O rapaz e o reino distante








Era uma vez em um reinado uma princesa que o rei só daria em casamento a quem se submetesse a uma rigorosa prova. Muitos já haviam tentado, porém, ninguém havia conseguido, e, mesmo se conseguisse o rei mandava matar.
Essa fama corria por todo o reinado. De lugares distantes vinham muitos pretendentes, porém nada conseguiam.
Um dia um rapazinho, órfão de pai, resolver correr mundo. Tomou a bença à sua mãe e partiu, dizendo que ia ao tal reinado disputar a mão da princesa. A pobre viúva que o tinha como a sua maior riqueza e a sua única alegria, em lágrimas implorou ao filho que desistisse daquela empresa, mas o rapaz teimou e partiu sem atender aos rogos de sua mãezinha.
Andou, andou vários dias e, um dia, encontrou um homem transportando uma gigantesca tora no ombro e lhe perguntou:
Onde vai, meu amigo, com essa tora tão grande?
— Isso é um gravetinho, para minha avó fazer café. Respondeu o homem.
— Quer trabalhar comigo?
— Quero.
— Quanto quer ganhar?
— Três vinténs.
— Então, venha comigo.
Adiante encontrou outro homem amarrando as pernas e lhe perguntou:
— Que está fazendo aí, homem de Deus?
— Estou amarrando as pernas, para poder alcançar um veado que vai correndo a umas vinte léguas daqui. Se não amarrar as pernas passarei pelo veado.
— Você quer se empregar comigo!
— Quero, — aceitou o homem.
— Quanto quer ganhar, perguntou-lhe.
— Três vinténs.
— Então, vamos embora.
Mais à frente encontrou outro homem que tinha o chapéu na metade da cabeça e indagou-lhe: — Que significa isso, homem, com esse chapéu ao meio da cabeça?
— Com este chapéu eu regulo o tempo. Se enterrá-lo todo na cabeça fará um frio que ninguém resistirá. Se tirá-lo da cabeça então fará um calor de rachar. E assim ao meio da cabeça teremos um tempo agradável.
— Você quer se empregar comigo?
— Quero. — disse o homem do chapéu.
— Quando quer ganhar?
— Três vinténs.
— Então, vamos embora.
Continuaram a viagem. Depois de muito andarem, encontraram um homem com uma espingarda fazendo pontaria e perguntou-lhe o rapaz: — Mestre, que está fazendo aí?
— Estou fazendo pontaria no olho de uma mosca assentada numa mesa lá na França.
— Você quer trabalhar comigo?
— Quero, — respondeu o homem.
— Quanto quer ganhar?
— Três vinténs.
— Então, vamos embora.
Mais adiante encontraram um outro homem, tapando um lado do nariz e lhe perguntou o rapazinho: — Que está fazendo aí, tapando o nariz?
— Estou fazendo vento para uma embarcação que está navegando à vela no Oceano Pacífico. Informou o homem.
— Quer se empregar comigo!
— Quero, — aceitou o homem.
— Quantos quer ganhar?
— Três vinténs.
— Então, me acompanhe.
Andaram, andaram, andaram e chegaram no reinado onde havia a princesa para casar com quem vencesse a prova. Apresentaram-se ao rei e ele marcou o dia e convidou toda a corte para assistir.
No dia marcado, à hora do almoço, quando todos já estavam à mesa, o rei disse: 
— Essa criada vai buscar um copo d'água numa fonte daqui a sete léguas e antes que termine o almoço ela estará aqui de volta. A prova consiste em ir também buscar o copo de água e chegar aqui primeiro que a minha criada, — e deu o copo à moça.
O rapazinho chamou aquele homem que estava amarrando as pernas e o mandou também buscar à água.
Quando o homem alcançou a criada, ela deu-lhe um beijo na testa e ele caiu adormecido. Aquele homem que estava fazendo pontaria com a espingarda disse: — O homem está dormindo. — Deu um tiro, acordou o homem, que se levantando foi à fonte, esperou limpar a água que a criada havia toldada, apanhou a água e chegou antes da criada.
Todos bateram palmas ao vencedor. O rei, porém, disse: 
— Você não se casará com a princesa, porém, em compensação terá que levar todo o ouro que tenho em meu tesouro.
Mandou encher muitos sacos de ouro, que pesavam muitas arrobas, dizendo que ali estava a carga para um só homem levar. O rapaz chamou aquele homem que encontrou com a tora e mandou que ele levasse a pesada carga. O homem apanhou os sacos todos, colocou-os na cabeça, achando que ainda era pouco peso.
O rei, à vista da disposição do homem, disse: 
— Vocês não irão hoje. Amanhã lhes oferecerei um almoço. 
Mandou, no dia seguinte, servir o almoço em uma casinha toda de ferro e quando eles entraram, o rei ordenou que botassem fogo baixo para matá-los todos queimados.
Quando a casa começou a esquentar, o homem do chapéu disse:
— Está fazendo um calorzinho e é bom esfriar um pouco. Enterrou o chapéu na cabeça e logo ficou tudo gelado. Quando o rei veio ver se eles já estavam torrados, disseram-lhe:
— Foi bom vossa majestade vir, porque estava fazendo um frio danado aqui dentro. 
O rei botou a mão na cabeça, exclamando:
— Estou perdido com esses homens! Mas não há de ser nada.
O homem dos pesos apanhou os sacos e partiram. Quando já iam distante, o rei mandou seu exército atrás. Quando eles perceberam que estavam sendo perseguidos, o homem da espingarda dava de quando em vez uns tirinhos e assim iam se divertindo. Mas o exército avançava, atirando contra eles. 
Então, o homem do nariz disse: 
— Esse rei já está me aborrecendo e colocando a mão no nariz provocou uma ventania que levou o exército, palácio e tudo pelos ares, acabando com o reinado.
Chegando à sua cidade, o rapaz repartiu a riqueza com seus companheiros. Encontrou-se com a mãezinha, arranjou uma festa de três dias. Houve tudo de bom. Os comes e bebes foi grosso. Doce à beça e eu ia trazendo uns doces para os leitores, porém, como era muito distante, estragou-se tudo. 

(Fonseca, Hermógenes Lima. "Estória". A Gazeta. Vitória, 22 de agosto de 1965)


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