Aconselhou então o príncipe a
visitar outros países. Talvez ele encontrasse, fora do reino, uma
princesa capaz de lhe inspirar amor. O jovem aceitou o conselho do seu
velho pai e, para não ser reconhecido, partiu vestido modestamente.
Depois de muitos dias de viagem, quando se achava próximo de uma cidade,
encontrou uma velhinha corcunda, carregando um feixe de lenha. O
príncipe ficou com pena da pobre velha e ofereceu-se para carregar a
lenha. Quando chegou à cidade, deu à velhinha uma bolsa cheia de moedas.
A velha agradeceu a bondade do rapaz, abençoou-o e disse— Meu filho,
não sei como retribuir o que fez por mim. Só tenho estas laranjas para
lhe oferecer. Mas, quando as quiser chupar, só as descasque perto de um
lugar onde haja água corrente.
O
príncipe ficou muito triste com o fato e seguiu viagem. Dias depois,
atravessava ele um grande deserto, quando sentiu uma violenta sede.
Lembrou-se, mais uma vez, das laranjas e, quando descascava uma, saltou
do seu interior uma jovem, ainda mais bela do que a primeira, pedindo
água pelo amor de Deus. O príncipe saiu correndo à procura de água, mas
não conseguiu sequer uma gota. Quando voltou ao lugar, a linda moça
havia desaparecido, sem deixar nenhum vestígio.
Contou
sua história ao príncipe. Era filha de um rei muito rico, que havia
sido transformada em laranja por sua madrasta, que era feiticeira. O
príncipe ficou apaixonado pela moça. Pediu-a em casamento e foi aceito.
Resolveu então apresentá-la ao pai. Mas como a moça estivesse muito mal
vestida, achou conveniente ir sozinho ao palácio buscar roupas bonitas e
uma carruagem para sua noiva. Disse à princesa que subisse a uma
árvore, que ficava à margem do rio, recomendando-lhe que não falasse com
ninguém, durante sua ausência. Feito isso seguiu, a toda pressa, para o
palácio.
Mal o príncipe saiu,
chegou à beira do rio uma negra muito feia, cega de um olho, a quem
chamavam a Moura Torta. A negra abaixou-se para encher o pote no rio.
Nisto, avistou o belo rosto da moça refletido no espelho das águas.
Ficou admirada de tanta formosura. Julgando que era seu próprio rosto,
exclamou:
:— Ora essa! Uma moça
tão bonita como eu, carregando água! Isto não pode ser! E atirou o pote
nas pedras, reduzindo-o a cacos. Depois disso, afastou-se toda
orgulhosa, da beira do rio. Quando chegou em casa, disse à patroa que o
pote havia escorregado de sua mão e caído no rio. A patroa ficou
aborrecida com a história, mas deu-lhe outro pote e mandou-a de volta ao
rio. Quando a negra mergulhou o pote na água e viu novamente o rosto da
moça, refletido no rio, ficou outra vez convencida da própria beleza.
Atirou o pote para longe e voltou para casa, inchada de orgulho. A moça,
ao ver a "pose" da Moura Torta, quase soltou uma risada, mas conseguiu
reprimir o riso e ficou à espera do noivo, que já estava tardando.A
patroa, quando viu a negra sem o pote, ficou furiosa. E ameaçou cortá-la
de chicote, se ela voltasse para casa sem água. A Moura Torta, muito
sucumbida, tomou de novo o caminho do rio, levando, desta vez, um
caldeirão de ferro. Quando se abaixou para tirar água e viu, mais uma
vez, a imagem da moça, ficou desesperada. Agarrou o caldeirão de ferro,
que a patroa lhe havia dado, e começou a bater com ele nas pedras.
A
princesa ao ver a cena, não se pôde conter e soltou uma boa gargalhada.
A Moura Torta, espantada, olhou para cima e viu a moça na árvore.
Compreendeu logo o que havia acontecido e disse:
—
Ah! é você, minha pombinha? Que está fazendo aí nessa árvore? A moça
contou que estava esperando o príncipe, seu noivo. Diante disso, a negra
subiu até onde estava a princesa e começou a conversar com a mesma.
Elogiou os lindos cabelos da moça e pediu licença para penteá-los. A
princesa, sem nada desconfiar, atendeu ao seu pedido. Quando a Moura
Torta, que era feiticeira, pôs a mão na cabeleira dourada da moça,
aproveitou um momento de distração desta e enterrou na sua cabeça um
alfinete mágico. Imediatamente a princesa se transformou numa pomba
branca, que saiu voando pelo espaço. A Moura Torta tomou então o lugar
da jovem e ficou à espera do príncipe. Quando este chegou, numa
carruagem lindíssima, trazendo ricos vestidos para a noiva, ficou
desapontado ao encontrar, em seu lugar, uma negra feia e caolha. A Moura
Torta lhe disse que tinha ficado assim devido ao sol que queimara a sua
pele e aos espinhos da árvore que haviam furado seu olho. O príncipe
ficou muito acabrunhado, mas, como havia dado sua palavra, levou a bruxa
para o palácio. O rei quase morreu de desgosto quando conheceu sua
futura nora, mas ficou calado para não aborrecer seu querido filho.
Começaram
então os preparativos para o casamento. O príncipe enviou convites para
todos os reis e príncipes dos países vizinhos. E a Moura Torta mandou
fazer os mais belos vestidos e as mais ricas jóias. Mas quando os
experimentava, ficava ainda mais feia e ridícula. Ninguém suportava a
presença da horrível bruxa.
O
jardineiro do rei estava colhendo flores para o casamento, quando viu
uma pombinha branca pousar numa roseira e dizer:Hortelão, hortelão da
real horta:Como vai o rei com a sua Moura Torta? O jardineiro contou o
caso ao rei e este ao príncipe. O rapaz ficou intrigado com o
acontecimento. Resolveu vestir a roupa do jardineiro e observar a
pombinha. No dia seguinte, à mesma hora, apareceu, de novo, a pombinha,
que pousou num galho de roseira e exclamou:
-Hortelão, Hortelão da real horta:
-Como vai o rei com a sua Moura Torta?
O príncipe respondeu:
-Come bem, dorme bem, Passa a vida regalada. Tão feliz e sossegado, Como no mundo ninguém! E acrescentou::
— Põe o teu pezinho aqui, minha pomba.
—
Não, que o meu pé não foi feito para laço de barbante. Dizendo isso, a
pombinha bateu asas e fugiu. O príncipe preparou então um laço de ouro.
Também falhou Preparou um laço de diamante. Desta vez, a pombinha
deixou-se prender. O príncipe levou-a para o palácio e tratou-a com
muito carinho. A Moura Torta, vendo a pomba, nela reconheceu a princesa
encantada. Disse ao príncipe que lhe desse a pombinha, pois desejava
comê-la. O rapaz ficou com muita pena, mas não teve remédio senão
atender ao pedido da noiva. Antes, porém, de entregar a linda ave,
resolveu fazer-lhe um último carinho e passou a mão pela sua cabeça.
Notou, com surpresa, que nela existia um pequeno caroço. Puxando-o,
tirou o alfinete mágico. No mesmo instante, a pomba transformou-se na
bela princesa que ele havia deixado na árvore. O príncipe ficou radiante
de alegria e ouviu da moça a sua triste história. Ficou então sabendo
da malvadeza da Moura Torta. A notícia espalhou-se pela cidade. O povo
ficou tão indignado que correu ao palácio, tirou de lá a bruxa e a levou
para a prisão onde pagaria pelo seu crime. O príncipe casou-se com a
linda princesa. E o velho rei pôde então morrer, tranqüilo e feliz,
abençoando o filho, que o sucedeu no trono.
Fonte : Contos Maravilhosos – Theobaldo Miranda Santos, Cia Ed. Nacional
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