Ainda era de manhã cedo. Estava frio
e a mamãe tinha pressa.
— Anda lá, Till — chamou. — Onde está
o teu gorro? Vamos perder o carro!
Till engoliu o último pedaço e
dirigiu-se à parede da cozinha. Aí estava pendurado um calendário com muitas
folhas. Na de cima estava escrito “20 de março”. Tinha sido ontem. Till pôs-se
em bicos de pés, levantou a mão…
— Onde é que estás, Till? — chamou a
mãe, da entrada.
Till baixou a mão.
— Bem, não mudo agora — resmungou
ele, saindo a correr.
E o calendário lá teve de continuar
no dia “20 de março”. A corrente de ar agitou a folha levemente e a fez
sussurrar.
— Que aborrecimento! — murmurou lá
fora o vento, mal-humorado. — Hoje não é ontem. A primavera quer chegar, mas
assim não pode, e vai ter de ficar à espera… — E saiu a correr.
— Temos muito trabalho a fazer —
segredou ele às nuvens, despenteando-as bem despenteadas.
— Não me digas! — cantarolaram as
nuvens. Dividiram-se em bolinhas de algodão e segredaram ao ouvido do
espantalho:
— A primavera está a chegar!
— E porque não? — exclamou ele.
Alargou o cachecol e assentiu com um
sinal de cabeça.
— Já estava cá com um pressentimento!
— acrescentou satisfeito.
O espantalho fez cócegas à toupeira
até ela acordar.
— Atchim! — espirrou. — Como te
atreves a acordar-me, com este frio glacial? Deixa-me dormir! — resmungou. De
seguida, cruzou as mãos sobre a barriga e adormeceu de novo.
O Gênio das raízes esfregou os olhos
e saiu da sua toca.
— A primavera está a caminho. Quem
vai tocar para anunciar a sua chegada? — gritou ele às campainhas. Elas
dormitavam graciosamente e não se deixaram incomodar.
Triste, o Gênio das raízes soprou nos
dedos, que estavam gelados.
— Eh, toca a acordar! — disse a Sr.ª
Terra, bem disposta. Puxou os narcisos pelos bulbos e endireitou a haste das
prímulas. Aspergiu a violeta. As três flores sorriram alegremente, ainda a
sonhar.
Uma campainha espreguiçou-se e deu
uma cotovelada à anêmona.
— Eu estou cansada. Toca tu — pediu
ela, enquanto, a tremer, tapava as orelhas com uma folha.
Mas a anêmona envolveu-se na sua
peliça.
— Está muito frio — disse baixinho,
fechando os olhos de longas pestanas.
— Ervas daninhas preguiçosas! —
ralhou a Sr.ª Terra. — Então… como é? Vamos lá, vamos lá! A primavera está
perto! — Atou o avental. — Já vou pô-las todas a mexer — disse, decidida, indo
buscar uma vassoura.
O melro e a mejengra estavam pousados
em cima da árvore.
— A primavera quer chegar! O quê? Com
este tempo glacial? — chilrearam eles, cheios de frio. — Como é que vai ser?
E, aborrecidos, cerravam as penas. O
vento esfregou as mãos e inspirou fundo.
— Já chega de andarem por aí a
vaguear — ralhou ele aos flocos de neve. — É altura de emagreceres — disse em
seguida, virando-se para o boneco de neve.
Mas alguma coisa não estava certa.
— Falta o sol, claro! — murmurou
tristemente o Gênio das raízes.
Empurrou as nuvens, puxou outras e
levantou, a arfar, as mais preguiçosas. Em vão. Já era meio-dia e o vento
esvoaçava em remoinho, sem saber o que fazer. O Gênio das raízes sentou-se
junto da chaminé do fogão, à espreita dos primeiros raios de sol. A Sr.ª Terra
limpava bulbos de tulipas, enquanto cantarolava. Mas tudo estava branco de
neve, o sol não aparecia e as campainhas continuavam a dormir.
O carro onde Till seguia com a
mãe de regresso a casa arfava estrada acima. Parou, e Till e a mãe apearam-se.
Juntos abriram a porta de casa e entraram na cozinha. Uma corrente de ar fez
agitar a folha do calendário e chamou a atenção da mãe.
— Oh, Till! — exclamou admirada. —
Não tiraste a folha do calendário! Ontem não é hoje, e a primavera quer entrar!
Till levantou-se de um salto… e
arrancou a folha.
Então o sol saiu de detrás do monte e
começou a brilhar resplandecente. O vento encheu as bochechas e virou-se para
sul. O Gênio das raízes agarrou na Sr.ª Terra pelo avental e ambos dançaram,
acompanhados pelo canto do espantalho.
A toupeira deu uma pequena cotovelada
à violeta.
— Vamos — resmungou. — A primavera é
tempo de florir!
O vento respirou
finalmente de alívio. A nova folha do calendário chamava-se “21 de março”.
Sigrid Laube; Silke Leffler
Aufgewacht, der Frühling kommt!
Wien, Annette Betz Verlag, 2004
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