Ele foi cavando, cavando, cavando, pois sua profissão - coveiro - era
cavar. Mas, de repente, na distração do ofício que amava, percebeu que cavara
demais. Tentou sair da cova e não conseguiu sair. Gritou. Ninguém atendeu.
Gritou mais forte. Ninguém veio.
Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar, desistiu com a noite.
Sentou-se no fundo da cova, desesperado.
A noite chegou, subiu, fez-se o silêncio das horas tardias. Bateu o frio
da madrugada e, na noite escura, não se ouvia um som humano, embora o cemitério
estivesse cheio de pipilos e coaxares naturais dos matos.
Só um pouco depois da meia-noite é que lá vieram uns passos. Deitado no
fundo da cova o coveiro gritou. Os passos se aproximaram. Uma cabeça ébria lá
em cima, perguntou o que havia:
- O que é que há?
O coveiro então gritou desesperado:
- Tire-me daqui, por favor. Estou com um frio terrível!
- Mas coitado! - condoeu-se o bêbado. - Tem toda razão de estar com
frio. Alguém tirou a terra de você, meu pobre mortinho!”
E, pegando a pá, encheu-a de terra e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.
Moral:
Nos momentos graves é preciso verificar muito bem para quem se apela.
Fonte: FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica,
1991.
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