Diz obrigado à senhora!





Francisco segura-se com força ao carrinho de bebê que a mãe empurra. Sob a capota vê, a sair da manta, a ponta do nariz da irmãzinha adormecida.
É sempre assim quando saímos: mesmo que ela grite até ficar roxa, basta embalá-la, ou que o carrinho dê algumas voltas, que ela logo se acalma e recupera aquele arzinho rosa e branco, e fica a pestanejar.
Ainda não chegamos à esquina da rua, e ela já dorme debaixo da sua touca. Um anjo sobre o qual se debruçam os transeuntes com um ar enternecido. Naquele instante, Francisco chega mesmo a sentir que já é grande.
A mão da mãe, de luva calçada, está pousada mesmo ao lado da sua, e do outro lado do carrinho vai Juju, o orgulho de Francisco. É uma cadela grande e preta de quem ele é dono desde o seu aniversário. Ainda é nova e não tem juízo nenhum. Temos de prender a trela ao carro não vá a cadela escapar-se e desatar aos saltos pelo passeio fora. Quando ela puxa com força, é Francisco quem a repreende. E fá-lo exatamente como o pai lhe ensinou: com uma voz calma, mas “firme”.
É quarta-feira de manhã, o ar frio fustiga, e a sensação é agradável. Até dá a impressão de que temos molas nas pernas.
Infelizmente, chega sempre o momento de as mães irem às compras. Temos de entrar nas lojas e é aí que tudo se complica para o Francisco.
Vejamos, por exemplo, a padeira. Simpática, é como se fosse uma vizinha, quase uma amiga. No entanto, nunca passa sem o arreliar: mal vê o Francisco escondido atrás da mãe, diz-lhe com uma voz estridente.
— Bom dia, Francisco! O que é que me contas hoje?
E é sempre, sempre a mesma coisa.
Apesar de se preparar com antecedência e de fazer esforços, o “Bom dia!” fica-lhe entalado na garganta, comprimida como uma bola de papel.
Às vezes, a mãe debruça-se e diz-lhe ao ouvido:
— Vá, filho, diz “bom dia”.
Outras vezes, Francisco nota que a mãe fica nervosa.
Ele sabe muito bem que tem de ser educado; dizem-lhe isto muitas vezes. Mas não há nada a fazer. Não é capaz de articular uma palavra.
Nessas alturas, baixa a cabeça, olha para os pés, esfrega a sola dos sapatos na tijoleira da loja. A mãe desculpa-o diante da padeira ou então muda de assunto.
Hoje, a mãe zangou-se a valer. É que a senhora da mercearia fez muitas perguntas ao Francisco e ele não respondeu a nenhuma:
— É muito querida a tua irmã. Estás contente por teres uma maninha? Ela ri-se para ti? Não chora de noite? Porta-se bem?
Até parece que a chegada desta irmãzinha é um acontecimento para o bairro inteiro. E, para terminar, estendeu-lhe um bombom por cima do balcão.
E a mãe, naquele tom de voz de quem parece que vai bater:
— Diz obrigado, Francisco!
Atrás deles, uma senhora começou a rir e a dizer qualquer coisa que Francisco não entendeu. E a senhora da mercearia riu-se também, dando-lhe pancadinhas na cabeça.
Então, o Francisco pegou no rebuçado e atirou-o ao chão. Depois, desatou a correr em direcção à porta, empurrando os clientes que estavam na fila. Desta vez, a mãe gritou:
— Francisco, espera aí!
E lá seguiram os dois lado a lado. A mãe não dizia nada. Olhava em frente, mas com um ar tão severo que parecia uma estátua.
Na esquina, parou de novo no vendedor de fruta e legumes. Daquele, o Francisco até gosta bastante. É um senhor muito alto, magro e de poucas falas. Traz sempre um lápis atrás da orelha, usa uma grande bata azul que lhe chega quase até aos pés, e está sempre à porta, ao lado da balança.
Para escolher a fruta à vontade, a mamãe deixa o carrinho travado, à beira do passeio. Recomenda ao Francisco que se porte bem, enquanto ela vai pagar a conta. Francisco segura o carrinho com as duas mãos. O vento levanta-lhe os cabelos e bate-lhe nas orelhas. Para evitar o carrinho, os transeuntes dividem-se em duas filas, e Francisco imagina-se a dirigir uma lancha, entre duas vagas de rostos.
De repente, um enorme cão amarelo surge à sua frente, tão esticado na ponta de uma trela que até parecia que ia ficar estrangulado. Com o focinho a escorrer baba, dirige-se raivosamente para a Juju. Esta, que estava tranquilamente a molhar as patas na água da valeta, assusta-se. Começa a rosnar, estica-se toda e puxa também pela trela, que está presa ao carro de bebê. O outro cão, de fúria redobrada, arreganha os dentes e quase arranca a trela das mãos do dono. Este encosta-se a um candeeiro da rua e puxa para trás com toda a força.
Quase estrangulado, o cão amarelo põe-se a ladrar, de dentes à mostra. Então a Juju fica com medo; salta para o lado com tanta violência que o carro é arrastado e uma das rodas escorrega para valeta. Assim desequilibrado, o carrinho está a ponto de se virar.
Felizmente que o Francisco, agarrado ao carro com todas as suas forças, consegue segurá-lo. Dentro do carrinho, a irmãzinha, que entretanto acordou e se pôs a chorar, resvala para o lado.
Francisco tem tanta dificuldade em segurar o carro que nem se lembra de gritar para avisar a mãe. As pessoas afastam-se, com ar de espanto.
Finalmente, é o ladrar ensurdecedor dos cães que acaba por chamar a atenção da mãe, que dá um grito. Larga logo o saco de papel castanho que o vendedor lhe entregara e corre para o carrinho do bebê.
Num instante levantou o carrinho e acalmou a Juju. O cão amarelo, por fim já dominado pelo dono, afasta-se.
A mãe pegou no Francisco ao colo e aperta-o contra o peito. Diz-lhe obrigado por ter salvo a irmã de um grande perigo. A mãe ri e os seus olhos brilham.
Ao lado um do outro, de novo a empurrar o carrinho de bebê, acabaram de fazer as compras na padaria.
A loja, onde se sente o delicioso aroma dos croissants quentes, está vazia. A padeira, de costas para a porta, ajeita as baguetes no mostrador.
Francisco vai à frente. Sem hesitar, diz bem alto, virado para o balcão:
— Bom dia, minha senhora!
Este “Bom dia”, preso há tanto tempo, voa como um pássaro cuja gaiola acaba de se abrir.
De regresso, na rua, a morder o delicioso croissant ainda morno, Francisco debruça-se sobre a irmãzinha. Os olhos azuis da irmã vagueiam pela beira da capota até se fixarem nele. De repente, todo o corpinho se agita debaixo da manta, e aquela boca minúscula abre-se num grande sorriso.
“Coitada” pensa Francisco, “ainda é muito pequenina para comer um croissant…”

Françoise Grard
Dis merci à la dame
Arles, Actes Sud Junior, 2000
Tradução e adaptação

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