A centopeia que sonhava



(Herbert de Sousa Betinho)


Lá ia a centopeia pensando com seus botões.
“Mas que vontade de voar”, pensou, ao ver a andorinha lá no alto.
“Mas que vontade de nadar”, pensou ela, quando viu o peixinho vermelho fazer maravilhas dentro da água. “E cantar como o curió, que dobra suas notas que é uma beleza!”
“É, mas centopeia não voa, não nada e nem canta”, concluiu com tristeza. “Tenho que me conformar e ficar andando com minhas cem perninhas e ainda achar bom”.
Aí ouviu uma vozinha que chegava do alto de uma árvore. Era a andorinha que lhe disse:



– Dona Centopeia, estou vendo que a senhora tem vontade de voar.
– É verdade — respondeu –, mas não posso, não tenho asas, só tenho perninhas, que servem para andar mas não para voar.
– Mas a senhora pode voar comigo, nas minhas costas!
– Será mesmo que posso realizar esse sonho, ir lá em cima, nas nuvens, ver tudo do alto?
– É claro que pode, venha!
Mais que depressa a centopeia subiu nas costas da andorinha, que saiu voando. E m poucos instantes já estava lá no alto. Era uma  maravilha ver tudo ficar pequeno ali embaixo. Como o mundo era grande lá de cima, e bonito, azul, e que ventinho gostoso ela sentia. Nem teve medo, de tão animada que estava com a experiência.
“Devo ser a primeira centopeia do mundo a voar”, pensou ela com suas perninhas.
– Vamos descer, dona Andorinha, é emoção demais. E desceram.
– Quando quiser voar de novo é só falar — disse a andorinha, e sumiu no céu como um raio.
“Voar foi possível”, pensou a centopeia. “Mas nadar não tem jeito, aí só sendo peixe mesmo.” Ela, então, ouviu outra vozinha que vinha da água.


– Ei, dona Centopeia, a senhora tem vontade de nadar? Ir lá no fundo e descobrir um outro mundo colorido?
– Mas como, seu Peixinho? Será possível? Não vou morrer afogada?
– Não — disse o peixinho –, a senhora sobe nas minhas costas, se agarra direitinho e prende a respiração por uns minutos. Boca fechada e olhos bem abertos. Vai dar certo. — E deu mesmo.
A centopeia subiu nas costas do peixinho, prendeu a respiração e… foi outra maravilha! Como era bonita a água azul, limpa, cheia de outros peixinhos coloridos.
A centopeia levou um susto enorme quando apareceu um peixão.
“E se ele pensar que sou uma minhoca?” Mas não pensou. Nadar era uma maravilha. A vida debaixo da água é outra coisa. Mas só para quem consegue prender a respiração por bastante tempo, e ela já estava aflita para subir. E subiram.
– Obrigada, seu Peixinho, foi uma beleza!
– Quando quiser nadar de novo é só falar — disse o peixinho. – Mas tenho outra surpresa para a senhora.
O peixinho pegou uma conchinha, amarrou num barbante fino e disse:
– Suba, dona Centopeia, vamos correr por cima da água! — E saiu nadando, puxando a centopeia a uma velocidade incrível. Foi o máximo!
É, a coisa estava ficando boa. Ela, uma simples centopeia, já havia voado e nadado, e não tinha asas nem era peixe!
Mas cantar como o curió, isso sim que não podia nem deveria haver jeito. Não tinha voz, não sabia produzir uma melodia. Mas de novo a centopeia ouviu uma voz, que desta vez vinha lá do alto de uma laranjeira. Era o curió, que dizia:


– Olha, dona Centopeia, cantar a gente aprende. Tem gente que sabe educar a voz e canta que é uma beleza. Mas eu tenho uma coisa melhor que cantar: é tocar uma flautinha.
– Como pode ser isso, seu Curió?
– Eu faço uma flauta de bambu bem feitinha, ensino as notas para a senhora e aí podemos tocar e cantar juntos.
– Essa eu nem acredito.
– Mas vai acreditar.
E o curió fez uma flautinha com um som muito doce e bonito. A centopeia ficou tão entusiasmada com as aulas que aprendeu logo. Ela tocava bonito, e todos os bichos da floresta iam ouvir a centopeia flautista.
A centopeia agora tinha um último desejo: pular de galho em galho lá no alto das árvores da floresta. Mas como, se não conseguia nem dar uns saltinhos aqui na terra? Foi quando chegou o macaco, com um riso bem esperto nos lábios.



– Se a senhora quiser saltar, é só subir aqui nas minhas costas e se segurar bem.
– Claro que quero! Vai ser muito divertido ir saltando por aí de galho em galho!
E foi uma algazarra. O macaco pulando, gritando e rindo, com a centopeia agarradinha nas suas costas. Parecia um circo, o macaco era mestre no salto.
A noite foi chegando e a centopeia estava muito feliz com todas as aventuras daquele dia. De repente se deu conta do que havia acontecido: ela não sabia que tinha tantos amigos na floresta e que tudo o que ela não conseguia fazer sozinha ela podia fazer com a ajuda dos outros bichos. Podia voar sem ser pássaro, nadar sem ser peixe, cantar sem ter voz e pular sem ter pernas e braços de macaco.
– Quem tem esses amigos pode tudo — concluiu ela. — Juntos vamos
muito longe!

Texto disponível em: http://historiasinfantis.eu/a-centopeia-que-sonhava/

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