Uma gota de água que tinha permanecido
longo tempo adormecida debaixo da terra sentiu de súbito um impulso que a
obrigou a vir à superfície e, sem saber como, encontrou-‑se, de repente, no
exterior, num lugar desconhecido para ela.
Muito assustada por estar num mundo
novo, ao assomar por cima de uma folha viu que outras gotas de água como ela a
acompanhavam, todas a querer sair quanto antes e a empurrar-se. Juntas formavam
um fiozinho de água que deslizou serpenteando, saltando de rocha em rocha por
entre as árvores de um bosque.
— Porque deixei de ser uma gota de água
especial? Agora já não me diferencio em nada das outras gotas… — disse em voz
alta.
— Porque agora és uma gota de água de
um manancial — disseram-lhe as flores que cresciam nas beiras do regato. —
Obrigado por nos ajudares a crescer.
A gota de água não disse nada, mas
achou que ser manancial não era assim tão mau: as flores até lhe agradeciam…
Continuou a deslizar por entre árvores
e rochas observando como, pouco a pouco, mais gotas de água se juntavam a ela.
— Porque há cada vez mais gotas de
água? — interrogou-se em voz alta.
— Porque agora já não és um manancial.
Principias a ser um verdadeiro rio — responderam-lhe as árvores. — Obrigado por
nos ajudares a crescer.
Já não era uma gota de água, já não era
uma nascente, agora era um rio. Não sabia muito bem ainda o que significava ser
rio, mas sentiu uma força que antes não tinha, e que a empurrava para a frente,
embora sem saber bem para onde.
O rio agora fluía com suavidade por um
formoso vale cheio de flores, vacas e ovelhas a pastar em silêncio, e a gota de
água ficou extasiada diante daquela paisagem tão bonita.
As vacas aproximaram-se e ela pôde
vê-las de perto. Disseram-lhe:
— Obrigado, rio, por nos dares de beber
e ajudar-nos a crescer.
— Eu nada faço. Não têm que me
agradecer — respondeu-lhes a gota de água.
— Fazes e muito. Tu que, formas um rio
em conjunto com as outras gotas, regas todo o vale para podermos ter muita erva
para comer e, além disso, dá-nos de beber sempre que necessitamos. Achas que é
pouco?
A gota de água sentiu-se muito feliz
por ser um rio e que as flores, as árvores e o gado estivessem tão gratos… E lá
continuou o seu caminho, abandonando aquele formoso vale. Ao fim de algum
tempo, viu-se num lugar rodeado de casas, de carros, de ruídos de gente e
buzinas: estava a passar por uma cidade e isso era também novidade para ela.
Viu pontes por onde passavam pessoas e admirou-se muito por o rio aí correr
mais devagar, mas com muita força.
Umas pessoas abeiraram-se da margem do
rio e disseram-lhe:
— Obrigado por nos deixares apanhar
alguns dos peixes que levas. Pelo menos hoje podemos comer.
E uma criança disse:
— Obrigado, rio, gosto de te ouvir
porque alegras a nossa cidade com os teus murmúrios.
A gota de água voltou a sentir-se grata
e contente com o que lhe diziam. Ao longo do caminho, às vezes tinha tido medo,
sobretudo quando o rio começou a ir tão depressa que até saltava por cima de
enormes pedras; noutros momentos sentiu tranquilidade, quando o rio formava remansos
ou se alargava. Depois de muito, muito tempo, viu diante dos seus olhos uma
coisa surpreendente: milhares e milhares de gotas de água como ela juntavam-se
aí, as margens do rio tinham desaparecido e já não sabia onde estava. Confusa
por desconhecer o que era aquilo, ouviu a voz de uma criança:
— Obrigado, que vontade eu tinha de te
ver!
— Em que sítio estou? Nunca o vi! —
perguntou a gota de água.
— Não te assustes, é o mar. Obrigado
por me deixares nadar, mergulhar e brincar com as tuas ondas.
E gostou muito de ser mar, por tudo ser
muito variado e divertido: havia muitos peixes diferentes, algas e plantas
aquáticas de cores vistosas. Um dia de verão, quando já se tinha acostumado a
ser uma gota de água do mar, começou a ficar nervosa. Pelo horizonte abeiravam-se
muitas nuvens e uma delas perguntou-lhe:
— Não queres vir conosco? Levamos-te
para longe daqui e, lá de cima, onde nós vivemos, poderás ver maravilhas que
nunca viste.
— Bem, já sei o que é ser nascente, rio
e mar. Vou experimentar agora ser nuvem, a ver se gosto…
Uma nuvem deu a mão à gota de água e
juntas subiram, subiram muito alto, ajudadas pelo vento.
— Obrigado por me ajudares a crescer e
a fazer o meu trabalho — disse-lhe a nuvem.
E a gota viu, lá de cima, coisas que
nunca imaginara. Sentiu-se bem sendo nuvem, até que um dia teve frio, muito
frio, e a nuvem disse:
— Parece-me que a temperatura está a
baixar. Talvez te transformes em neve!
— Em neve? Isso o que é? — A gota de
água começou a ficar inquieta.
— Não te preocupes, eu deixo-te cair
com muito cuidado. O vento encarrega-se de te levar para o cume de alguma
montanha.
Tal como dissera a nuvem, pela primeira
vez na vida sentiu-se a voar… e gostou. O vento pousou-a suavemente no cimo de
uma montanha onde ouviu alguém a dizer:
— Obrigado por vires. Lá diz o ditado:
«Em ano de neve, ninguém deve».
— Quem és tu?
— Eu sou a montanha. Graças a ti muita
gente virá visitar-me e deslizar pelas minhas encostas. E, na primavera, quando
o sol principiar a aquecer, vais-te transformar em água e ajudarás a crescer as
flores que agora estão adormecidas.
A gota de água sentiu-se muito bem
sendo neve e a ver tanta gente divertir-se. Até que a primavera chegou.
E um dia, o sol começou a dar calor à
montanha e a neve derreteu-se e tornou-se outra vez água. A gotinha sentiu
então vontade de correr. Deslizou suavemente pela encosta, vendo de passagem
como algumas plantas acordavam e se vestiam de bonitas cores. Chegou a um
bosque. E aí sentiu sono.
Escondeu-se debaixo de uma folha e
adormeceu, enquanto ia recordando o escuro, a nascente, o rio, o mar, a nuvem,
a neve…, e a todos quantos, ao longo da sua caminhada, lhe tinham dito
“Obrigado!”
Begoña Ibarrola
Cuentos para sentir 2: Educar los sentimientos
Ediciones SM, 2003, Madrid
(Tradução e adaptação)
Cuentos para sentir 2: Educar los sentimientos
Ediciones SM, 2003, Madrid
(Tradução e adaptação)
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