A DOR DE DENTE DO URSO








Ai. Eu tenho um espinho no dente
Ai. Quem puder retirar qu’entre de sola
Ai. De frutos darei uma sacola,
Ai. Pra quem curar esta dor de dente.


Era assim que gemia um enorme urso marrom no meio da floresta. Os outros bichos tinham de pena, porém não se arriscavam.
- Coitado! Queria muito ajudar, mas eu tenho medo porque sou tão pequeno e para alcançar o espinho preciso entrar em sua boca. – dizia um coelho branco.
- Eu também tenho medo, - disse uma anta – nunca se sabe o que pode um urso fazer. Ele já não come há dias. Sinto muito, mas não posso ajudar.
- Acho que desse jeito ele não vai parar de gemer. É certo não fazermos nada? – perguntou a raposa vermelha.
- Será que somos tão covardes? Como saber se o urso atacará quem o aliviar da torturante dor? – perguntou o leão de juba negra.
- Pelo sim ou pelo não, é melhor não arriscar. Se fosse você faria o quê? – perguntou a prudente coruja.
O leão não respondeu. O urso continuava a gemer com sua forte dor, quando chegou um caçador. Ao ver o urso, ele preparou a arma para atirar, mas percebeu que o animal gemia e não esboçou nenhum movimento de ataque. Alguma coisa estava fazendo aquele urso sofrer muito.  O urso, deitado no chão, parecia não ter notado a presença do homem. Gemia e se contorcia muito. O caçador se aproximou medroso, e oculto por um tronco, olhou, e viu espetado na gengiva do urso um grande espinho. Saiu do seu esconderijo e chegando mais perto arriscou: ele pôs a mão na cabeça do urso. Nenhuma reação brusca.  Neste instante um macaco exclamou:
- Meu Deus! – e cobriu os olhos com uma das mãos para não ver o urso atacar o homem. Silêncio total na mata. O caçador, devagar, mesmo tremendo abriu a boca do urso e com uma ferramenta, puxando de uma só vez, arrancou o espinho que causava tanta dor ao bicho. O animal soltou um urro que se ouviu muito além da floresta. Ficou ali, deitado, aliviado. Já não havia mais dor. O caçador, ainda receoso, acariciava a cabeça do urso. Em dado momento o urso se levantou. Ouviu-se, em uníssono, um “oh” de preocupação pela vida do homem. O vento parou e todos os bichos fecharam os olhos para não ver.  Quando abriram, a cena era inusitada. Aquele enorme urso lambia, agradecido, o rosto do caçador. Depois, afastou-se silencioso para o meio da floresta. Então a bicharada explodiu em aplausos para o caçador, exaltando a sua coragem, a sua humanidade, a sua sabedoria e a sua fé.  O caçador partiu emocionado, e depois desse acontecimento nunca mais caçou animal algum.


Maria Hilda de Jesus Alão

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