(Marina Colasanti)
De
noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a
filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o
vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior
espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama
da filha que dormia.
Quando a princesa
acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única olhava para
ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as duas da
cama. Rápido chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma sorriu e deu
bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
- Engraçado – pensou uma - , a outra é canhota.
E riram as duas.Riram muito depois.
Felizes
juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma era a graça da outra. O
salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava cansada, a outra
dormia.
O rei, encantado com tanta
alegria, mandou fazer brinquedos novos, que entregou à filha numa cesta.
Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de ouro. A bola no fundo da cesta.
Porém tão brilhante, que foi o primeiro presente que escolheram.
Rolaram
com ela no tapete, lançaram na cama atiraram para o alto. Mas quando a
princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo e
amizade.
Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.
A
tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para
chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que
tanto amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas
amigas. Não na lágrima que logo caiu mas nos cacos que cobriam o chão.
- Engraçado são canhotas – pensou.
E
riram.Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas
amigas. Agora podia escolher. Um dia escolheu uma e logo se cansou. No
dia seguinte preferiu outra, e esqueceu-se dela logo em seguida. Depois
outra e outra, até achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou
contra a parede e fez duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez
quatro. Não achou mais graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez
oito. Irritou-se com as oito partiu com uma pedra e fez doze.
Mas duas eram menores do que uma, quatro menores do que duas, oito menores do que quatro, doze menores do que oito.
Menores
cada vez menores.Tão menores que não cabiam em si, pedaços de amigas
com as quais não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um pedaço de si.
Depois, nem isso, pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.
Sozinha outra vez a filha do rei.Chorava Nem sei.
Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.
Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.
Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu pelo prado. Parou à beira do lago.
No reflexo da água a amiga esperava por ela.
Mas
a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria
todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na
água. A amiga encrespou-se, mas continuou sendo uma.
Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos, estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua superfície.
Maravilhoso!!!
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