Zé Malandro era boa pessoa, mas malandro que nem
ele só. Em vez de trabalhar como todo
mundo, preferia passar a vida zanzando e jogando baralho. Ou então ficava
deitado na rede, folgado, tocando viola de papo para o ar. Por
causa disso era pobre, pobre, pobre.
Certo dia, estava em casa
preparando o jantar, um pouquinho de feijão e um pedaço de pão seco, quando
bateram na porta. Era um viajante. O homem, muito velho, pedia um pouco de
comida.
— Entre aí — disse Zé Malandro.
— Onde um quase não come, dois quase não vão comer também.
Os dois riram.
Após o jantar, o viajante
agradeceu muito e contou que tinha poderes mágicos.
— Você foi muito generoso
repartindo a comida comigo
— disse o velho viajante. — Em
retribuição pode me fazer quatro pedidos. Por exemplo — sugeriu ele —, se
quiser,
pode pedir para ser protegido
pelo resto da vida.
— Concedido — disse o velho. —
Por exemplo, se quiser, pode pedir perdão para todos os seus
pecados.
Zé Malandro pensou e
disse:
— Prefiro ter uma figueira que
quem subir nela só desce com minha ordem.
— Concedido — disse o velho. —
Por exemplo, se quiser, pode pedir sua salvação.
Zé Malandro pensou e
disse:
— Prefiro ter um banco que quem
sentar nele só sai com minha ordem.
— Concedido — disse o velho. —
Por exemplo, se quiser, pode pedir, quando morrer, para ir para o
céu.
Zé Malandro pensou e
disse:
— Prefiro ter um saco de pano
que quem entrar dentro só sai se eu mandar.
O velho coçou a cabeça,
concedeu, despediu-se e seguiu viagem.
A partir daquele dia, Zé
Malandro plantou um pé de figo ao lado de sua casa e nunca mais se
preocupou com nada
vezes nada. Passava o dia
inteiro ou deitado na rede de papo para o ar ou jogando baralho. Como
ganhava todas,
sempre tinha dinheiro para
comprar comida, roupa e as coisas de casa. Era tudo de que o Zé
precisava. Mas o tempo é invisível. Passa dia e noite e ninguém vê.
A figueira virou uma árvore frondosa e Zé Malandro
acabou ficando velho. Muito velho.
acabou ficando velho. Muito velho.
Certa noite, bateram na porta de
sua casa. Era a Morte vestida com uma capa preta.
— Zé, pode se preparar. Sua hora chegou — disse ela segurando uma foice.
— Zé, pode se preparar. Sua hora chegou — disse ela segurando uma foice.
— Mas como! — exclamou ele
espantado. — Já? Deve haver algum engano! Ainda me sinto tão bem!
A Morte não era de muita
conversa.
— Se está pronto, vamos.
Zé Malandro baixou a
cabeça.
— Posso fazer um último pedido?
— perguntou ele com lágrimas nos olhos. — Quero comer um figo antes de
morrer.
— Pode ser — disse a Morte. —
Mas ande logo com isso.
— O problema — explicou Zé
Malandro retorcendo o corpo de lado — é que estou meio velho e já não
consigo trepar na árvore para pegar uma fruta.
E implorou:
— Por favor, dona Morte, faça
isso por mim! É o último desejo de um pobre velho miserável raquítico
esclerosado caindo aos pedaços!
A Morte resmungou mas aceitou.
Subiu na árvore, arrancou um figo e lá ficou. Não conseguiu mais
descer de jeito nenhum.
Zé Malandro deu risada,
despediu-se e foi jogar baralho.
Deixou a Morte presa lá em cima,
furiosa.
Com a Morte aprisionada no alto
da figueira, a confusão na cidade onde Zé Malandro vivia foi geral. Como
ninguém mais morria, os coveiros e fabricantes de caixões ficaram sem
trabalho. Os médicos e hospitais perderam a clientela.
E, além disso, houve desemprego, pois as pessoas
não se aposentavam mais nem cediam lugar para as outras mais
jovens. E o pior: a população começou a aumentar
muito.
— Isso é contra a natureza! — gritava a Morte
revoltada, agarrada nos galhos da figueira. — Você tem que me deixar
sair daqui!
E a Morte insistiu tanto, explicou tanto,
argumentou tanto que Zé Malandro acabou cedendo.
— Mas só deixo você descer se me der mais sete
anos de vida — disse ele.
A Morte não tinha outro jeito. Acabou
concordando.
E assim, Zé Malandro continuou sua vidinha folgada
de sempre, feliz da vida, jogando baralho, cada vez mais velho,
cada vez mais invencível.
Sete anos passam depressa.
Certa noite, bateram na sua porta. Era um homem
estranho, de cara feia, chapéu e paletó escuro.
— Zé, se prepare — disse o homem. — Sua hora
chegou.
— Quem é você? — quis saber Zé Malandro.
— Sou o Diabo — respondeu o outro, tirando o chapéu
e mostrando dois tristes chifres. — A Morte não quis vir de jeito
nenhum, mas me mandou no lugar dela para buscar
você.
— Mas como! — disse o Zé espantado. — Já?
Deve haver algum engano!
O Diabo caiu na gargalhada.
— Não venha com essa conversa mole. Já estou
avisado sobre você. Vamos embora agorinha mesmo. Ou vai me pedir pra
subir na figueira? Nessa eu não caio!
Zé Malandro baixou a cabeça.
— Posso fazer um último pedido? — perguntou ele
com lágrimas nos olhos. — É muito importante. É o último desejo de um
pobre velho miserável raquítico esclerosado
caindo aos pedaços. Queria tomar um traguinho de
cachaça antes de abotoar o paletó. Você me acompanha?
O Diabo lambeu os beiços.
— Até que não é má ideia!
— Sente-se aí enquanto eu pego os copos e a pinga
— disse Zé Malandro, puxando o banquinho.
Dito e feito. O Diabo sentou e de lá não saiu mais.
— Me tira daqui! — gritou ele, assustado.
Zé Malandro deu risada, despediu-se e foi jogar
baralho.
Com o Diabo preso no banquinho, acabaram-se os
crimes na cidade. As cadeias ficaram vazias e os guardas, delegados, advogados
e juízes preocupados em perder seus
empregos. Além disso, como as pessoas agora só
falavam a verdade, começou a haver muita confusão porque as verdades são
muitas. Mas o pior não foi isso. Acontece que o Diabo passava o dia
inteiro sentado no banquinho gritando, guinchando e falando os piores
palavrões.
— Cala a boca! — dizia Zé Malandro.
— Minha mulher me mata! — berrava o Diabo
furioso.
— Saí para buscar você já faz mais de um ano e
ainda não voltei pra casa! Quando eu voltar ela me arrebenta!
— Diga a ela que você ficou preso num
banquinho!
— Ela não vai acreditar! Me solta, Zé Malandro, por
favor, que a Diaba me quebra a cara!
Cansado daquela figura resmungando dia e noite
dentro de casa, Zé Malandro acabou cedendo.
— Mas só deixo você sair se me der mais sete anos
de vida — disse ele.
O Diabo não tinha outro jeito. Acabou
concordando.
E assim, Zé Malandro continuou sua vidinha folgada
de sempre, feliz da vida, jogando baralho, cada vez mais velho, cada
vez mais invencível.
O tempo passou. No dia em que se completaram
sete anos, Zé Malandro fechou a casa inteira bem fechada só deixando
uma janelinha destrancada. No quarto, debaixo da janela, colocou seu saco
de pano bem aberto.
Naquela mesma noite, o Diabo apareceu, ele e
sua mulher.
A Diaba não tinha acreditado nem um pouco na
história do banco e dessa vez quis vir junto com o marido.
O Diabo bateu na porta. Nada. Bateu de novo.
Nada.
Acabou descobrindo a janelinha aberta e entrou com
a mulher por ela.
Os dois foram parar dentro do saco de pano e lá
ficaram.
Zé Malandro apareceu com um pedaço de pau na
mão e começou a bater no saco.
— Socorro! — berrava o Diabo.
— Me acuda! — berrava a Diaba.
O casal dos infernos passou o ano inteirinho dentro
do
saco tomando pancada todo santo dia. No fim,
Zé Malandro cansou. Estava velho demais e até um pouco gagá. Soltou o
casal de diabos que fugiu mancando apavorado. Dias depois, o Zé fechou os olhos
e entregou a rapadura.
Foi direto para as profundezas do inferno.
Ao chegar lá bateu na porta. Apareceu o Diabo que,
ao vê-lo, recuou assustado e começou a gritar:
— Vai embora! Aqui você não entra! Cai fora, Zé
Malandro! No inferno você não fica!
Sem saber direito o que fazer, Zé Malandro foi até
o céu e bateu na porta. Apareceu São Pedro. O santo fez cara feia.
— Você não quis ser protegido, não quis perdão
para seus pecados, não quis a salvação nem vir para o céu.
Agora, não tem jeito. Vai embora! No céu você não
fica.
E assim, sem ter para onde
ir, Zé Malandro achou melhor voltar para a Terra. Dizem que até hoje anda por
aí, invencível, jogando seu baralhinho. Ricardo de Azevedo
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