Buscando critérios para a escolha de livros
POR YOLANDA
REYES
Essa é a pergunta mais frequente que os pais me fazem e não gosto de
respondê-la em abstrato, pois se cada criança é diferente, os pais também são,
e cada pessoa tem seus gostos, suas perguntas, suas maneiras de ler... Isso sem
falar nas idades, porque temos incluídos nesse rótulo que os adultos denominam,
genericamente, "crianças", desde os bebês até os adolescentes.
Mas essas também são
categorias abstratas, porque um bebê pode gostar dos animais, enquanto outro
pode preferir flores, e uma menina de dez anos pode odiar poemas, que outra
criança adora. O mesmo ocorre com os romances de aventura, ou os que falam da
vida real. O mesmo com os monstros e com as fadas. Alguns gostam de contos,
outros, de histórias em quadrinhos. Alguns querem muitas ilustrações, outros,
letras pequenas. E isso sem falar dos momentos, porque há livros para ler à
noite e outros para ler durante o dia. Há livros para chorar e outros para rir.
Alguns são perfeitos para responder àquela pergunta que não sai da nossa
cabeça, enquanto outros nos deixam um monte de novas perguntas. Às vezes,
precisamos de uma resposta e, às vezes, precisamos de mais perguntas.
E por aí vai...
Então, não existe
resposta?
Na verdade, não existe
receita.
Ou talvez pudesse
haver uma: para uma criança ler, só precisa saber ler.
Ler como? Ler o quê?
1. Ler para as crianças
Quem são e do que eles
gostam. O que eles nos dizem todos os dias – e o mais importante: o que eles
não nos dizem. O que os faz perder o sono e o que os faz sonhar. De que brincam
e com que brincam, com que se divertem, o que os faz chorar. O que sentem com os
livros que vêm em casa, na biblioteca, na livraria, ou na sala de aula. Quais
eles preferem. Eles podem ser totalmente distintos mesmo sendo gêmeos ou
sentados numa mesma carteira. Nenhum especialista sabe o que você sabe sobre
essa criança concreta que espera aquele livro em particular, em um momento
preciso de sua vida. Confie na sua sabedoria instintiva. Seus próprios filhos
são o seu primeiro texto de leitura.
2. Ler o livro, panoramicamente
Como você lê o
descritivo das vitaminas numa caixa de cereal? Usando seus critérios. Você não
compra a caixa de cereais apenas porque é mais colorida ou se tiver um
personagem de Walt Disney. Tampouco compra um disco sem olhar a capa e as
músicas que ele contém e, muitas vezes, inclusive, pede para ouvir.
Isso que é feito na
loja de discos, ou na livraria antes de comprar um livro, para você, deve ser
feito quando se trata dos livros para as crianças. Não compre o primeiro que
lhe oferecem. Antes de olhar se tem capa dura ou adesivos, pergunte ao livro:
a) Quem assina?
Você não compra um
livro anônimo, a menos que seja a Canção do Mio Cid. Nem é a mesma coisa comprar um romance de Saramago ou de um
"escritor fantasma". O mercado está cheio de livros infantis
assinados por multinacionais. Como em qualquer literatura, um verdadeiro
escritor de livros para crianças garante o que escreve com a sua assinatura.
b) Quem é o ilustrador?
Nos álbuns ou livros
de imagens, a ilustração é uma linguagem tão válida quanto o texto. Aprenda a
diferenciar"desenhos" de uma ilustração com caráter e estilo
próprios. (Aqui também, a assinatura de um ilustrador é uma garantia de que
alguém está por trás desse trabalho.) Você está educando o olhar de uma
criança. Cuidado com os estereótipos: o sol com rosto feliz ou a típica casinha
triangular. Olhe mais longe: peça a ilustração que não se limite a repetir o
que dizem as palavras, que as amplie, que brinque com elas; que proponha novas
leituras; que deixe um espaço para a imaginação. Os bons livros de imagem podem
ser o museu de uma criança.
c) É versão original ou adaptação?
No caso dos contos de
fadas, das histórias de tradição oral ou dos clássicos, o livro deve dizer se é
uma adaptação ou uma versão original. É diferente ler o Chapeuzinho
vermelho de Perrault ou dos irmãos
Grimm a ler uma adaptação, onde pode ter se perdido a força da linguagem e a
carga simbólica das imagens. Cuidado, também com os romances
simplificados. Alice no país das maravilhas, de Carroll,Pinóquio, de Collodi, Peter Pan e Wendy, de Barrie são novelas complexas e muito lindas e devem ser lidas no
seu devido tempo. Ler essas obras resumidas em continhos de poucas páginas é
como ler A Odisseia em um resumo de
escola. É melhor que a criança possa desfrutar de toda a riqueza da obra quando
crescer um pouco mais. Desconfie, também, dos clássicos para adultos em versões
infantilizadas. Virá, no devido tempo, o momento de desfrutar a verdadeira voz
de Shakespeare ou Cervantes.
d) Qual é a idade sugerida?
A maioria dos editores
oferece sugestões de idade. Leve em conta essas recomendações, porém
enriqueça-as com os seus critérios. Existem livros para todas as idades; há
outros sem idade. Além disso, nem todos os processos leitores são os mesmos. A
idade cronológica de um leitor é apenas uma das variáveis. Coteje a sugestão da
editora com o seu conhecimento e o dessa criança de verdade que vai receber o
livro.
e) Que editora publica esse livro?
Além do nome,
verifique a cidade, o ano da publicação, o nome do tradutor etc. Desconfie se
essas informações não estiverem explícitas. Vire as páginas; leia a capa e a
contra capa. Você vai encontrar dados sobre o livro e seu autor que lhe darão
as primeiras pistas.
3. Envolva as crianças na pesquisa
Leve as crianças a
bibliotecas públicas e livrarias. Leia com elas e companhe-as em seu processo
de crescimento como leitores. Acredite na palavra da criança, mas ao mesmo
tempo, ofereça ferramentas para que possa ir educando os seus critérios. Na
medida em que uma criança tem contato com literatura de qualidade, ela irá
refinando a sua sensibilidade e tornando-se cada vez mais exigente. Nem sempre
o que é fácil, o que está na moda ou o que está no topo da lista dos "mais
vendidos" é o melhor. Não se deixe, tampouco, tentar pelas coleções
completas que não garantem, por si só, a qualidade de cada título. Dê liberdade
de escolha, mas ofereça, também, a riqueza de sua experiência como leitor
adulto. E não queira acertar sempre. Ler é também equivocar-se.
4. Busque assessoria
O campo da literatura
infantil é enorme. Muitos autores, ilustradores, gêneros e tendências que não
conhecemos quando éramos crianças têm enriquecido enormemente as opções de
leitura. Não fique limitado ao que você leu na infância. Aproveite as crianças
para descobrir novas obras e não pretenda conhecer tudo. Busque um livreiro ou
um bibliotecário que conheça literatura infantil. Consulte as listas de livros
recomendados, as publicações sobre o assunto e as instituições que promovem a
leitura. Você vai se surpreender com as descobertas e encontrará livros, não só
para ler com seus filhos, mas também para você.
5. Não confunda uma obra literária
com um livro didático
Assim como você
procura muito mais que ensinamentos explícitos quando lê um romance de García
Márquez, seu filho busca na literatura muito mais que um ensinamento moral. A
literatura se move na esfera do simbólico e apela à experiência profunda dos
seres humanos. Desconfie das mensagens explícitas e das morais óbvias. O
mercado está cheio de livros infantis que "disfarçam" – sob o título
de "conto" – as intenções didáticas dos adultos. Aprenda a
diferenciar os manuais de autoajuda das obras literárias. A literatura não
pretende explicar valores, letras do alfabeto, regras de polidez ou mensagens
ambientais. Leia nas entrelinhas e não escolha um livro só pelo seu tema, mas
pela sua forma e pela maneira como um autor constrói uma voz e um mundo
próprios. Desconfie dessa linguagem pseudoinfantil, cheia de diminutivos e de
histórias light, onde os protagonistas
são tão perfeitos como ursos de pelúcia. (Seu filho vai ser o primeiro a
"não engolir a história".) Os livros infantis podem ser atrevidos,
transgressores, irreverentes, sutis, inteligentes, tristes... Todas essas
nuances, que constituem a infinita variedade da experiência de um ser humano,
alimentarão o mundo interior das crianças e lhes darão as chaves secretas para
descriptografar muito sobre sua própria vida e sobre as emoções, sonhos e
pesadelos sobre fantasia e realidade.
Quando você for ler
literatura para uma criança, deixe-se tocar pela linguagem cifrada e misteriosa
dos livros. Todo o resto virá depois.
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