Em tempos, a pequena
aldeia de pescadores era um local feliz.
Agora já não o é.
Em tempos, os pescadores da aldeia costumavam sair para pescar todos os dias.
Agora já não costumam.
Em tempos, havia muito peixe para pescar.
Agora já não há.
Agora, os barcos ficam em terra enquanto o sol lhes descasca a tinta e a chuva lhes apodrece as velas.
O pai de Jim era o único pescador que ainda saía com o barco. Isso porque adorava o Sally May como a um velho amigo e simplesmente não conseguia separar-se dele. Sempre que Jim não estava na escola, o pai levava-o consigo. Jim adorava o Sally May tanto quanto o pai, apesar das suas velas rasgadas pelo tempo. Não havia nada de que gostasse mais do que segurar o leme ou puxar as redes com o pai.
Um dia, no caminho da escola para casa, Jim viu o pai sozinho sentado no cais, olhando fixamente uma baía deserta. Jim não conseguia ver o Sally May em parte alguma.
— Onde está o Sally May? — perguntou.
O pai respondeu:
— Está na praia, com todos os outros barcos. Não pesquei nada a semana toda, Jim. O barco precisa de velas novas e não tenho dinheiro para as pagar. Sem peixe, não há dinheiro. Não conseguimos viver sem dinheiro. Desculpa, Jim.
Nessa noite, Jim chorou até adormecer.
A partir desse dia, Jim escolhia sempre o caminho da praia para a escola porque gostava de ver o Sally May antes de as aulas começarem. Uma manhã, quando caminhava ao longo da praia, reparou numa coisa deitada na areia por entre as algas. A princípio, parecia um grande tronco, mas não era. Mexia-se. Tinha cauda e cabeça. Era um golfinho!
Jim ajoelhou-se na areia a seu lado. Rapaz e golfinho olharam-se nos olhos. Jim soube logo o que fazer.
— Não te aflijas — disse. — Vou buscar ajuda. Prometo que voltarei bem depressa.
Subiu a colina e correu para a escola o mais rapidamente que pôde. Estavam todos no recreio.
— Venham comigo! — gritou. — Está um golfinho na praia! Temos de voltar a pô-lo na água, senão morre.
E lá foram todos a correr colina abaixo em direção à praia, professores incluídos.
Em breve, a aldeia inteira estava lá – o pai e a mãe de Jim também.
— Vai buscar a vela do Sally May! — gritou a mãe. — Vamos enrolá-lo nela.
Quando trouxeram a vela, Jim agachou-se junto da cabeça do golfinho, fazendo-lhe festas e tranquilizando-o.
— Não te aflijas — sussurrou. — Muito em breve estarás de volta ao mar.
Estenderam a vela e fizeram-no rolar suavemente para cima dela. A seguir, quando todos tinham agarrado com firmeza o bordo da vela, o pai de Jim gritou:
— Içar!
Com o esforço conjunto de cem mãos, transportaram o golfinho até à borda do mar, deixando que as ondas o cobrissem. O golfinho dava guinchos e estalidos, e a sua boca sorridente embatia nas ondas.
Quando começou a nadar, não parecia querer ir-se embora. Não parava de andar em círculos.
— Vai-te embora — gritou Jim, entrando na água e tentando empurrá-lo mar adentro.
— Vai-te embora — repetiu.
E o animal lá foi, por fim. Todos aplaudiam com entusiasmo, dizendo adeus. O que Jim queria mesmo era que ele voltasse. Mas não voltou. Juntamente com as outras pessoas, Jim ficou a ver o golfinho afastar-se até acabar por desaparecer por completo.
Naquele dia na escola, Jim não conseguiu pensar noutra coisa senão no golfinho. Chegou até a criar um nome para ele. Achou que Smiler lhe assentaria na perfeição. Mal as aulas terminaram, o rapaz correu para a praia, na esperança de que Smiler tivesse regressado. Mas Smiler não estava lá. Impossível vislumbra-lo, fosse de onde fosse.
Tomado por uma súbita tristeza, Jim correu para o molhe.
— Volta, Smiler! — gritou. — Por favor, volta. Por favor!
Naquele preciso momento, Smiler deu um salto no ar, mesmo à sua frente. Rodopiou e tornou a rodopiar antes de se estatelar na água, molhando Jim da cabeça aos pés. O rapaz nem pensou duas vezes. Pousou a pasta, descalçou os sapatos e atirou-se do molhe.
O golfinho apareceu logo a seu lado – nadando em torno dele, saltando por cima dele, mergulhando por baixo dele. De repente, Jim sentiu que o erguiam. Estava sentado em cima de Smiler! Estava a montá-lo. E lá foram eles mar adentro, a grande velocidade. Jim agarrava-se o melhor que podia. De todas as vezes que caía – o que acontecia com frequência – Smiler voltava sempre atrás, para que Jim pudesse montá-lo de novo. À medida que se aventuravam mais e mais longe, maior era a velocidade que alcançavam e quanto maior a velocidade, mais Jim gostava da experiência.
Deram voltas e voltas à baía e regressaram por fim ao cais. Por esta altura, toda a gente da aldeia já os tinha visto e as crianças atiravam-se do cais para nadarem ao encontro deles. Todas queriam nadar com o Smiler, tocá-lo, fazer-lhe festas, brincar com ele. E o golfinho sentia-se feliz. Estavam a viver os melhores momentos das suas vidas.
A partir desse dia, Smiler nadava sempre junto ao cais, à espera de Jim, para que este se fosse pôr às suas cavalitas. E, todos os dias as outras crianças nadavam e brincavam com ele. Adoravam os seus olhos bondosos e a sua cara sorridente. Smiler era o melhor amigo de todos.
Mas, um dia, o golfinho não apareceu. Esperaram por ele. Procuraram-no por toda a parte, mas em vão. Não apareceu no dia seguinte, nem no outro, nem no outro. Jim ficou de coração despedaçado, bem como todas as outras crianças. Toda a gente da aldeia, novos e velhos, tinha saudades do animal e ansiava pelo seu regresso. Todos os dias iam à sua procura mas ele nunca aparecia.
Pelo aniversário de Jim, a mãe ofereceu-lhe uma prenda que esperava que o animasse: uma escultura lindíssima de um golfinho que ela mesma esculpira com madeira apanhada na praia. Mas nem isso alegrou o rapaz. Foi então que o pai teve uma ideia brilhante.
— Jim — disse — e que tal irmos todos dar um passeio no Sally May? Agrada-te a ideia?
— Sim! — exclamou Jim. — E podíamos aproveitar para procurar o Smiler.
Então, deitaram à água o Sally May e içaram as velas. Deixando a baía para trás, foram em direção ao mar alto. Apesar das velas remendadas, Sally May deslizava sobre as ondas. Jim adorava sentir o vento na cara e os salpicos salgados nos lábios. Havia imensas gaivotas e gansos-patola, mas nenhum sinal de Smiler. Jim chamou por ele vezes sem conta, mas o golfinho nunca apareceu.
O sol punha-se e o mar em volta resplandecia em reflexos dourados.
— Acho melhor pensarmos em regressar — disse o pai de Jim.
— Só mais um bocadinho — pediu o filho. — Tenho a certeza de que ele está por aqui.
Enquanto o Sally May rumava a casa, Jim chamou por ele ainda uma vez mais:
— Volta, Smiler! Por favor, volta. Por favor!
De repente, o mar começou a fervilhar à volta do barco como se ganhasse vida. E estava, de facto, vivo! Centenas de golfinhos saltavam ao lado, atrás e à frente do barco! Foi então que um deles deu um grande salto sobre o Sally May, mesmo sobre a cabeça de Jim. Era o Smiler! Tinha regressado e, pelos vistos, tinha trazido toda a família consigo. À medida que o Sally May se aproximava da baía, toda a gente correu a vê-lo, enquanto os golfinhos dançavam à sua volta no mar dourado. Que belo espetáculo!
Em poucos dias, a aldeia encheu-se de visitantes só para verem os famosos golfinhos e o Smiler a brincar com Jim e as crianças. E, todas as manhãs, o Sally May e os outros pequenos barcos de pesca faziam-se ao mar apinhados de visitantes, radiantes por poderem fazer a viagem das suas vidas. Deliravam com cada momento, agarrando os chapéus e rindo, deliciados, enquanto os golfinhos dançavam à sua volta.
Nunca Jim fora tão feliz em toda a sua vida. Smiler estava de volta e o pai podia, finalmente, comprar velas novas para o Sally May. De igual modo, todos os outros pescadores podiam remendar as velas e pintar os seus barcos. A aldeia voltava a ser um lugar feliz.
Quanto às crianças… podiam agora mergulhar com os golfinhos sempre que lhes apetecesse. Podiam fazer-lhes festas, nadar com eles, brincar com eles e até mesmo falar com eles. Mas todos sabiam que só havia um golfinho que deixava que se sentassem em cima dele… Era o Smiler!
E todos sabiam que havia uma só pessoa no mundo que o montava: Jim!
Michael Morpurgo; Michael Foreman
Dolphin Boy
London, Andersen Press, 2004
(Tradução e adaptação)
Agora já não o é.
Em tempos, os pescadores da aldeia costumavam sair para pescar todos os dias.
Agora já não costumam.
Em tempos, havia muito peixe para pescar.
Agora já não há.
Agora, os barcos ficam em terra enquanto o sol lhes descasca a tinta e a chuva lhes apodrece as velas.
O pai de Jim era o único pescador que ainda saía com o barco. Isso porque adorava o Sally May como a um velho amigo e simplesmente não conseguia separar-se dele. Sempre que Jim não estava na escola, o pai levava-o consigo. Jim adorava o Sally May tanto quanto o pai, apesar das suas velas rasgadas pelo tempo. Não havia nada de que gostasse mais do que segurar o leme ou puxar as redes com o pai.
Um dia, no caminho da escola para casa, Jim viu o pai sozinho sentado no cais, olhando fixamente uma baía deserta. Jim não conseguia ver o Sally May em parte alguma.
— Onde está o Sally May? — perguntou.
O pai respondeu:
— Está na praia, com todos os outros barcos. Não pesquei nada a semana toda, Jim. O barco precisa de velas novas e não tenho dinheiro para as pagar. Sem peixe, não há dinheiro. Não conseguimos viver sem dinheiro. Desculpa, Jim.
Nessa noite, Jim chorou até adormecer.
A partir desse dia, Jim escolhia sempre o caminho da praia para a escola porque gostava de ver o Sally May antes de as aulas começarem. Uma manhã, quando caminhava ao longo da praia, reparou numa coisa deitada na areia por entre as algas. A princípio, parecia um grande tronco, mas não era. Mexia-se. Tinha cauda e cabeça. Era um golfinho!
Jim ajoelhou-se na areia a seu lado. Rapaz e golfinho olharam-se nos olhos. Jim soube logo o que fazer.
— Não te aflijas — disse. — Vou buscar ajuda. Prometo que voltarei bem depressa.
Subiu a colina e correu para a escola o mais rapidamente que pôde. Estavam todos no recreio.
— Venham comigo! — gritou. — Está um golfinho na praia! Temos de voltar a pô-lo na água, senão morre.
E lá foram todos a correr colina abaixo em direção à praia, professores incluídos.
Em breve, a aldeia inteira estava lá – o pai e a mãe de Jim também.
— Vai buscar a vela do Sally May! — gritou a mãe. — Vamos enrolá-lo nela.
Quando trouxeram a vela, Jim agachou-se junto da cabeça do golfinho, fazendo-lhe festas e tranquilizando-o.
— Não te aflijas — sussurrou. — Muito em breve estarás de volta ao mar.
Estenderam a vela e fizeram-no rolar suavemente para cima dela. A seguir, quando todos tinham agarrado com firmeza o bordo da vela, o pai de Jim gritou:
— Içar!
Com o esforço conjunto de cem mãos, transportaram o golfinho até à borda do mar, deixando que as ondas o cobrissem. O golfinho dava guinchos e estalidos, e a sua boca sorridente embatia nas ondas.
Quando começou a nadar, não parecia querer ir-se embora. Não parava de andar em círculos.
— Vai-te embora — gritou Jim, entrando na água e tentando empurrá-lo mar adentro.
— Vai-te embora — repetiu.
E o animal lá foi, por fim. Todos aplaudiam com entusiasmo, dizendo adeus. O que Jim queria mesmo era que ele voltasse. Mas não voltou. Juntamente com as outras pessoas, Jim ficou a ver o golfinho afastar-se até acabar por desaparecer por completo.
Naquele dia na escola, Jim não conseguiu pensar noutra coisa senão no golfinho. Chegou até a criar um nome para ele. Achou que Smiler lhe assentaria na perfeição. Mal as aulas terminaram, o rapaz correu para a praia, na esperança de que Smiler tivesse regressado. Mas Smiler não estava lá. Impossível vislumbra-lo, fosse de onde fosse.
Tomado por uma súbita tristeza, Jim correu para o molhe.
— Volta, Smiler! — gritou. — Por favor, volta. Por favor!
Naquele preciso momento, Smiler deu um salto no ar, mesmo à sua frente. Rodopiou e tornou a rodopiar antes de se estatelar na água, molhando Jim da cabeça aos pés. O rapaz nem pensou duas vezes. Pousou a pasta, descalçou os sapatos e atirou-se do molhe.
O golfinho apareceu logo a seu lado – nadando em torno dele, saltando por cima dele, mergulhando por baixo dele. De repente, Jim sentiu que o erguiam. Estava sentado em cima de Smiler! Estava a montá-lo. E lá foram eles mar adentro, a grande velocidade. Jim agarrava-se o melhor que podia. De todas as vezes que caía – o que acontecia com frequência – Smiler voltava sempre atrás, para que Jim pudesse montá-lo de novo. À medida que se aventuravam mais e mais longe, maior era a velocidade que alcançavam e quanto maior a velocidade, mais Jim gostava da experiência.
Deram voltas e voltas à baía e regressaram por fim ao cais. Por esta altura, toda a gente da aldeia já os tinha visto e as crianças atiravam-se do cais para nadarem ao encontro deles. Todas queriam nadar com o Smiler, tocá-lo, fazer-lhe festas, brincar com ele. E o golfinho sentia-se feliz. Estavam a viver os melhores momentos das suas vidas.
A partir desse dia, Smiler nadava sempre junto ao cais, à espera de Jim, para que este se fosse pôr às suas cavalitas. E, todos os dias as outras crianças nadavam e brincavam com ele. Adoravam os seus olhos bondosos e a sua cara sorridente. Smiler era o melhor amigo de todos.
Mas, um dia, o golfinho não apareceu. Esperaram por ele. Procuraram-no por toda a parte, mas em vão. Não apareceu no dia seguinte, nem no outro, nem no outro. Jim ficou de coração despedaçado, bem como todas as outras crianças. Toda a gente da aldeia, novos e velhos, tinha saudades do animal e ansiava pelo seu regresso. Todos os dias iam à sua procura mas ele nunca aparecia.
Pelo aniversário de Jim, a mãe ofereceu-lhe uma prenda que esperava que o animasse: uma escultura lindíssima de um golfinho que ela mesma esculpira com madeira apanhada na praia. Mas nem isso alegrou o rapaz. Foi então que o pai teve uma ideia brilhante.
— Jim — disse — e que tal irmos todos dar um passeio no Sally May? Agrada-te a ideia?
— Sim! — exclamou Jim. — E podíamos aproveitar para procurar o Smiler.
Então, deitaram à água o Sally May e içaram as velas. Deixando a baía para trás, foram em direção ao mar alto. Apesar das velas remendadas, Sally May deslizava sobre as ondas. Jim adorava sentir o vento na cara e os salpicos salgados nos lábios. Havia imensas gaivotas e gansos-patola, mas nenhum sinal de Smiler. Jim chamou por ele vezes sem conta, mas o golfinho nunca apareceu.
O sol punha-se e o mar em volta resplandecia em reflexos dourados.
— Acho melhor pensarmos em regressar — disse o pai de Jim.
— Só mais um bocadinho — pediu o filho. — Tenho a certeza de que ele está por aqui.
Enquanto o Sally May rumava a casa, Jim chamou por ele ainda uma vez mais:
— Volta, Smiler! Por favor, volta. Por favor!
De repente, o mar começou a fervilhar à volta do barco como se ganhasse vida. E estava, de facto, vivo! Centenas de golfinhos saltavam ao lado, atrás e à frente do barco! Foi então que um deles deu um grande salto sobre o Sally May, mesmo sobre a cabeça de Jim. Era o Smiler! Tinha regressado e, pelos vistos, tinha trazido toda a família consigo. À medida que o Sally May se aproximava da baía, toda a gente correu a vê-lo, enquanto os golfinhos dançavam à sua volta no mar dourado. Que belo espetáculo!
Em poucos dias, a aldeia encheu-se de visitantes só para verem os famosos golfinhos e o Smiler a brincar com Jim e as crianças. E, todas as manhãs, o Sally May e os outros pequenos barcos de pesca faziam-se ao mar apinhados de visitantes, radiantes por poderem fazer a viagem das suas vidas. Deliravam com cada momento, agarrando os chapéus e rindo, deliciados, enquanto os golfinhos dançavam à sua volta.
Nunca Jim fora tão feliz em toda a sua vida. Smiler estava de volta e o pai podia, finalmente, comprar velas novas para o Sally May. De igual modo, todos os outros pescadores podiam remendar as velas e pintar os seus barcos. A aldeia voltava a ser um lugar feliz.
Quanto às crianças… podiam agora mergulhar com os golfinhos sempre que lhes apetecesse. Podiam fazer-lhes festas, nadar com eles, brincar com eles e até mesmo falar com eles. Mas todos sabiam que só havia um golfinho que deixava que se sentassem em cima dele… Era o Smiler!
E todos sabiam que havia uma só pessoa no mundo que o montava: Jim!
Michael Morpurgo; Michael Foreman
Dolphin Boy
London, Andersen Press, 2004
(Tradução e adaptação)
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