Numa pequena aldeia de província
chamada Guardagansos, vivia uma gansinha que, por esses dias, apresentava um ar bem pálido.
As asas de Honorina tremiam e a gansinha tropeçava nas suas grandes patas. E,
contudo, nem sequer era a época da caça. Nessas alturas, muitos gansos ficavam
doentes de pura inquietação. A mãe colocou o termômetro debaixo da asa da
filha, como fazem todos os gansos quando querem saber se têm febre.
— Não tens temperatura — anunciou. —
Tanto melhor.
Por precaução, chamaram o Dr. Campo,
o médico da capoeira. Este chegou de bicicleta, vestido com um smoking,
e trazia um charuto ao canto do bico. Era a sua indumentária habitual:
— Não vejo faringite, nem laringite,
nem otite, nem apendicite, nem sinusite, nem dinamite — concluiu, após uma
breve observação da doente.
Tirou o livro de receitas do casaco,
pegou numa pluma das suas e molhou-a no seu tinteiro. Escreveu: doze bombons de
morango por dia, um chocolate quente (com muitas natas), e uma fatia de gelado
de castanhas.
— Porquê bolo gelado de castanhas? —
interrogou-se a Mãe Gansa, que se espantava sempre com as receitas do Dr.
Campo.
— Porque é delicioso e, neste
momento, a sua filha precisa de mimos — respondeu o estranho médico.
E sussurrou ao ouvido da mãe:
— Sei perfeitamente qual é a doença
da Honorina. Tem dores de escola!
— Dores de escola? — espantou-se a
mãe.
Com o seu dedo patudo, o médico
indicou na sua agenda a data do primeiro dia de aulas. A mãe sorriu, cúmplice.
O extravagante médico tinha razão. Honorina tinha pavor de ir para a Escola
Grande.
Desde o início das férias que a mãe
lhe dizia:
— Atenção, Honorina! Vais entrar para
a Escola Grande. Na Escola Grande, acabaram-se os brinquedos, a bola, as
bonecas, as casinhas, os bombons. É uma escola a sério!
Quantas vezes tinha a gansinha ouvido
já esta expressão “É uma escola a sério!”? Todos lhe diziam que agora era
crescida: a tia, a avó, a padeira… E Honorina perguntava-se o que se faria de
tão sério assim naquela escola.
— Talvez tenhamos de fazer o pino.
Talvez tenhamos de pintar com as nossas próprias plumas. Talvez tenhamos de
conhecer todas as plumas da capoeira. Ou contar milhares de grãos. E talvez nos
enfiem num quarto escuro em vez de nos deixarem ir ao recreio, e nos depenem
como se fôssemos galinhas vulgares…
Está-se mesmo a ver que Honorina
tinha uma imaginação muito fértil… O que é normal quando nos sentimos
inquietos. Morria de medo só de pensar em todas aquelas hipóteses. Não se
costumava dizer “Burra como uma gansa”? Talvez se rissem dela na turma, caso
dissesse uma asneira tão grande como ela. E se lá só houvesse perus, pavões, e
uma professora galinha insolente, que cacarejasse com má cara e distribuísse
bicadas a torto e a direito?
Quando Honorina fechava os olhos, via
uma casa enorme, enormíssima, com paredes brancas e frias como um hospital. E
via-se perdida, no meio daquilo tudo…
Quando a pequena gansa estava a
pensar nisto, a mãe entrou no quarto com uma chávena de chocolate quente e uma
fatia de bolo de castanhas. Sentou-se e, enquanto acariciava a testa da
filhinha, abanava a cabeça. Não sabia como a sossegar. Ela própria
não se sentia sossegada. Tinha a impressão de que a sua
menina tinha crescido depressa demais, e de que não precisava tanto da mãe.
Vê só como se metem ideias falsas na
cabeça das pessoas! É que Honorina achava que a mãe queria ver-se livre dela!
E por isso perguntou, num fiozinho de
voz:
— Mãe, quando eu for para a Escola
Grande, vais estar sempre por perto para me fazeres um chocolate quente? E
haverá lá alguém para me ajudar, quando eu me sentir perdida?
A mãe pôs a asa em volta da filha. Os
olhos brilhavam-lhe:
— Honorina, não te apoquentes. Eu vou
estar lá contigo, sentada num cantinho da tua secretária.
E murmurou outras coisas ao ouvido da
filha, coisas que só as mães sabem dizer às filhas. Histórias que falam de uma
criança que cresceu, mas que ainda é criança.
Honorina sorriu. Sentia-se muito
melhor. Seria o efeito do chocolate quente, do bolo, ou das palavras açucaradas
da mãe? Os seus olhos pestanejaram. Sentia-se tão segura agora que adormeceu debaixo
da asa da mãe. É tão bom, às vezes, ainda ser pequeno…
https://historiasparaosmaispequeninos.wordpress.com/2016/10/28/a-historia-de-honorina-a-gansinha-que-nao-queria-ir-para-a-escola-grande/
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