Diz a música que “de tudo que há no mundo tem na
Feira de Caruaru”. E isso é bem verdade. Pense em qualquer produto, que você
acha lá. Mas essa história, que vou contar, não tem nada a ver com fruta,
verdura ou coisa parecida. É uma história cabeluda, de terror mesmo, que
aconteceu há muitos anos.
Naquela época, se estava falando muito de uns
misteriosos desaparecimentos de moças que ninguém nunca mais encontrava. Nem a
polícia, por mais que se esforçasse, conseguia achar uma só pista para seguir.
Até parecia que as vítimas sumiam no ar, para só muito tempo depois aparecerem,
infelizmente já sem vida, e, o mais estranho, completamente carecas. Os
repórteres policiais se assanhavam todos, sempre que havia uma notícia dessas.
O povo já começava a ficar com medo de ir à feira por causa do Maníaco do
Cabelo, que é como o criminoso ficou sendo chamado.
Dona Zetinha tinha uma barraca na
feira de farinha. Ela vendia o melhor beiju e a tapioca mais gostosa de toda
Caruaru. Dona Zetinha era ajudada pela filha, uma mocinha de seus 17 anos
chamada Siana, que era a alegria daquela parte da feira. Sempre sorridente,
vivia cantarolando, servindo os fregueses, meneando as longas tranças
aloiradas, que lhe chegavam até o meio das costas.
– Siana, minha filha, vá ali em dona Célia trocar esse dinheiro para mim, vá! – pediu dona Zetinha. A menina, pressurosa, limpou no avental as mãos brancas da farinha de tapioca e pegou a nota de 50 reais. Zé da Perna ou Zé Peu, um pobre coitado aleijado, que vivia por ali e fazia as vezes de carregador, se ofereceu para ir com ela.
– Oxe, seu Zé Peu, carece não! A barraca de dona Célia é aqui pertinho! – Siana gentilmente recusou a oferta.
– Oxente, menina Siana, que com esse doido dos cabelos zanzando por aí não se pode brincar não, né mesmo, dona Zetinha?
A mãe da mocinha concordou.
– Vá com ela, seu Zé, faça o favor!
A barraca de dona Célia ficava ali perto, na parte das ervas, mas, sonhadora como era, Siana fez questão de encompridar o caminho, passando pelas barracas de bolo e de queijo do Sertão. Zé Peu a acompanhava, arrastando a perna doente, mas prestando atenção em tudo, fiel como um cão, para ninguém molestar sua protegida. Por ele passou um vendedor de pente, de chapéu na cabeça, com um carrinho cheio de tudo quanto era enfeite, xuxinha, elástico, fivela, piranha, diadema e até pomada cheirosa pra dar brilho nos cabelos. Mais interessada num pedaço de bolo barra branca que via numa barraca ali perto, Siana passou batida por ele, mas uma outra menina, mais ou menos da mesma idade, encantou-se logo com um prendedor enfeitado com uma enorme rosa vermelha e parou.
– Quanto é, moço? - Perguntou ao ambulante.
O vendedor olhou-a de alto a baixo, reparando na beleza dos cabelos compridos.
– Experimente, menina! Bote no seu cabelo para a gente ver como fica – disse ele, sorridente.
Vaidosa, a menina prendeu os cabelos com o enfeite, olhando-se toda satisfeita no espelho do carrinho.
– Ficou foi bom, vou levar! Quanto é?
– Para você, faço baratinho, só 2 reais.
Dois reais era mesmo uma pechincha. A menina nem titubeou. Pegou o dinheiro no bolso da calça, pagou e foi-se embora para casa, com o enfeite no cabelo. À noite, quando saía para ir ao colégio, onde fazia o 9º ano, fez questão de usar o novo enfeite. Nunca mais foi vista com vida. Seu corpo foi encontrado alguns dias depois, boiando no Rio Ipojuca, com marcas de dedos no pescoço e, como todos os outros, completamente careca.
– O mesmo modus operandi! – exclamou, desalentada, a delegada Clarice. – É o quinto corpo encontrado da mesma forma, meninas entre 16 e 18 anos, marcas de
estrangulamento, com a cabeça completamente raspada. Eu não sei mais o que fazer! Não há nenhuma pista! Parece que o bandido some no ar!
O desabafo era com a comissária Leona. Também ela, acostumada a atuar no Serviço de Inteligência da Polícia Civil, encontrava-se tão encafifada quanto a chefe.
– E o pior é que o governador está me pressionando, o prefeito foi lá reclamar, quer uma providência urgente. Mas não temos pista alguma! – lamentou a policial que, em seus 20 anos de carreira, nunca havia se deparado com qualquer crime que não tivesse conseguido resolver. Será que esse iria ser o primeiro?
De volta à feira, na barraca de dona Zetinha, o movimento tinha caído. O povo estava com muito medo do tal maníaco. Siana brincava distraída com as tranças quando um vendedor de enfeite de cabelo passou por ela. O reflexo do sol brilhou em um espelho encandeando a menina e despertando-a do devaneio. Seu olhar bateu mesminho numa orquídea de tecido, perfeita para prender num rabo de cavalo. Ela deu um pinote atrás do ambulante.
– Moço, quanto é essa flor? – perguntou, pegando o enfeite. O vendedor olhou para ela, através dos óculos escuros, e só enxergou as longas tranças aloiradas.
– Bote para a gente ver como fica! – tirou a flor e ofereceu-a à menina. Siana prendeu-a nas tranças e olhou-se no espelho. Seu olhar encontrou o do vendedor, que sorria contente.
– Gostei, vou levar.
– É só 2 reais – pediu o homem. Siana botou a mão no avental que ainda usava e pegou a cédula, entregando-a ao vendedor. Zé Peu, logo em frente, assistia à cena, sempre cuidadoso na menina, e achou esquisito o vendedor, que ficou parado, olhando Siana ir-se embora, balançando as tranças, agora enfeitadas pela flor. “Oxe, esse cabra tá paquerando minha menina, é? Arre, que já cuido de ti, febrento!”, pensou ele, sem tirar os olhos do tal ambulante. Foi por isso que viu o homem ir-se embora da feira, com o carrinho ainda cheio de mercadoria. Não se sabe se por uma inspiração divina – ou ciúme mesmo – Zé Peu decidiu seguir o vendedor. Viu quando o homem atravessou a Ponte da Integração, pegou a XV de Novembro, passou pelo Armazém Lacerda e desceu para os Guararapes, sumindo-se numa pensão barata.
À noite, Siana se aprontava para ir à escola ali perto de casa, na Rua do Vassoural. Dona Zetinha beijou a menina, recomendando-lhe não ficar muito tempo na rua, depois da aula, ainda mais com esse tal de maníaco à solta. Siana riu-se da preocupação da mãe, atenção presa no espelho, ajeitando a flor que tinha comprado na feira. Animada por encontrar as amigas, a mocinha saiu de casa e nem botou reparo no homem que saiu de trás de um poste, em direção a ela.
– Boa noite, menina! – cumprimentou-a o estranho, assustando Siana. – Pode me dizer onde tem um chaveiro por aqui? Me disseram que tem um perto do colégio.
– Eu não sei, moço, mas o colégio fica logo ali. Se quiser, posso... – a menina nem conseguiu completar a frase, pois o homem, num movimento rápido, tapou-lhe a boca com um pano molhado. O mundo girou e ela perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava amordaçada e amarrada, sentada numa cadeira, num lugar desconhecido. À sua frente, o homem que lhe tinha pedido informação na rua. Siana arregalou os olhos, aterrorizada, quando ele tirou o chapéu, descobrindo a cabeça completamente careca, e os óculos escuros, mostrando um rosto sem sobrancelhas e olhos sem pestanas. Parecia uma alma penada, com aquela cabeça pontuda e os olhos pelados, escuros e vazios de expressão.
O homem levantou-se e pegou uma navalha de uma mesa cheia de perucas e enfeites de cabelo. Acercou-se da cadeira onde estava Siana, pegou suas compridas tranças, sentindo-lhes o peso e a maciez, e esfregou-as contra o próprio rosto. Num assomo de raiva, arrancou a flor que as enfeitava, desfazendo o penteado. Sentindo as lágrimas descerem, pelo perigo iminente, a menina rezou por um milagre. O homem desceu as mãos contra o pescoço dela e começou a apertar. Nesse momento, ouviu-se um estrondo e a porta do quarto foi abaixo. Um policial, de arma em punho, entrou gritando:
– Parado, é a polícia! Largue a moça ou vai levar bala!
Vendo-se acuado, o homem cedeu, mas lembrou-se da navalha e agarrou a arma. O tiro acertou-lhe o braço e ele gritou. Na cadeira, Siana chorava. O policial desamarrou-a e tirou-lhe a mordaça, enquanto outro prendeu o bandido. A delegada Clarice entrou no quarto, acompanhada da comissária Leona.
– Pegamos o homem! – comemorou a policial.
– Graças àquele telefonema anônimo! – ajuntou a parceira.
Num tosco armário, no quarto, estavam todas as evidências dos crimes que chocaram a cidade e confundiram a polícia: dezenas de fotos do acusado usando macabras perucas feitas com os cabelos das moças assassinadas e os enfeites de cabelo, com as digitais das pobres vítimas, comprados bem baratinhos, somente a 2 reais, na Feira de Caruaru.
– Siana, minha filha, vá ali em dona Célia trocar esse dinheiro para mim, vá! – pediu dona Zetinha. A menina, pressurosa, limpou no avental as mãos brancas da farinha de tapioca e pegou a nota de 50 reais. Zé da Perna ou Zé Peu, um pobre coitado aleijado, que vivia por ali e fazia as vezes de carregador, se ofereceu para ir com ela.
– Oxe, seu Zé Peu, carece não! A barraca de dona Célia é aqui pertinho! – Siana gentilmente recusou a oferta.
– Oxente, menina Siana, que com esse doido dos cabelos zanzando por aí não se pode brincar não, né mesmo, dona Zetinha?
A mãe da mocinha concordou.
– Vá com ela, seu Zé, faça o favor!
A barraca de dona Célia ficava ali perto, na parte das ervas, mas, sonhadora como era, Siana fez questão de encompridar o caminho, passando pelas barracas de bolo e de queijo do Sertão. Zé Peu a acompanhava, arrastando a perna doente, mas prestando atenção em tudo, fiel como um cão, para ninguém molestar sua protegida. Por ele passou um vendedor de pente, de chapéu na cabeça, com um carrinho cheio de tudo quanto era enfeite, xuxinha, elástico, fivela, piranha, diadema e até pomada cheirosa pra dar brilho nos cabelos. Mais interessada num pedaço de bolo barra branca que via numa barraca ali perto, Siana passou batida por ele, mas uma outra menina, mais ou menos da mesma idade, encantou-se logo com um prendedor enfeitado com uma enorme rosa vermelha e parou.
– Quanto é, moço? - Perguntou ao ambulante.
O vendedor olhou-a de alto a baixo, reparando na beleza dos cabelos compridos.
– Experimente, menina! Bote no seu cabelo para a gente ver como fica – disse ele, sorridente.
Vaidosa, a menina prendeu os cabelos com o enfeite, olhando-se toda satisfeita no espelho do carrinho.
– Ficou foi bom, vou levar! Quanto é?
– Para você, faço baratinho, só 2 reais.
Dois reais era mesmo uma pechincha. A menina nem titubeou. Pegou o dinheiro no bolso da calça, pagou e foi-se embora para casa, com o enfeite no cabelo. À noite, quando saía para ir ao colégio, onde fazia o 9º ano, fez questão de usar o novo enfeite. Nunca mais foi vista com vida. Seu corpo foi encontrado alguns dias depois, boiando no Rio Ipojuca, com marcas de dedos no pescoço e, como todos os outros, completamente careca.
– O mesmo modus operandi! – exclamou, desalentada, a delegada Clarice. – É o quinto corpo encontrado da mesma forma, meninas entre 16 e 18 anos, marcas de
estrangulamento, com a cabeça completamente raspada. Eu não sei mais o que fazer! Não há nenhuma pista! Parece que o bandido some no ar!
O desabafo era com a comissária Leona. Também ela, acostumada a atuar no Serviço de Inteligência da Polícia Civil, encontrava-se tão encafifada quanto a chefe.
– E o pior é que o governador está me pressionando, o prefeito foi lá reclamar, quer uma providência urgente. Mas não temos pista alguma! – lamentou a policial que, em seus 20 anos de carreira, nunca havia se deparado com qualquer crime que não tivesse conseguido resolver. Será que esse iria ser o primeiro?
De volta à feira, na barraca de dona Zetinha, o movimento tinha caído. O povo estava com muito medo do tal maníaco. Siana brincava distraída com as tranças quando um vendedor de enfeite de cabelo passou por ela. O reflexo do sol brilhou em um espelho encandeando a menina e despertando-a do devaneio. Seu olhar bateu mesminho numa orquídea de tecido, perfeita para prender num rabo de cavalo. Ela deu um pinote atrás do ambulante.
– Moço, quanto é essa flor? – perguntou, pegando o enfeite. O vendedor olhou para ela, através dos óculos escuros, e só enxergou as longas tranças aloiradas.
– Bote para a gente ver como fica! – tirou a flor e ofereceu-a à menina. Siana prendeu-a nas tranças e olhou-se no espelho. Seu olhar encontrou o do vendedor, que sorria contente.
– Gostei, vou levar.
– É só 2 reais – pediu o homem. Siana botou a mão no avental que ainda usava e pegou a cédula, entregando-a ao vendedor. Zé Peu, logo em frente, assistia à cena, sempre cuidadoso na menina, e achou esquisito o vendedor, que ficou parado, olhando Siana ir-se embora, balançando as tranças, agora enfeitadas pela flor. “Oxe, esse cabra tá paquerando minha menina, é? Arre, que já cuido de ti, febrento!”, pensou ele, sem tirar os olhos do tal ambulante. Foi por isso que viu o homem ir-se embora da feira, com o carrinho ainda cheio de mercadoria. Não se sabe se por uma inspiração divina – ou ciúme mesmo – Zé Peu decidiu seguir o vendedor. Viu quando o homem atravessou a Ponte da Integração, pegou a XV de Novembro, passou pelo Armazém Lacerda e desceu para os Guararapes, sumindo-se numa pensão barata.
À noite, Siana se aprontava para ir à escola ali perto de casa, na Rua do Vassoural. Dona Zetinha beijou a menina, recomendando-lhe não ficar muito tempo na rua, depois da aula, ainda mais com esse tal de maníaco à solta. Siana riu-se da preocupação da mãe, atenção presa no espelho, ajeitando a flor que tinha comprado na feira. Animada por encontrar as amigas, a mocinha saiu de casa e nem botou reparo no homem que saiu de trás de um poste, em direção a ela.
– Boa noite, menina! – cumprimentou-a o estranho, assustando Siana. – Pode me dizer onde tem um chaveiro por aqui? Me disseram que tem um perto do colégio.
– Eu não sei, moço, mas o colégio fica logo ali. Se quiser, posso... – a menina nem conseguiu completar a frase, pois o homem, num movimento rápido, tapou-lhe a boca com um pano molhado. O mundo girou e ela perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava amordaçada e amarrada, sentada numa cadeira, num lugar desconhecido. À sua frente, o homem que lhe tinha pedido informação na rua. Siana arregalou os olhos, aterrorizada, quando ele tirou o chapéu, descobrindo a cabeça completamente careca, e os óculos escuros, mostrando um rosto sem sobrancelhas e olhos sem pestanas. Parecia uma alma penada, com aquela cabeça pontuda e os olhos pelados, escuros e vazios de expressão.
O homem levantou-se e pegou uma navalha de uma mesa cheia de perucas e enfeites de cabelo. Acercou-se da cadeira onde estava Siana, pegou suas compridas tranças, sentindo-lhes o peso e a maciez, e esfregou-as contra o próprio rosto. Num assomo de raiva, arrancou a flor que as enfeitava, desfazendo o penteado. Sentindo as lágrimas descerem, pelo perigo iminente, a menina rezou por um milagre. O homem desceu as mãos contra o pescoço dela e começou a apertar. Nesse momento, ouviu-se um estrondo e a porta do quarto foi abaixo. Um policial, de arma em punho, entrou gritando:
– Parado, é a polícia! Largue a moça ou vai levar bala!
Vendo-se acuado, o homem cedeu, mas lembrou-se da navalha e agarrou a arma. O tiro acertou-lhe o braço e ele gritou. Na cadeira, Siana chorava. O policial desamarrou-a e tirou-lhe a mordaça, enquanto outro prendeu o bandido. A delegada Clarice entrou no quarto, acompanhada da comissária Leona.
– Pegamos o homem! – comemorou a policial.
– Graças àquele telefonema anônimo! – ajuntou a parceira.
Num tosco armário, no quarto, estavam todas as evidências dos crimes que chocaram a cidade e confundiram a polícia: dezenas de fotos do acusado usando macabras perucas feitas com os cabelos das moças assassinadas e os enfeites de cabelo, com as digitais das pobres vítimas, comprados bem baratinhos, somente a 2 reais, na Feira de Caruaru.
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