Muito
tempo atrás, longe daqui, vivia um rei que tinha um filho de quem ele gostava
muito e que se parecia muito com ele quando era jovem.
Um
dia, o rei Azad disse ao grão-vizir:
−
Vamos levar meu filho à cova do leão e dizer-lhe o que se espera dele, agora
que completou 18 anos.
O
príncipe Adil foi chamado à presença do rei e o grão-vizir assim lhe disse:
−
Alteza, sempre foi costume nesta nobre família que o herdeiro do trono, na
idade que você tem agora, passe por certo teste. Isto é para que fique
estabelecido sem nenhuma dúvida se o príncipe está apto ou não a ser o futuro
governante do nosso povo. Venha conosco e lhe mostraremos que prova é essa.
O
príncipe seguiu seu pai e o grão-vizir até uma grande porta na parede de uma
cova rochosa. Havia uma pequena grade na porta, através da qual podia-se ouvir
o rugido de um leão.
−
Veja, meu filho − disse o rei alisando a barba -, aí dentro está um enorme
leão. Você deve lutar com ele e subjugá-lo, com uma adaga e uma espada. Você
pode fazer isso quando quiser. Todo homem de nossa família teve que passar por
este teste antes de herdar o trono.
O
príncipe olhou pela grade e empalideceu, pois o que ele viu foi um leão de fato
muito grande, andando de um lado para o outro numa caverna cheia de ossos. O
animal tinha uma juba espessa e dentes brancos e afiados. De vez em quando ele
franzia o nariz, arreganhava os dentes e dava um rugido horripilante.
−
Lutar? Subjugar? Matar essa coisa? Como poderei fazer isso? O máximo que
consegui até hoje foi matar um veado ou mandar um falcão caçar um pássaro.
Tenho certeza de que um leão desse tamanho e com toda essa força está além das
minhas possibilidades - dizia o príncipe quase sem voz.
− Não tenha medo − disse o grão-vizir. − Você não
precisa fazer isso agora. Um dia você poderá enfretá-lo, quando se acostumar
com a ideia. Pela graça de Alá, você vai encontrar a confiança necessária
quando tiver pensado um pouco sobre o assunto. Todos os seus antecessores o
fizeram.
O
rei sorriu e fez um sinal para que um escravo jogasse um pouco de carne para o
leão, que a devorou com satisfação.
Depois
disso, os dias se passaram e, embora o rei continuasse tratando seu filho tão
gentilmente quanto antes, Adil sentia que sua tarefa pesava sobre ele e que seu
pai devia estar ansioso para que matasse o leão imediatamente. Ele não
conseguia sentir prazer em nada, pensando no que tinha que fazer.
Uma
noite, depois de virar-se e revirar-se na cama sem conseguir dormir, ele se
levantou. Vestiu-se, encheu uma bolsa com muitas moedas de ouro e foi até os
estábulos reais. Acordou seu escudeiro e pediu-lhe que selasse seu cavalo
favorito e que dissesse ao rei que ele ia fazer uma viagem.
A
lua brilhava no céu e o príncipe se foi, sem olhar para trás, buscando uma
resposta para seu problema.
Na
manhã seguinte, chegou à beira de um rio com prados verdejantes dos dois lados.
Enquanto o cavalo bebia água, ele ouviu o som de uma flauta e logo em seguida
avistou um jovem pastor levando carneiros para o pasto. Adil perguntou-lhe se
ali por perto havia algum lugar onde ele pudesse ficar por uns dias. O pastor
levou-o ao seu patrão, um homem rico que morava numa casa muito grande nas
redondezas.
Lá,
o homem, que se chamava Haroun, convidou Adil para jantar e pergun-tou-lhe:
-
De onde você vem e como estão seus rebanhos?
O
príncipe respondeu com evasivas, dizendo que tivera certos problemas em casa
que o obrigaram a viajar. Disse também que estava buscando uma resposta para
uma questão pessoal, pedindo ao velho homem que não lhe perguntasse mais nada.
Imediatamente
Haroun disse que Adil poderia ficar em sua casa quanto tempo quisesse e que ali
estivesse à vontade. Seu cavalo foi levado ao estábulo, e o príncipe pensou que
gostaria de ficar um longo tempo naquele espaço tão tranquilo.
A
cada dia descobria um lugar encantador onde se podia ouvir o som das flautas
dos pastores, que naquela área eram inúmeros, pois aquela era a Terra dos
Tocadores de Flauta Celestiais.
Acontece
que uma noite, horrorizado, o príncipe ouviu rugidos de leões, não longe da
casa, e contou a Haroun na manhã seguinte.
-
Ah, sim, respondeu ele calmamente. Este lugar está infestado de leões. Eles
caçam à noite. Fico surpreso que você ainda não os tivesse escutado. Por isso
temos este muro em volta do jardim, senão eles já teriam levado toda a minha
família.
−
E ele ria com gosto, como se tivesse dito uma piada.
O
coração do príncipe encheu-se de medo. Assim que preparou seu cavalo para
partir, despediu-se de Haroun agradecendo sua hospitalidade e mais uma vez
pôs-se na estrada, cavalgando o mais rápido que podia.
À
medida que viajava, foi deixando para trás os verdes vales e foi surgindo à sua
frente uma árida planície arenosa, onde não se via um único tufo de grama. O
cavalo avançava com dificuldade, enfrentando o vento que de vez em quando
levantava nuvens de poeira seca. Adil sabia que precisava logo encontrar água
para ambos. Em silêncio rezou para que na próxima duna surgisse um acampamento
de beduínos ou um oásis pequeno.
Como
resposta à sua oração, ele viu no horizonte uma fila de tendas negras. Vários
guerreiros se aproximaram, suas armas reluzindo ao sol, e o saudaram gritando
"Asalaamamawaleikum!". Eles o escoltaram até o Sheik, que o recebeu
calorosamente, dizendo-lhe que tinha muita honra em tê-lo como hóspede e que
ele poderia ficar ali quanto tempo desejasse.
Depois
de uma deliciosa refeição de carneiro cozido, arroz com especiarias, figos e
tâmaras maravilhosamente doces, o Sheikh perguntou a Adil que ventos o levavam
naquela direção.
−
Não me pergunte mais nada − disse o príncipe. −Basta que você saiba que deixei
minha casa com um problema, que espero resolver tendo me ausentado da casa de
meu pai até me sentir mais seguro de minha situação.
O Sheikh inclinou a cabeça, alisou a barba e deu uma
baforada no cachimbo.
−
O tempo nos dá todas as respostas − murmurou−, se pudermos ser pacientes.
O
príncipe sentiu que poderia ficar para sempre naquele lugar, onde durante o dia
respirava o ar frio e fresco do deserto, caçando antílopes e comendo fartas
comidas na companhia do Sheikh.
Mas
um dia, depois de duas semanas de tranquilidade, o velho Sheikh lhe disse:
-
Meu filho, meu povo e eu gostamos de você e admiramos o modo como se juntou a
nós em nossos divertimentos. Mas somos guerreiros e temos que lutar com outras
tribos. É necessário muita bravura pessoal para a nossa sobrevivência, por isso
gostaríamos de submetê-lo a um teste onde pudéssemos ter uma evidência do seu
valor. Há duas milhas ao sul desta área está uma cadeia de montanhas infestada
de leões. Levante-se cedo amanhã, e depois da oração do alvorecer, pegue o
melhor de nossos cavalos e, com uma lança e uma espada mate um destes animais. Depois
disso, arranque sua pele e traga-a para nós, assim terá provado sua valentia.
O
rosto do príncipe Adil tornou-se branco como cera e enquanto dizia boa noite ao
Sheikh, tomado pelo medo, tinha certeza de que não poderia enfrentar aquelas
criaturas selvagens.
−
Deus do céu − ele dizia quando abandonou o acampamento antes da última refeição
da noite −, parece que encontro leões em qualquer lugar para onde vou. Não
posso entender... afinal, eu saí de casa justamente para evitá-los.
Viajou
muito tempo pela noite estrelada. De manhã chegou a uma bela região onde as
flores selvagens cresciam nas montanhas. Avistou ao longe um magnífico palácio,
o mais belo que ele jamais vira. Era feito de uma pedra rosada, com colunas de
lápis-lazúli e balcões de madeira esculpida e pintada de várias cores. Havia
fontes nos jardins à sua volta, pássaros que cantavam em árvores cheias de
flores, e muitos pavilhões cobertos de jasmins e rosas docemente perfumadas.
−
De fato, parece um paraíso na terra! − disse Adil para si mesmo enquanto se
aproximava do palácio.
Nos
portões, guardas levaram-no ao quarto de hóspedes, onde tomou banho e vestiu
roupas limpas, ajudado por servos sorridentes.
Depois
foi conduzido à presença do Emir, um homem de barbas cinzentas que lhe perguntou
o que o trouxera ali. Junto dele estava sua filha Peri-Zade, que tinha lindos
olhos amendoados e um cabelo negro como a cauda de um pássaro.
−
Minha situação é tal que não posso falar dela, tentou responder o príncipe,
evitando olhar para a adorável Peri-Zade, por quem ele tinha imediatamente se
apaixonado. − Eu deixei meu país porque tinha um problema para resolver.
−
Eu entendo − disse o Emir balançando a cabeça.
E
começou a falar de outros assuntos.
Depois
da refeição, o Emir mostrou a Adil o palácio por dentro, em toda sua
magnificência. Escadas de mármore levavam a vários aposentos, forrados com
móveis de madeira de várias partes do mundo. As paredes e o teto eram cobertos
de mosaicos de turquesa, ouro, afrescos e espelhos. As janelas eram de vidro
transparente pintado em cores delicadas, e os tapetes, macios como seda, tão
bem tecidos e mostrando paisagens tão harmoniosas que quase não pareciam ter
sido feitos por mãos humanas.
O
Emir o levou finalmente a seu quarto para que ele descansasse e lhe disse que
ele ficasse ali o quanto lhe fosse possível ficar. Sozinho, olhando todo aquele
esplendor à sua volta, Adil pensou que naquele lugar ele poderia ficar o resto
de sua vida.
Muitos
dias se passaram. A princesa Peri-Zade encantava-se em poder mostrar ao
príncipe os jardins em várias horas diferentes. Um dia, ao entardecer, ele a
ouvia cantar e tocar alaúde com extrema graça e perfeição. Foi então que
escutou um som que o arrepiou dos pés à cabeça.
−
Pare − ele gritou. − Que barulho foi esse?
-
Não ouvi nada, ela respondeu um pouco aborrecida pela interrupção.
E
continuou a tocar.
− Foi ali, perto de uns arbustos. Parecia o rugido
de um leão.
Ela
sorriu e lhe disse:
-
É apenas Rustum, nosso guardião, como o chamamos. É o animal de estimação de
toda a corte. A esta hora ele vigia nossos jardins. Eu o conheço desde que era
um filhotinho e à noite ele dorme à porta do meu quarto.
Nesta
noite, completamente cheio de medo, o príncipe quase não tocou na comida.
Quando subiu as escadas acompanhado pelo Emir, teve vontade de sair correndo ao
ver o enorme leão parado à porta do seu quarto.
−
Veja que honra − disse o Emir. − O bom Rustum está esperando para levá-lo para
a cama! Ele não faz isso com muita gente, não. Apenas se aborrece se vê que
alguém tem medo dele. Mas de fato é extremamente manso.
−
Eu tenho medo dele − sussurrou o príncipe−, realmente tenho muito medo.
Mas
o Emir pareceu não escutá-lo e se despediu deixando Adil com o leão. O príncipe
abriu a porta e o mais rápido que pôde fechou-a atrás de si.
Não
conseguiu dormir a noite inteira. Quando se levantou pela manhã, começou a
pensar que seria melhor voltar para casa. Havia tantos leões em seu caminho que
seria melhor lutar com o leão na cova e acabar logo com isso, em vez de ficar
fugindo a vida toda. Foi até o Emir e lhe disse:
−
Peço permissão para partir e enfrentar meu próprio problema à minha maneira, ou
então nunca estarei em paz comigo mesmo. Sou um covarde e quero deixar de
sê-lo, em honra de meu pai. Sou o filho do rei Azad e fugi do dever que todos
os homens de minha família devem realizar. Estou envergonhado e sei que nunca
poderei pedir a mão da princesa Peri-Zade enquanto não encarar meu destino e
lutar com o leão naquela cova.
−
Muito bem falado, meu filho −disse o Emir. − Desde o primeiro momento eu soube
quem você era, pois você se parece muito com seu pai quando jovem. Sempre
respeitei e admirei o rei Azad. Vá, lute com o leão e eu lhe darei minha filha
em casamento.
O
príncipe montou no seu cavalo e galopou até o acampamento das tendas pretas.
−
Bem vindo, príncipe Adil, − disse o Sheikh beduíno, conheci o seu pai quando
tínhamos ambos a idade que você tem agora. Pude saber quem você era pela enorme
semelhança que tem com ele, aliás, maior agora de que no dia em que você chegou
aqui.
Adil
contou-lhe sobre sua intenção de voltar para casa, o que agradou muito ao
Sheikh.
Depois
de descansar aquela noite, o príncipe seguiu viagem e descobriu, no caminho,
que estava com muita saudade de casa, com leão e tudo. Mal podia esperar para
dizer a seu pai que estava preparado para enfrentar aquela criatura dentro da
cova.
Logo
chegou à terra dos tocadores de flauta celestiais. Quando encontrou o dono
daqueles campos no pátio de sua casa, lhe disse:
−
Quando cheguei aqui pela primeira vez era um covarde. Agora estou pronto para
lutar e fazer o que meus antepassados fizeram, seja qual for o resultado. Tenho
confiança em Alá, o compassivo.
−
Que assim seja− disse o velho homem. − Eu sabia que você, sendo o verdadeiro
filho de seu pai, que foi meu companheiro quando estudamos juntos, no tempo
certo iria enfrentar suas dificuldades. Vá, e que Alá esteja com você!
Algum
tempo depois, Adil chegou a seu reino e pediu imediatamente ao grão-vizir para
levá-lo à cova do leão. O velho rei o abraçou-o muito feliz e os três se
dirigiram para a caverna.
A
espada e a adaga que o príncipe carregava brilhavam ao sol. Então, um escravo
abriu a enorme porta e Adil entrou corajosamente. O leão começou a rugir,
levantou-se e andou na direção do príncipe com sua enorme mandíbula aberta. O
príncipe olhou para aquele animal sem medo, armas na mão, enquanto o rei, o
vizir e o escravo ficaram em silêncio, observando. O leão deu um outro rugido,
mais forte que o anterior, e chegou perto dele. Então, para o espanto do
príncipe, o monstro pôs-se a esfregar a cabeça contra seus joelhos e lambeu
suas botas como um cão amestrado.
− Agora você pode ver − disse o grão-vizir − que
este leão é tão dócil quanto um escravo dedicado e não faz mal a ninguém. Você
passou no teste por ter entrado na sua toca.
A
prova do seu valor está completa. Agora você é digno de ser o nosso futuro rei.
Louvado seja Alá.
O
jovem mal podia acreditar no que tinha acontecido. Quando saiu dali, o leão
veio junto com ele, andando a seu lado, até que o escravo levou-o de volta para
a cova.
Houve
muita festa no palácio e no dia seguinte as comemorações se estenderam para
cada casa na cidade. De acordo com a tradição, o rei distribuiu moedas de ouro
e prata para o povo reunido no grande pátio sob o balcão real.
Adil
contou a seu pai sobre seu desejo de casar-se com a princesa Peri-Zade e o rei
mandou um emissário buscá-la.
Para
Adil, pareceu uma eternidade o tempo que a comitiva demorou a trazer sua amada.
Ela veio acompanhada de parentes e amigos, todos vestidos com as mais belas
roupas de casamento. Até o fim de seus dias o príncipe guardou na memória a
visão que teve da princesa, quando ela chegou cavalgando um cavalo branco
árabe, envolvida em roupas da mais pura seda e jóias de beleza inigualável.
As
festividades do casamento duraram sete dias e sete noites.
Eles foram muito felizes e, quando Adil tornou-se
rei, fez uma inscrição com letras de ouro no chão de seu quarto de estudos
particular que dizia: NUNCA FUJA DE UM LEÃO.