Pôr de sol de trombeta








O pôr do sol de hoje é de trombeta – disse Emília, com as mãos na cintura, de pezinha sobre o batente da porteira onde, naquela tarde, depois do passeio pela floresta, o pessoal de Dona Benta havia parado. Eles nunca perdiam ensejo de aproveitar os espetáculos da natureza. Nas chuvas fortes, Narizinho ficava de nariz colado à janela, vendo chover. Se ventava, Pedrinho corria à varanda com o binóculo para espiar a dança das folhas secas – “quero ver se tem saci dentro”.
E o Visconde dava as explicações científicas de todas as coisas.
O pôr do sol daquele dia estava realmente lindo. Era um pôr do sol de trombeta. Por quê? Porque Emília tinha inventado que em certos dias o Sol “tocava trombeta a fim de reunir todos os vermelhos e ouros do mundo para a festa do acaso”. Diante dum pôr de sol de trombeta ninguém tinha ânimo de falar, porque tudo quanto dissessem saía bobagem. Mas Dona Benta não se conteve.
- Que maravilhoso fenômeno é o pôr do sol! – disse ela.
Emília deu um pisco para o Visconde por causa daquele “fenômeno”, e resolveu encrencar.
- Por que é que se diz “pôr do sol”, Dona Benta? – perguntou com o seu célebre ar de anjo de inocência. – Que é que o Sol põe? Algum ovo?
Dona Benta percebeu que aquilo era uma pergunta armadilha, das que forçavam certa resposta e preparavam o terreno para o famoso “então” da Emília.
- O sol não põe nada, bobinha. O sol põe-se a si mesmo.
- Então ele é o ovo de si mesmo. Que graça!

LOBATO, Monteiro. A chave do tamanho, In  Obra infantil completa. Vol. 3. Edição Centenário (1882-1982), São Paulo: Brasiliense, p.1105

3 comentários:

  1. Está errada a expressão "festa do acaso".
    O correto é "festa do OCASO" (obviamente)

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  2. Li esse conto quando era criança.
    Se passaram mais de 30 anos e ainda lembro dessa pergunta que a Emília fez à D. Benta sobre o pôr do sol rsrs

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