São oito horas da
manhã. O sol queima e o ar seco enche-se do cheiro das ervas aromáticas. A
estrada poeirenta que conduz à vila estende-se ao longe, direita como uma reta.
Sara conhece bem esta
estrada, porque a percorre todos os dias para ir à escola. A caminhada longa
não a perturba, porque é uma menina sonhadora e tem perninhas fortes. A escola
é que a cansa.
Quando, na sala de
aula, o Professor Adónis diz: “Peguem nos livros de leitura, meninos!”, Sara
sente-se mal. As suas mãos tremem e a voz não sai. Sara detesta ler em voz
alta. As palavras são muitas e correm à desfilada, umas atrás das outras, linha
após linha, página após página. Até chegam a enrolar-se-lhe na língua. A menina
hesita constantemente e tropeça em todas elas. Quando é a sua vez de ler, toda
a turma se ri.
— Não tenhas pressa,
Sara! — diz o professor, com gentileza.
— Não tenhas pressa,
Sara! — troçam Carla e Carmen, no fim das aulas.
— Não tenhas pressa! —
entoam os mais pequenos em coro.
Apenas Emílio se
mantém afastado e nada diz. Sabe que Carla e Carmen têm ciúmes porque Sara é
bonita como uma princesa.
Em casa, chamam-lhe “cordeirinho”, porque é a mais nova, e nasceu muito depois dos irmãos. Os pais criam ovelhas e a família trabalha arduamente na quinta todos os dias, à exceção do domingo.
Em casa, chamam-lhe “cordeirinho”, porque é a mais nova, e nasceu muito depois dos irmãos. Os pais criam ovelhas e a família trabalha arduamente na quinta todos os dias, à exceção do domingo.
Ao domingo, depois do
almoço, o pai faz a sesta e a mãe senta-se à sombra para tricotar. Depois de
algumas malhas, também ela sucumbe ao calor. Então, Sara corre pelo mato e vai
até às colinas, onde mora Helena.
Sentada no seu velho
automóvel com os pneus desmontados, Helena espera Sara. Esta senta-se no lugar
do condutor e leva a velhinha a passear. Um passeio a fingir, que as conduz bem
longe…
Enquanto a menina
conduz, Helena conta-lhe histórias dos seus tempos de juventude, da época em
que o seu carro era novo e reluzente. Sara conta-lhe o quanto detesta ler em
voz alta, a forma como as palavras se engasgam na sua garganta como se fossem
pão seco, e a troça que a turma faz dela.
— É verdade que as
pessoas são maldosas, por vezes — diz Helena — mas não desanimes. É tão bom
saber ler e poder saborear histórias bonitas.
Certo domingo, cansada
de conduzir, Sara sentou-se no banco de trás do carro. Enquanto acariciava o
couro estragado, enfiou a mão entre as costas e o assento. Qual não foi o seu
espanto quando encontrou um livro velho e poeirento, cuja capa se decompôs ao
tentar abri-lo.
— Meu Deus, Sara! —
exclamou Helena. — Olha o que está escrito: Para
a Ana, com o amor da Mãe e do Pai. Este livro pertencia à minha
filha; o pai e eu oferecemo-lo pelo seu aniversário.
— Leia-o, por favor! —
suplicou Sara, já sentada no lugar da frente.
A velha senhora abanou
a cabeça:
— Não, Sara.
A menina ficou
desconcertada, mas logo a cara séria de Helena se abriu num sorriso.
— Era uma vez uma mulher casada com um homem
muito rico…
Era a história de uma
bela menina e das suas duas meias-irmãs malvadas.
Era tão divertido ler
com Helena! Sara conseguiu mesmo ler algumas das passagens sozinha. Sempre que
uma palavra se revelava mais difícil, a velha senhora lia-a com ela. Em breve,
chegaram ao fim do livro: Então,
Cinderela casou com o príncipe e viveram felizes para sempre.
Quando o sol se pôs,
Helena fechou o livro. Sara estava tão feliz que não conseguia articular
palavra.
— Este livro é teu a
partir de agora — disse-lhe a velha senhora, acariciando-lhe a mão. — Traga-o
contigo no próximo domingo, para o voltarmos a ler.
No dia seguinte, Sara
estava impaciente por chegar à escola, porque queria mostrar o seu novo livro
ao Professor Adónis.
— Ah! É a Cinderela! — exclamou.
— Leia-nos o livro,
Professor! — pediram os alunos todos.
Ao ouvir o professor
ler o livro, Sara recordou a história toda, como se as palavras desfilassem
diante dos seus olhos. Quando o Professor Adónis pediu aos alunos que abrissem
os livros de leitura, Sara abriu o seu, cheia de vontade. Mas, quando chegou a
sua vez de ler em voz alta, as palavras misturaram-se na língua e a menina
começou de novo a gaguejar.
— Não tenhas pressa,
Sara — disse o professor.
Emílio olhou para Sara
e viu que os olhos da colega se enchiam de lágrimas, à medida que se debatia
com as palavras. Carla e Carmen riam-se nas suas costas.
Quando Sara se
encontrou com Helena no domingo seguinte, contou-lhe tudo o que acontecera.
— O Emílio é o único
que não se ri de mim — explicou.
— Esse Emílio parece
um príncipe — disse a velha senhora. — E, já agora, quem achas tu que podes
ser?
Helena foi a casa
buscar um vestido de noite e disse, fazendo uma vénia:
— Este vestido parece
ter sido feito para si, Princesa.
Todos os domingos Sara
lia para Helena. Quanto mais lia, menos assustada se sentia ante a perspectiva
de ler em voz alta na aula. E, quanto menos medo tinha, melhor lia. Algum tempo
depois, a Diretora da Escola, Dona Dalila, entrou na sala do Professor Adónis
para ouvir os alunos ler. Um a um, todos leram em voz alta. Chegou a vez de
Sara. Esta abriu o livro e sentiu-se logo mal. O professor Adónis esperou,
paciente. Os alunos ficaram irrequietos.
Então, Sara pensou em
todas as palavras que tinha lido com Helena. Viu as letras amigas que dão as
mãos para formar palavras que dançam e cantam em conjunto. Sentiu a mão de
Helena no seu ombro e ganhou coragem. Quando começou a ler, as palavras fluíam
como as águas de um rio no início da Primavera.
— Lês maravilhosamente
— elogiou a Diretora.
Pelo canto do olho,
Sara viu Emílio a sorrir. Depois das aulas, regressaram juntos a casa.
— Gostarias de dar uma
volta no meu carro? — convidou Sara.
Emílio riu:
— Onde está o teu
carro?
— Anda, que eu
mostro-te — disse Sara, pegando-lhe na mão.
Quando Helena os viu
chegar, acenou-lhes e disse:
— Venham depressa!
Sara sentou-se ao
volante e Helena sentou-se no banco de trás para que Emílio ficasse ao lado da
menina.
— Tu é que és o
Emílio?
— Sou, sim — respondeu
o garoto timidamente. — Sou o amigo da Sara.
— Achas que ela lê
bem? — perguntou Helena.
— Lê maravilhosamente.
— Aposto que não
sabias que ela conduzia tão bem.
— Confesso que não —
riu o rapaz.
— Onde vamos hoje? —
perguntou Helena.
— Vamos a um sítio
muito longe daqui — respondeu Sara.
Diante delas, a
paisagem imensa da savana perdia-se de vista. Os cumes das montanhas cintilavam
à luz do sol poente, quais castelos saídos de uma lenda.
No ar tranquilo da
tardinha, Sara pôs-se ao volante e contou uma história nova:
Era
uma vez…
Niki Dally
À toi de lire, Sarie !
Paris, Gautier-Languereau, 2003
(Tradução e adaptação)
À toi de lire, Sarie !
Paris, Gautier-Languereau, 2003
(Tradução e adaptação)
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