Kassa Kena Gananina foi antigamente o herói mais poderoso,
mais temido e mais amado do povo mandinga. Um só volteio da sua arma podia
matar vinte antílopes. Um só rasgo de cólera nos olhos assustava tanto as
flechas inimigas que todas caíam a seus pés como para lhe pedirem compaixão.
Kassa Kena Gananina era, em verdade, «aquele a quem nada podia vencer». Era
assim que lhe chamavam, tanto entre os homens como entre os animais da terra e
os espíritos celestes.
Ora, uma noite, quando festejava uma jornada de caça carnívora, chegou à aldeia um viajante curvado sobre um cajado tão gasto pelos caminhos que mais parecia a bengala de um anão. Este venerável vagabundo, depois de saciado com um gole de água e alimentado com uma peça de carne, sentou-se sob a árvore da palavra e pôs-se a contar as maravilhas que encontrara ao longo da sua vida errante por países longínquos. Aconteceu, assim, falar de um certo pássaro, Konoba, que vivia numa floresta montanhosa para lá dos territórios comuns dos homens.
— Esse monstro — disse — é tão gigantesco que escurece o dia quando abre as asas. Pode, no entanto, tornar-se tão pequeno como um punho de mulher, mas então fica tão pesado que os baobás se enterram no chão com o seu peso. Sabe ser belo, se quiser, medonho, se o desejar. É invencível. Quanto mais poderoso é quem o enfrenta, maior prazer e facilidade tem Konoba em vencê-lo, porque o seu alimento preferido é a própria força dos seus inimigos.
Kassa Kena Gananina, ouvindo estas palavras, franziu o sobrolho e baixou a cabeça. Os companheiros, vendo-o assim pensativo, desafiaram-no com insistência a sobreviver a um combate leal contra um monstro daquela espécie. Os elogios depressa aqueceram o coração do herói. Levantou-se, foi a casa buscar a arma e, sem dizer palavra, saiu em direção a essa montanha onde vivia o prodigioso dragão.
Caminhou sete dias e sete noites, com passos largos e a cabeça metida nos ombros, sem descansar. Na madrugada do oitavo dia chegou à última aldeia antes da terra do Konoba. Perguntou onde vivia este inimigo dos homens que desejava combater. Um velhote, tremendo de susto só de ouvir o nome do monstro, descreveu-lhe o caminho que desembocava na floresta.
Kassa Kena Gananina, nesse caminho enevoado, andou até ao meio-dia sem encontrar caça ou caçador. Chegado a uma clareira, o sol desapareceu repentinamente e à sua volta fez-se uma grande penumbra. O céu encheu-se de um murmúrio semelhante ao que atravessa a terra quando as suas entranhas se movem. O herói ergueu a fronte. Viu o pássaro. Estava imóvel à altura de uma árvore. A cabeça de bico amarelo e curvo pendia entre as asas, tão vastas como o céu visível. Os olhos eram parecidos com duas luas de cores variadas. As garras eram sabres curvos.
— Homem poderoso e belo, eu te saúdo — disse o dragão celeste com voz aguda. — A tua força parece-me tão saborosa como um fruto fresco. Acende em ti a ira e a cólera, que eu me sacie com elas!
Kassa Kena Gananina estendeu o punho armado à face trocista, saltou para um rochedo, fez voltear a sua massa de ferro. No primeiro volteio vazou o olho esquerdo do pássaro Konoba, no segundo cegou o olho direito, que chorou lágrimas de fogo. Então, num ruído ensurdecedor de asas, o monstro encolheu e num instante se reduziu a uma bola negra, que num longo silvo desceu do céu e caiu tão pesadamente que a terra tremeu e abriu fendas. Kassa Kena Gananina, de cabeça erguida para o grande Sol, soltou um grito de triunfo.
Viu uma pena, a última liberta das asas evaporadas, balancear-se no ar calmo sobre a sua cabeça. Quis agarrá-la, mas ela escapou-lhe e pousou-lhe na nuca. Então, o herói curvou as costas, titubeou, caiu de joelhos e deixou-se ir até enterrar o queixo na terra, coberto por esse fardo insuportável. Tentou arrancar essa pena muito pesada do cabelo, onde estava presa. Não o conseguiu e ficou grotescamente ajoelhado, resmungando e debatendo-se como uma raposa apanhada na armadilha.
Depois de ter gritado, pedido ajuda e, finalmente, gemido durante muito tempo sem forças, veio o crepúsculo e com ele apareceu ao fundo da clareira uma mulher de idade. Trazia às costas uma criança pequena de pernas roliças, mas já em idade de andar. Kassa Kena Gananina chamou-a, agitando a mão sobre a erva, e, com voz moribunda, pediu-lhe que fosse buscar todos os homens da aldeia para que o ajudassem a desfazer-se daquela pena tão pesada como um monte.
— Que pretendes tu — disse ela — para precisares de sessenta e cinco guerreiros do meu clã para te tirarem essa coisa da nuca?
Debruçou-se, soprou e a pena voou. Depois agarrou no pássaro Konoba, reduzido a uma bola no solo fedido, e estendeu-o à criança, que o agarrou e brincou com ele, rindo, entre as suas mãos ágeis. Os dois afastaram-se na paz do dia que acabava.
Kassa Kena Gananina ficou durante muito tempo sentado no chão, completamente estupefato e desconcertado. Depois voltou à sua aldeia, onde contou a aventura à sombra da árvore da palavra. Quando disse como tinha sido libertado, fez-se um silêncio perplexo na assembleia. Então, um ancião sonolento bocejou ruidosamente e disse, levantando-se para se ir deitar:
— Para quem não sabe nada do pássaro Konoba, uma pena é uma pena — balbuciou. — Boa noite, senhores.
Kassa Kena Gananina beijou as mãos desse sábio, e a partir desse dia entregou-se à conquista infinita do bem mais precioso do que toda a força: a inocência.
Henri Gougaud
A Árvore dos Tesouros
Lisboa, Gradiva,1998
Ora, uma noite, quando festejava uma jornada de caça carnívora, chegou à aldeia um viajante curvado sobre um cajado tão gasto pelos caminhos que mais parecia a bengala de um anão. Este venerável vagabundo, depois de saciado com um gole de água e alimentado com uma peça de carne, sentou-se sob a árvore da palavra e pôs-se a contar as maravilhas que encontrara ao longo da sua vida errante por países longínquos. Aconteceu, assim, falar de um certo pássaro, Konoba, que vivia numa floresta montanhosa para lá dos territórios comuns dos homens.
— Esse monstro — disse — é tão gigantesco que escurece o dia quando abre as asas. Pode, no entanto, tornar-se tão pequeno como um punho de mulher, mas então fica tão pesado que os baobás se enterram no chão com o seu peso. Sabe ser belo, se quiser, medonho, se o desejar. É invencível. Quanto mais poderoso é quem o enfrenta, maior prazer e facilidade tem Konoba em vencê-lo, porque o seu alimento preferido é a própria força dos seus inimigos.
Kassa Kena Gananina, ouvindo estas palavras, franziu o sobrolho e baixou a cabeça. Os companheiros, vendo-o assim pensativo, desafiaram-no com insistência a sobreviver a um combate leal contra um monstro daquela espécie. Os elogios depressa aqueceram o coração do herói. Levantou-se, foi a casa buscar a arma e, sem dizer palavra, saiu em direção a essa montanha onde vivia o prodigioso dragão.
Caminhou sete dias e sete noites, com passos largos e a cabeça metida nos ombros, sem descansar. Na madrugada do oitavo dia chegou à última aldeia antes da terra do Konoba. Perguntou onde vivia este inimigo dos homens que desejava combater. Um velhote, tremendo de susto só de ouvir o nome do monstro, descreveu-lhe o caminho que desembocava na floresta.
Kassa Kena Gananina, nesse caminho enevoado, andou até ao meio-dia sem encontrar caça ou caçador. Chegado a uma clareira, o sol desapareceu repentinamente e à sua volta fez-se uma grande penumbra. O céu encheu-se de um murmúrio semelhante ao que atravessa a terra quando as suas entranhas se movem. O herói ergueu a fronte. Viu o pássaro. Estava imóvel à altura de uma árvore. A cabeça de bico amarelo e curvo pendia entre as asas, tão vastas como o céu visível. Os olhos eram parecidos com duas luas de cores variadas. As garras eram sabres curvos.
— Homem poderoso e belo, eu te saúdo — disse o dragão celeste com voz aguda. — A tua força parece-me tão saborosa como um fruto fresco. Acende em ti a ira e a cólera, que eu me sacie com elas!
Kassa Kena Gananina estendeu o punho armado à face trocista, saltou para um rochedo, fez voltear a sua massa de ferro. No primeiro volteio vazou o olho esquerdo do pássaro Konoba, no segundo cegou o olho direito, que chorou lágrimas de fogo. Então, num ruído ensurdecedor de asas, o monstro encolheu e num instante se reduziu a uma bola negra, que num longo silvo desceu do céu e caiu tão pesadamente que a terra tremeu e abriu fendas. Kassa Kena Gananina, de cabeça erguida para o grande Sol, soltou um grito de triunfo.
Viu uma pena, a última liberta das asas evaporadas, balancear-se no ar calmo sobre a sua cabeça. Quis agarrá-la, mas ela escapou-lhe e pousou-lhe na nuca. Então, o herói curvou as costas, titubeou, caiu de joelhos e deixou-se ir até enterrar o queixo na terra, coberto por esse fardo insuportável. Tentou arrancar essa pena muito pesada do cabelo, onde estava presa. Não o conseguiu e ficou grotescamente ajoelhado, resmungando e debatendo-se como uma raposa apanhada na armadilha.
Depois de ter gritado, pedido ajuda e, finalmente, gemido durante muito tempo sem forças, veio o crepúsculo e com ele apareceu ao fundo da clareira uma mulher de idade. Trazia às costas uma criança pequena de pernas roliças, mas já em idade de andar. Kassa Kena Gananina chamou-a, agitando a mão sobre a erva, e, com voz moribunda, pediu-lhe que fosse buscar todos os homens da aldeia para que o ajudassem a desfazer-se daquela pena tão pesada como um monte.
— Que pretendes tu — disse ela — para precisares de sessenta e cinco guerreiros do meu clã para te tirarem essa coisa da nuca?
Debruçou-se, soprou e a pena voou. Depois agarrou no pássaro Konoba, reduzido a uma bola no solo fedido, e estendeu-o à criança, que o agarrou e brincou com ele, rindo, entre as suas mãos ágeis. Os dois afastaram-se na paz do dia que acabava.
Kassa Kena Gananina ficou durante muito tempo sentado no chão, completamente estupefato e desconcertado. Depois voltou à sua aldeia, onde contou a aventura à sombra da árvore da palavra. Quando disse como tinha sido libertado, fez-se um silêncio perplexo na assembleia. Então, um ancião sonolento bocejou ruidosamente e disse, levantando-se para se ir deitar:
— Para quem não sabe nada do pássaro Konoba, uma pena é uma pena — balbuciou. — Boa noite, senhores.
Kassa Kena Gananina beijou as mãos desse sábio, e a partir desse dia entregou-se à conquista infinita do bem mais precioso do que toda a força: a inocência.
Henri Gougaud
A Árvore dos Tesouros
Lisboa, Gradiva,1998
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