A história de Flor-de-lis





Fui comprada numa loja de cachorros. A mulher entrou e disse:
            __Quero uma cachorra caríssima e de raça puríssima, para todo o mundo achar linda e ficar sabendo quanto é que custou.
            E aí ela ficou sendo minha dona e me levou para casa.
Vivia me enchendo de perfume. Eu espirrava o dia todo e pensava: “puxa vida, se eu sou cachorro, porque é que não posso ter cheiro de cachorro?”
            Vivia me enchendo de roupas e pulseiras, e quando chovia me botava capa de borracha, lenço na cabeça e botas. Eu morria de vergonha de sair na rua assim, e pensava: “puxa isso não é jeito de cachorro andar”. Nunca me deixava solta. Nem um minutinho. “Puxa vida, cachorro precisa correr. Isso não é vida!” – eu pensava. E a coleira era sempre tão apertada que me sufocava. Olha aqui a marca, olha só.
            Vivia me enchendo de talco e pó-de-arroz, me levava para tomar parte em concurso de beleza, e hoje, vê se pode, disse que ia furar minhas orelhas para botar brinco, e isso eu nunca vi cachorro usar.
            Então eu pensei: “Puxa vida, quem sabe esse tempo todo eu estou achando que sou cachorro, mas eu não sou cachorro?...” Foi aí que eu comecei achar que estava ficando meio birutinha e me apavorei. Quando ela abriu a porta para uma visita entrar, eu fugi.

 

(NUNES, Lygia Bojunga. Os colegas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981)

 

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