O apelido
foi instantâneo. No primeiro dia de aula, o aluno novo já estava sendo chamado
de “Gaúcho”. Porque era gaúcho. Recém-chegado do Rio
Grande do
Sul, com um sotaque carregado.
– Aí,
Gaúcho!
– Fala,
Gaúcho!
Perguntaram
para a professora por que o Gaúcho falava diferente. A professora explicou que
cada região tinha seu idioma, mas que as diferenças não eram tão grandes assim.
Afinal, todos falavam português. Variava a pronúncia, mas a língua era uma só.
E os alunos não achavam formidável que num país do tamanho do Brasil todos
falassem a mesma língua, só com pequenas variações?
– Mas o
Gaúcho fala “tu”! – disse o gordo Jorge, que era quem mais implicava com o
novato.
– E fala
certo – disse a professora. – Pode-se dizer “tu” e pode-se dizer “você”. Os
dois estão certos. Os dois são português.
O gordo
Jorge fez cara de quem não se entregara.
Um dia, o
Gaúcho chegou tarde na aula e explicou para a professora o que acontecera.
– O pai
atravessou a sinaleira e pechou.
– O quê ?
– O pai. Atravessou
a sinaleira e pechou.
A
professora sorriu. Depois achou que não era caso para sorrir. Afinal, o pai do
menino atravessara uma sinaleira e pechara. Podia estar, naquele momento, em
algum hospital. Gravemente pechado. Com pedaços de sinaleira sendo retirados do
seu corpo.
– O que
foi que ele disse, tia? – quis saber o gordo Jorge.
– Que o
pai dele atravessou uma sinaleira e pechou.
– E o que
é isso?
–
Gaúcho... Quer dizer, Rodrigo: explique para a classe o que aconteceu.
– Nós
vinha...
– Nós
vínhamos.
– Nós
vínhamos de auto, o pai não viu a sinaleira fechada, passou no vermelho e deu
uma pechada noutro auto.
A
professora varreu a classe com seu sorriso. Estava claro o que acontecera? Ao
mesmo tempo, procurava uma tradução para o relato do gaúcho.
Não podia
admitir que não o entendera. Não com o gordo Jorge rindo daquele jeito.
“Sinaleira”,
obviamente, era sinal, semáforo. “Auto” era automóvel, carro.
Mas
“pechar” o que era? Bater, claro. Mas de onde viera aquela estranha palavra?
Só muitos
dias depois a professora descobriu que “pechar” vinha do espanhol e queria
dizer bater com o peito, e até lá teve que se esforçar para convencer o gordo
Jorge de que era mesmo brasileiro o que falava o novato. Que já ganhara outro
apelido. Pechada.
– Aí, Pechada!
– Fala,
Pechada!
VERÍSSIMO, Luis Fernando.
Pechada. Revista Nova Escola. São Paulo, maio 2001
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