O dia amanhecera nublado e frio. A floresta, por sua vez, mantinha-se silenciosa, aparentemente paralisada, como que entorpecida pela tristeza da coloração cinza com a natureza pintara aquela manhã de inverno. Foi quando um lobo surgiu como que vindo do nada, maldizendo a temperatura baixa e a fome que sentia. Nesse instante a fera avistou um cachorro que caminhava tranquilamente em direção ao lugar onde ela estava, e com seu olhar de predador traquejado pelos anos de vida difícil por que já passara, logo percebeu tratar-se de um cão ainda novo e inexperiente, mas gordo e de pelo luzido, sinal de que era bem tratado no lugar onde morava.
Temendo ser obrigado a envolver-se em um luta que não desejava, o lobo aproximou-se do cão com a prudência que o momento exigia, e tratou de elogiar com voz cortês a figura formosa do recém-chegado, seu porte altivo e o brilho da sua pelagem. E tantos foram os louvores a ele dirigidos que o elogiado se encheu de vaidade e convidou satisfeito:
- Se você está interessado em viver tranquilamente, recebendo comida farta e desfrutando do bom e do melhor, então deixe o campo e venha comigo.
- E o que devo fazer para obter essas vantagens? - perguntou o lobo.
- Eu lhe explico - disse o lobo. - O primeiro cuidado é guardar zelosamente a propriedade que o abrigará, para que nela nenhum ladrão possa entrar sem ser percebido. Além disso, rosnar para os estranhos que se aproximarem, fazer festa aos moradores da casa, não perseguir os gatos que também moram lá, e ser asseado, o mais asseado possível. Caso você proceda assim, garanto que sua vida futura será de muita fartura e completa tranquilidade.
E o lobo, admirado com o relato feito pelo cão, exclamou impaciente:
- Se é assim, o que ainda estamos esperando? Tratemos de ir logo para lá, porque saindo agora chegaremos a tempo do almoço.
Mas de súbito ele interrompeu a sua fala, por alguns instantes examinou o cão com mais atenção, e finalmente indagou curioso:
- Só agora estou reparando nessa marca em seu pescoço. O que é isso?
- Nada importante.
- Como, nada?
- É coisa à-toa.
- Pois agora eu quero saber do que se trata. E não arredo o pé daqui enquanto você não me contar.
- É o calo da coleira.
- Coleira? Não acredito! Isso quer dizer que você vive preso em sua casa?
- Vivo, sim! E o que isso tem de estranho? Se eu como bem, passo bem, e todos os moradores da casa são meus amigos, o que mais posso desejar?
E o lobo, horrorizado, disse o que pensava:
- Se na sua casa as coisas são desse jeito, então trate de voltar sozinho para ela, pois eu prefiro viver no meio do mato padecendo de fome, de frio e de cansaço, mas dono da minha vontade, do que viver confortavelmente e de barriga cheia onde você mora, porém preso a uma corrente.
E dizendo isso o lobo desapareceu entre as árvores da floresta. Mas deixou plantada na cabeça do cão a dúvida sobre se ele era realmente tão feliz como até então tinha pensado.
Moral da história: A liberdade é um bem tão valioso que ninguém deve abrir mão dela, seja qual for o motivo.
Baseado em uma fábula de La Fontaine
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