O melhor amigo de Lola
não se chamava Pedro, nem Albano, nem Clemente. Era, ao mesmo tempo,
mudo e falador, simpático e rude. Chamava-se… espelho! Porque Lola
passava o melhor do seu tempo a contemplar-se. Não que ela se achasse
bonita, não. Se lhe perguntassem, ela diria que não se achava nem bonita
nem feia, mas gostava de se olhar, de se examinar. Por vezes, sorria-se
a si própria. Outras vezes, franzia o nariz e fazia tais caretas que
parecia uma feiticeira cheia de verrugas.
O espelho,
ora se mostrava seu amigo, ora seu inimigo. Havia alturas em que ela se
achava muito gorda, com as suas bochechas e a barriguinha a sair-lhe das
calças de ganga, sobretudo desde o dia em que, na aula de ginástica, o
Nicolau grande lhe dissera:
— Ó gorducha, devias começar a fazer dieta!
Havia outras alturas em que se achava bonita, sobretudo quando lhe diziam:
— Com esses olhos, hás de fazer muitas conquistas!
Seria
bonita, seria feia? Na verdade, não sabia. Olhava para o nariz e
achava-o achatado, e os joelhos metiam um pouco para dentro. Depois,
virava-se:
— Serei mais bonita de frente ou de trás?
Nada lhe
escapava. Sabia de cor que o seu perfil mais bonito era o do lado
direito. Que com esta saia ou estas calças se via menos a barriga, mas
se notava mais as pernas, que eram um pouco gordas. E perguntava-se:
— Se eu, todas as noites, prender o nariz com uma mola de roupa, será que ele ficará mais fino?
No meio destes exames minuciosos diante do espelho, ouvia ao longe a voz da mãe:
— O que estás a fazer, Lola? Já fizeste os deveres?
E suspirava:
— Para de te contemplares a todos os instantes e horas!
Um dia
em que Lola se virava, sorria, dizia mal de si própria, fazia trejeitos,
levantava os cabelos com uma mão, apertava o nariz com a outra, eis que
de repente, incrível!… deixou de ver a sua imagem no espelho. Já não
estava lá nada! Franziu os olhos, olhou por detrás dela, apalpou os
braços, os ombros, para ver se continuava a existir… E, de repente,
ouviu um enorme suspiro! Quando se virou, adivinha quem ela viu por
detrás dela… A sua imagem, de mãos nas ancas, que a observava com um ar
furioso!
— Estou farta! — gritou a imagem. — Far-ta! Ouviste? Há meses que isto dura. Meses em que não paras de ME observar no espelho.
Lola arregalou os olhos.
Mais do que espantada, estava atônita. O que poderia responder àquela criatura tão indelicada?
A imagem continuava:
— Por quem te tomas, afinal? Nunca estás contente… Julgas que é agradável? Faço tudo o que posso por ti!
— Mas… não é nada contra ti — respondeu Lola. — É que, por vezes, não me acho… lá muito… lá muito a meu gosto, é isso!
A imagem apontou um dedo acusador:
— É o que TU
pensas! Alguma vez pensaste nos outros? É-te indiferente aquilo que
eles pensam! Aprisionas-me com o teu olhar, julgas-me… Nunca sou
suficientemente bonita para ti! Para que hei de estar a incomodar-me,
afinal? — vociferava a imagem, visivelmente encolerizada.
— Desculpa, desculpa — murmurava Lola.
— Eu queria
ficar no meu lugar, mas o que é demais é erro! Há três quartos de hora
que estás a observar-te. Então, perdi as estribeiras.
E continuava a resmungar:
— É sempre
assim com as meninas. A princípio, quando são pequenas, tudo corre bem,
elas confiam em nós. Mas depois, quando crescem, começam a duvidar.
Acham-se menos bonitas, gordas demais, com um nariz achatado, mais isto,
mais aquilo!
— É que… eu queria tanto… ver-me como os outros me veem — murmurou Lola constrangida.
A imagem, subitamente calma, sorriu:
— Tu nunca
poderás ver-te como os outros te veem! O teu olhar é duro, severo,
enquanto que, para eles, és uma menina bonita e simpática. Então, para
de te fazer mal a ti própria, está bem? Os teus olhos são tão severos
que te distorcem totalmente. Tenho a certeza de que me vês com uma
barriga enorme, orelhas de abano e um nariz de pepino. Mas não é
verdade!
Lola
assentiu com a cabeça, sorrindo. Talvez tivesse razão, aquela imagem
marota! Talvez ela estivesse a ser dura demais consigo própria…
— Ouve —
murmurou a imagem. — Agora vou entrar no espelho. — E apontou o
indicador em direção à menina.— Mas, antes, deixa-me dizer-te uma coisa.
Todas as manhãs podes olhar para mim durante algum tempo. Para te
penteares e vestires. Mas evita passar horas a julgar-me e a observar-me
de todos os ângulos — e corou. — É que fico constrangida…
Lola, atônita, regressou à sala.
— Está tudo bem, querida?
— Sim, mãe — murmurou Lola, refletindo: “A imagem tem razão… Há mais coisas a fazer do que contemplar-me todo o dia.”
Na cozinha,
havia um cheiro agradável a chocolate quente. Teria sonhado ou não? Era
difícil de saber, mas o que ela sabia é que ia oferecer-se uma boa
merenda e um bom livro, sem pensar em mais nada, e sobretudo em si
própria.
A partir
daquele dia, Lola abandonou as suas sessões de contemplação, porque
compreendera que a imagem no espelho não lhe pertencia totalmente. De
tempos a tempos, é claro, acontecia-lhe voltar ao espelho, sobretudo
quando acabava de comprar uma saia ou umas calças novas, mas fazia-o
durante cinco minutos, porque ficara com medo de ver sair, de repente,
uma imagem furiosa.
Lola
achava-se muito mais bonita, já não tinha o nariz metido no seu umbigo,
sentia confiança na sua amiga imagem! “Decididamente”, pensou ela uma
manhã, quando olhava de relance para o espelho, “vivemos muito melhor
conosco próprios quando nos vemos de relance.” E piscou o olho ao
espelho.
— Não é assim, querida imagem?
Sophie Carquain
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