O rapaz, órfão de pai e
mãe, saiu pelo mundo para ganhar a vida. Ia por um caminho quando viu uma pedra
tapando a boca de um formigueiro e as formigas lutando para arredá-la. O
moço que tinha bom coração, abaixou-se e tirou a pedra com cuidado para
não matar as formigas. Quando acabou, uma formiguinha falou:
– Se você se encontrar em
dificuldades, diga: “Valha-me o Rei das formigas.”
O rapaz seguiu sua
estrada e adiante encontrou um carneiro com uma pata enganchada num arame.
Soltou o bichinho. O carneiro disse:
– Quando você tiver uma
dificuldade, diga: “Valha-me o Rei dos carneiros.”
Lá mais longe o rapaz viu
um peixe dentro duma poça d’água rasa, quase se acabando. O peixe estava com
o lombo de fora, morrendo. O moço tirou-o da poça e sacudiu numa lagoa
perto. O peixe mergulhou, foi embaixo, veio em cima, e falou:
– Quando você tiver uma
dificuldade, diga: “Valha-me o Rei dos peixes.”
Quase avistando o
reinado, o rapaz encontrou um gavião deitado no chão, seco de sede. Levou-o,
deu-lhe um banho, deixou ele beber água e soltou. O gavião voou para um
galho de pau e disse:
– Quando você tiver uma
dificuldade, diga: “Valha-me o Rei dos pássaros.”
Chegando no reinado, o
rapaz soube que a princesa tinha um espelho mágico que mostrava todas as coisas escondidas.
O espelho só tinha forças de meia-noite até o primeiro cantar do galo. Quem se
escondesse e a princesa não descobrisse, casava com ela e se ela achasse,
perdia o homem a vida. O pretendente tinha três noites para lograr sucesso.
O rapaz foi se oferecer para essa aventura.
Na primeira noite,
procurou um canto fora do reinado e disse: “Valha-me o Rei dos carneiros!” O
carneiro apareceu e o rapaz disse o que queria.
– Monte nas minhas
costas! – O rapaz montou e o carneiro largou-se correndo, de mato a
dentro, para umas brenhas fechadas onde havia uma gruta. Deitou o rapaz na
gruta e encheu os arredores de carneiros, uns por cima dos outros, que ninguém
via outra coisa afora carneiro.
À meia-noite, a moça
puxou o espelho e procurou o rapaz, por todos os lados. Tanto virou que deu com
a gruta e o espelho mostrou o rapaz deitado no chão, coberto de carneiros.
A princesa tomou nota e foi dormir.
No outro dia o rapaz se
apresentou.
– Onde eu estava
escondido?
– Deitado no chão, dentro
de uma gruta, rodeado de carneiros. – respondeu a princesa.
– Era isso mesmo.
O rapaz apelou para o
peixe. Foi à beira-mar e chamou: “Valha-me o Rei dos peixes!” O peixe riscou na
praia. O moço contou sua dificuldade. O Rei dos peixes mandou um tubarão
engolir o rapaz e uma baleia engolir o tubarão e foi para o fundo do mar.
À meia-noite, a princesa
foi consultar o espelho. Caçou na terra e nos ares e procurou os mares, com
tanto cuidado que descobriu onde o rapaz estava dormindo. Na manhã, o moço
apareceu e perguntou:
– Onde eu passei a noite?
– Dentro de um tubarão
que estava dentro de uma baleia, no fundo do mar!
– Era isso mesmo.
Dessa vez o rapaz chamou
o gavião e contou sua agonia. O gavião levou-o nas costas até em cima das
nuvens e lá apareceu um outro gavião ainda maior que cobriu o Rei dos
pássaros com suas asas.
À meia-noite, a princesa
procurou o rapaz nas águas e na terra e não achou. Procurou nos ares e não viu.
Tanto olhou e olhou que enxergou um pontinho escuro por cima das nuvens.
Botou reparo e descobriu tudo.
O rapaz, na manhã
seguinte, veio ao palácio e perguntou:
– Onde dormi a noite
passada?
– Em cima de um gavião,
coberto por outro, em cima das nuvens!
– Era isso mesmo!
Como era a terceira
tentativa, o rapaz foi condenado à morte, mas a princesa ficou com pena dele e
pediu ao rei para deixar o moço experimentar uma vez mais. O rapaz ficou
contente e foi valer-se do rei das formigas. Esse ouviu a conversa toda e
disse:
– O espelho descobriu
você na terra, no mar e nos ares. Mas o espelho não pode ver a própria
princesa. Eu vou virar você numa formiga e você suba para cima do vestido
dela e esconda-se bem.
Dito e feito. O rapaz
virou formiga, entrou no palácio, foi ao quarto da princesa e subiu pelo
vestido acima, bem devagar para ela não pressentir, e escondeu-se na
bainha da camisa.
À meia-noite, a princesa
procurou o rapaz em toda parte, virou e mexeu, e nada de ver onde ele
estava dormindo Passou-se a hora das forças do espelho encantado e ela não
viu coisa nenhuma. Amanheceu o dia e o rapaz voltou a ser gente e veio
perguntar onde tinha dormido.
– Não sei onde você
dormiu! Onde foi?
Fizeram o casamento com
muita festa e só depois de casado é que o moço disse onde tinha passado a
última noite de solteiro.
CASCUDO, Câmara. Contos
tradicionais do Brasil. São Paulo: Global, 2000. 8ª ed.
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