contando de um outro jeito o conto de Rubem Alves
Eis a história de uma florzinha que ao nascer,
cortou uma das suas pétalas num espinho.
Como a pétala partida não doía e, além de macia, era a sua amiga mais íntima, a florzinha não se preocupou com isso e vivia feliz, muito feliz…
Como a pétala partida não doía e, além de macia, era a sua amiga mais íntima, a florzinha não se preocupou com isso e vivia feliz, muito feliz…
Contudo, certo dia, começou perceber que as outras
flores a olhavam com grandes olhos, olhos de espanto! E foi nesse momento que
notou que era um pouquinho diferente das outras flores.
Os dias foram passando e ela foi ficando triste,
cada vez mais triste e o jardim ia perdendo o viço que tinha antes.
Ela não estava triste por causa da pétala partida.
Isso não a incomodava nada. Estava triste pela forma como as outras flores
olhavam para ela.
E foi justamente por causa de tudo isso que a
pequena flor começou a chorar.
Chorou tanto, mas tanto… que a terra molhada, já
quase alagada, ao perceber que não aguentava nem mais uma lágrima, começou a
ficar preocupada e perguntou:
— Porque brota tanta água desses pequeninos olhos?
— perguntou à florzinha. Mas a florzinha continuava a chorar…
Assim, a terra decidiu pedir socorro à sua amiga
árvore e contou o quanto florzinha chorava. E a árvore contou aos pássaros,
seus companheiros. E os pássaros voaram, voaram… e contaram às nuvens
sonhadoras. E as nuvens cochicharam aos ouvidos dos anjos que brincavam no céu.
E os anjos, os melhores amigos das nuvens, juntaram-se e contaram a Deus. E
Deus chorou como a florzinha chorava… Não de tristeza pela pétala partida da
florzinha, mas pela indelicadeza e falta de compaixão das outras flores.
E a partir desse instante, o choro da florzinha
transformou-se em chuva, a chuva tornou-se rio e o rio num imenso mar.
Os rios transformaram-se na casa dos peixes mais
pequenos, que adoraram a ideia de viver em água doce. Os mares abarcaram os
peixes maiores, bem maiores… Eles, por sua vez, gostaram imenso de mergulhar
nas águas salgadas. Costumavam dizer que, quando fossem pescados, já estavam
temperados…
Num pequeno intervalo do choro, a florzinha abriu
os olhos e ficou admirada com todo o reboliço à sua volta. Não sabia, que era
tão querida pela Natureza.
Naquele momento, a sua tristeza começou a
transformar-se em algo estranho. Era uma espécie de ‘cócegas’ a serpentear pelo
corpo, um tremor que ia e vinha e que, assim que chegou ao coração, o fez bater
mais forte. A flor sentiu a boca repuxar-se levemente para cima como que
delineando um riso leve.
E ao sorrir pela primeira vez, um delicioso perfume
apoderou-se do seu corpo e alastrou pelas entranhas da Natureza, que nunca mais
conseguiu viver sem ele. E esse perfume chamou muitos, muitos animaizinhos…
Vieram as abelhas, os beija-flores, as borboletas,
as crianças… e um a um começou a cheirar a florzinha que sabia sorrir e que
tinha um delicioso perfume que parecia sair exatamente da pétala partida.
— E o que aconteceu às outras flores da história?
— Ah, sabes porque é que as outras
flores, belas mas infelizes, não tinham perfume? Porque não sabiam
sorrir. O perfume é o sorriso da flor.
Essa é a história da florzinha que aprendeu a
sorrir e que recebeu de presente o delicioso perfume que iria permanecer com
ela e com todas as outras que viessem depois dela, desde que soubessem sorrir…
E quem não acreditar neste conto que acabo de
contar de uma outra maneira, que faça o meu sorriso congelar ao primeiro ar que
por aqui passar.
adaptado
Heleida Nobrega, 2007
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