Um sapato velho, um sapato sem préstimo... Não
estava mal de todo. Conheço ratos que nem em chinelo moram. Nem em
sandálias.
Mas este rato que morava num sapato tinha ambições. Queria uma casa mais desafogada, mais espaçosa. Queria mudar de um sapato para uma bota.
Bem podia procurar. Onde é que se arranja, nos
tempos de hoje, uma bota livre, de preferência calafetada contra o frio e a
chuva, isto é, sem buracos na sola? Uma bota é um palácio. Um sonho...
Pôs um anúncio: "BOTA POUCO USADA PRECISA-SE
PARA HABITAÇÃO".
E não é que conseguiu?! Um velho coronel de
cavalaria vendeu-lhe as botas. Muito em conta.
O rato só precisava de uma, mas, já que se
proporcionava ficar com as duas, não quis perder a ocasião.
"Talvez lá mais para diante, leve uma para a
praia. Fico com uma casa de férias e a outra na cidade", pensou ele.
Não era mal pensado, não senhor. Mas, como estava
no Inverno, adiou o projeto. Por enquanto, havia que tratar da mudança.
Foi à casa velha buscar os cacaréus e voltou aonde
tinha deixado as botas. Pois sim, as botas... Onde é que elas já iam...
Um mendigo mal calçado, assim que as vira, ali ao
desamparo, cobiçara-se delas e levara-as. Que desolação para o pobre
rato.
Correu para o sapato, mas encontrou-o já ocupado
por uma ratazana antipática. Não havia discussão possível.
Desanimado com a sua pouca sorte, o rato enfiou-se
por um cano e, segundo parece, emigrou. Dizem que andou lá por fora, a
trabalhar, a economizar, a roer o pão que o diabo amassou.
Voltei a encontrá-lo, há dias, numa sapataria. Nuns
saldos. Estava muito entusiasmado a comprar umas galochas luzidias, daquelas
com enfeites de metal, e enormes. Número 47, vejam bem!
Este rato sempre teve a mania das grandezas.
António Torrado e Cristina
Malaquias
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