O dia em que meu primo quebrou a cabeça do meu pai







Vocês precisavam conhecer meu primo, puxa vida!
Que chato que ele é!
Ele é tão certinho, mas tão certinho, que eu tenho sempre vontade de chutar a canela dele...
E nem isso eu posso, que ele é maior do que eu e é faixa marrom de caratê.
E joga futebol...
Ele é goleiro, e tem luva de goleiro e camisa de goleiro e uma joelheira de verdade que o Juju falou que é cotoveleira de gente grande e que criança usa de joelheira.

E na escola? Primeiro da classe perde. Ele sabe tudo! Só tira 10. Nunca vai pra fora de classe, nunca tem anotação na caderneta.
E quando ele vai na minha casa, puxa vida!
Meu pai fica dizendo “Olha a caderneta do Armandinho. Só tem 10...”
E a minha mãe fala “Olha como o Armandinho se comporta direitinho e cumprimenta todo mundo, não é como você que entra que nem furacão, sem falar com ninguém...”
E as canetas do Armandinho não estouram e não sujam a mão dele toda de tinta, os cadernos dele não enrolam nos cantos que nem os meus e os lápis de cor dele gastam todos iguaizinhos, não ficam que nem os meus que logo acaba o vermelho e o azul.
É por isso que eu não posso nem ouvir falar de Armandinho... e é por isso que quando aconteceu o que eu vou contar eu fiquei bem me divertindo...
Nesse dia o Armandinho já tinha enchido as minhas medidas. Vocês não vão acreditar, mas o Armandinho trouxe flores pra minha vó. Pode?
E ele veio com uma roupa que eu acho que a minha mãe e a dele compraram no mesmo dia e que era um horror e que eu disse pra minha mãe que eu não ia vestir nem que fosse amarrado.

E minha mãe e minha vó só faltaram babar quando viram o Armandinho com aquela roupa de palhaço.
E na hora do almoço tinha fígado e o engraçadinho gostava de fígado!
E ele tinha ganho um prêmio na escola e tocou piano pra minha mãe ver e tinha entrado na aula de natação.
Quando ele começou a contar que ia à Disneylândia nas férias e que ele tinha ganho um aparelho de vídeo cassete eu até levantei da mesa e disse que ia vomitar.
E fui pro meu quarto e me tranquei lá em cima e fingi que não ouvia quando minha mãe me chamou.
Mas depois de um tempo eu comecei a ouvir um berreiro, minha mãe falava sem parar e fui descendo a escada devagar e eu ouvi minha avó dizer pra minha mãe:
- Foi o Armandinho... ele quebrou a cabeça do Pacheco...
Eu podia perceber que a minha vó estava muito sem jeito. Pudera! Pacheco era meu pai. Se o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai...
Eu não sabia ao que fazer e eu só ouvia o Amandinho
chorando feito um bezerro desmamado.
Aí eu fiquei preocupado, que eu nem sabia que o meu pai estava em casa e eu não ouvia a voz dele...
“Será que meu pai morreu?” eu pensei, e fiquei aflitíssimo com essa ideia.
E aí eu cheguei na sala e estava aquela zona!
O Armandinho chorando, no colo da minha vó.
Minha mãe abaixada junto ao piano catando uma coisa que eu não sabia o que era.
E eu já entrei gritando:
- Cadê meu pai? Meu pai morreu?
Minha mãe ficou muito assustada e correu pra mim:
- Seu pai morreu? Que é que você está dizendo?
E eu então percebi o que tinha acontecido e comecei a rir que não parava mais.
Cheguei a sentar no chão de tanto rir.
É que o Armandinho tinha quebrado a cabeça do meu pai, sim. Mas não era a cabeça dele mesmo. Era a cabeça de gesso que tinha em cima do piano e que era de um tal de Beethoven...

Ruth Rocha

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