Fadas que não estão nos contos




  Katia Canton

  Chovia. Por isso, Joaninha resolveu sair de casa vestida com sua nova capa vermelha.
  Lá ia ela para a escola, carregando uma lancheira térmica, recheada com gostosuras escolhidas diretamente do supermercado Pague Dois Leve Três. [...]
  Toda faceira, Joaninha caminhou em direção ao ônibus escolar. Eis que enquanto andava, sorridente, distraída... "Uuummm. Essa tal de capuz vermelho, eu acho que a conheço bem."
  Você adivinhou. Ele achou a menina com a cara (e a capa) de Chapeuzinho Vermelho. Aquela neta da vovozinha, lembra-se?
  O lobo então perguntou para onde a menina ia, já aguardando aquela famosa frase: "Levar esses doces para a vovozinha...
  Joaninha, no entanto, brincalhona, respondeu ao lobo que estava indo ao baile. "Ora bolas! E com licença, deixe-me ir andando, seu lobo, pois logo, logo, meu vestido vira trapo e minha carruagem vira abóbora", gozou ela, achando aquela pergunta do lobo um tanto boba.
  Bobo mesmo, como todo bom lobo, ele aí pensou: "Ah, pois eu estava enganado. Esta menina não é Chapeuzinho Vermelho coisa nenhuma. Pelo jeito, por essa história de baile, ela deve ser então... Cinderela!"
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  Crente que tinha descoberto a América, o lobo dessa vez decidiu disfarçar-se de príncipe e seguir a menina até o tal baile que ela tinha mencionado.
  E lá foi ele, correndo em um fôlego só, seguindo em passo de lebre o ônibus escolar da menina. O lobo, esbaforido, conseguiu chegar até o portão da escola. Que baile, que nada...
  Entrar, ele não conseguiu. Eis que o lobo foi barrado no baile -- digo, no portão da escola. Plaft! A porta fechou-se na cara dele. [...]
  Paciente, o lobo não se fez de rogado. Esperou a menina de plantão [...] E quando a aula acabou e Joaninha chegou de volta à porta, de capa vermelha e tudo mais -- que ALEGRIA!!!
  Mas eis que o lobo estranhou a lancheira transparente, onde sempre restavam sobras, totalmente vazia: "Para quem será que ela foi oferecer seu lanchinho?", ele se perguntou, triste e confuso.
  Seria essa uma pontada de ciúme pulsando no coração do pobre lobo?
  Pelo sim, pelo não, o lobo passou a esperar Joaninha, todos os dias, na porta da escola. [...]
  Mas um dia, triste dia, Joaninha não veio...
  Onde estaria Joaninha?
  O lobo ficou preocupadíssimo com a ausência da menina.
  Não teve dúvidas: foi pedir ajuda aos  anõezinhos, diretamente consultados de dentro da história da Branca de Neve. [...]
  O lobo explicou sua aflição, mas Preguiçoso estava mesmo com muita preguiça.
  "Sinto muito, seu lobo... Mas eu sou contratado apenas para trabalhar no conto da Branca de Neve. E olhe lá, que isso já me dá muita p-r-e-g-u-i-ç-a. Além do mais, estou fora do horário do  expediente. O senhor me desculp..."
  Chateado da vida, o lobo de fato ficou. Mas desanimar, jamais!
  Como bom herói de conto de fadas que ele já se tornara no decorrer desta história, o lobo resolveu então ir atrás da menina durante sete dias e sete noites, atravessando mares, areias, montanhas e edifícios de concreto e vidro.
  Até que um dia -- que SATISFAÇÃO! -- ele a avistou da janela de sua casa.
  Lá estava a pobre Joaninha, dentro de casa, deitada em sua cama, cochilando. Ela estava até bem pálida, a coitadinha, quase da mesma cor de seu pijaminha branco de flanela. De fato, por causa da chuva que tomara nos dias anteriores, Joaninha havia pego uma bela gripe e por isso tinha faltado à escola durante uma semana inteira.
  Tuc! Tuc! Tuc! O coração do lobo palpitava de emoção.
  Enfim, ele descobriu o segredo da menina. Ela não era Chapeuzinho Vermelho, tampouco Cinderela. Eis que, na sua imaginação, ele encontrara finalmente sua Bela Adormecida!
  Pensando nisso, o lobo rapidamente lembrou-se do tal beijo ressuscitador de princesas. Mas antes sequer de ele poder se debruçar sobre o leito de Joaninha, a menina acordou. [...]

 (Em: *Fadas que não estão nos contos -- Uma confusão de contos clássicos*. São Paulo, Edipar.)

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