro, olhar míope, na distância do mato.
- Nem os espinhos lhe valem, compadre Ouriço? –
Zomba a aranha, agora presa no fiozinho da teia.
- Valerem, sempre valem, ora essa! Mas com a
Raposa, nunca fiando...
- A mim, não me apoquenta ela. – Torna a aranha.
- E de que valia à Raposa apoquentá-la?! Não lhe
servia nem para a cova de um dente!
- À falta de melhor, quem sabe. – Replica a aranha,
sem se dar por vencida.
- A mim, sim. A mim ferrava ela o dente, se
pudesse. Eu é que lhe troco as voltas.
- A esconder-se, não? – Troça a aranha sob a teia,
em equilíbrios de trapezista.
E logo o outro, a mostrar ofensa:
- A senhora Aranha sabe muito bem que não sou
medroso. Sou asseado, trabalhador, e não gosto de zaragatas... Medroso, não.
Quanto muito, sou prudente.
- Tem razão, senhor Ouriço-Cacheiro, tem razão.
Pronto, não se zangue, eu só estava a brincar.
- Pois, mas há coisas com as quais não se brinca. O
que tenho é motivos para me esconder da Raposa, só isso...
E a aranha, curiosa, suspensa da teia:
- Motivos? Que motivos? Ora conte, senhor
Ouriço-Cacheiro, conte lá que sou toda ouvidos!
E o ouriço, que destrói os ratos e os insetos, e à
noitinha trabalha nas hortas, a limpá-las das lesmas e dos caracóis, não se faz
rogado e põe-se a contar:
- É assim: quando a Raposa quer apanhar um Ouriço,
e ele se enrola numa bola de espinhos, para defender-se, tem o feio costume de
lhe fazer xixi em cima. Enojado, o Ouriço desenrola-se, e ela ferra-lhe o
dente aqui, na parte inferior do corpo, onde os Ouriços não têm picos. – E
mostra a zona do corpito, desprovida de cerdas.
- E era uma vez um Ouriço, calculo! – Exclama a
aranha, arrepiada, na pontinha da teia.
- Nem mais. – Remata o ouriço-cacheiro.
- Então, é melhor esconder-se e depressa, ó senhor
Ouriço. Olhe que a Raposa não tarda aí!
- Como estamos ainda no Verão, segue com os
filhotes a caminho das searas. Antes ou depois da ceifa, no restolho, não lhe
vão faltar ratos, arganazes e passarada com fartura. Por isso, muda de covil, a
espertalhona...
E o ouriço-cacheiro, numa pressa, enrola-se,
bolinha de picos, bem escondido dos olhos da raposa matreira. A aranha, essa,
lá fica, oito patitas a tecer a teia, sem motivo para alarme.
Soledade Martinho Costa
Do livro «Histórias que o Verão me Contou»
Ed. Publicações Europa-América
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