As refeições, na enorme cantina enregelada, eram um fazer sofrer e um fazer de conta. Só o regente do colégio – o prefeito – à cabeceira da mesa, comia a seu gosto. Dizia ele que era por ser grande, grosso e grave e que os pequenos, por serem pequenos, não precisavam de comer tanto. Mentiras. Desculpas.
Num almoço, puseram em cada prato dos pensionistas um peixinho de nada com a pouca companhia de uma concha de arroz.
Um dos órfãos, em vez de lançar o garfo faminto à refeição, encostou a boca à borda do prato e pôs-se a falar baixinho, como quem reza. Os colegas estranharam e, lá do fundo, o prefeito quis saber o porquê daquela extravagância.
— Estou a conversar com o peixe, senhor — esclareceu o mocinho. — Como o meu pai, que era pescador, morreu no mar, estou a perguntar-lhe se ele chegou a conhecê-lo.
— E que te respondeu ele? — indagou o prefeito, divertido, entre duas garfadas.
— Respondeu-me que não se lembra, porque é muito pequenino, mas que talvez o peixe grande, que está no prato do senhor prefeito, saiba dar-me alguma notícia.
Parece que a partir deste caso os meninos do orfanato passaram a ter ração melhorada. Vejam o que um peixe pequenino pode ensinar aos grandes.
António Torrado
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