Conheci uma que era tão míope que não via mesmo nada. Nem sequer um palmo diante dela. Tudo lhe parecia turvo como uma nuvem de fumo. Por causa da sua miopia, esta feiticeirinha já tinha tido acidentes de vassoura terríveis. Um dia, em plena tempestade, tinha-se enfiado num relâmpago e chegou a casa toda pretinha. Numa outra ocasião, tinha falhado uma aterragem e tinha caído em plena sala de aula, em cima da cabeça da professora. Também estivera no centro de um ciclone, enquanto as outras colegas fugiam dele a sete pés.
Por ver tudo nebuloso, mal conseguia ler o Grande Livro de Magia, o que lhe acarretava imensos problemas quando tinha de lançar sortilégios. Tinha transformado o seu fiel gatinho num banco cor de laranja; tinha oferecido à irmã um ramo de cardos a julgar que eram rosas, e os cardos tinham transformado a irmã em pulgão; no Dia do Pai, oferecera uma garrafa de licor mágico ao pai, e o licor transformou-o em sapo. A mãe tinha tido que preparar um antídoto em cinco segundos, antes que alguém o pisasse.
— Já chega! — disse a mãe, um dia. Vou levar-te ao médico e ele vai receitar-te um belo par de óculos.
— Nunca — disse a feiticeirinha que, como todas as bruxinhas, era muito vaidosa. — Vão rir-se de mim na escola. Nunca se viu uma feiticeira de óculos. Nem a feiticeira Camomila, nem a madrasta da Branca de Neve, que era feiíssima, mas tinha olhos de lince. Nem sequer a madrinha má da Bela Adormecida. Eram más, mas viam bem.
— Sofriam de outras coisas. A madrasta da Branca de Neve tinha um torcicolo horrível. A feiticeira Camomila tem o nariz vermelho e é um pouco surda. Tens sorte, tu. Vais ter um belo par de óculos e todos te invejarão. Serás a mais dotada das feiticeiras!
A bruxinha escolheu um bonito par de óculos, amarelos e redondos como dois sóis. Agora até sentia que trazia luz nos olhos. Redescobriu o mundo que a rodeava. Como era muito míope, nunca tinha visto os olhos do seu gato preto a brilhar, o sorriso da sua mãe a cintilar, ou o seu pai a cofiar o bigode. Do alto da sua vassoura, a centenas de quilômetros da terra, conseguia ver tudo até ao mais ínfimo detalhe: as crianças que estudavam, ao mesmo tempo que sonhavam voar como pássaros; a professora que pensava no noivo, enquanto lia um ditado, um velhinho muito triste, porque o seu gato desaparecera.
É que agora a feiticeirinha conseguia ver o que os outros não viam. Até parecia que tinha óculos mágicos… Como era belo o mundo! Aprendeu a fazer coisas fantásticas: devolveu o gato ao velhinho, transformou as lágrimas em sorrisos, as pedrinhas em bombons, as professoras em fadas, e os sapos em príncipes. Tudo isto rendeu-lhe um “Excelente” na caderneta escolar.
As colegas ficaram muitíssimo invejosas. Diziam, despeitadas:
─ São óculos mágicos, óculos de fada!
É um facto que as feiticeirinhas só sonham em transformar-se em pequenas fadas. Assim, todas pediram às mães:
─ Compra-me uns óculos! Não vejo nada!
E a feiticeirinha ria à socapa.
Ela sabia que não se tinha transformado em fada. Mas podia compreender tudo e ver tudo o que não compreendera nem vira antes. Tinha olhos de lince e podia agora admirar a beleza do mundo.
Às vezes, tirava os óculos. Tirava-os quando lhe apetecia ficar longe do mundo, repousar, ficar sem ver tudo e sem compreender tudo. Contudo, quando queria transformar-se na melhor das feiticeiras, quando queria aprender truques engraçados que ajudassem as pessoas, voltava a pôr os óculos mágicos. Escusado será dizer que nunca mais aterrou em cima da cabeça das professoras.
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