Me dá um tempo do seu tempo?






Sempre que os pais da Soninha chegavam em casa, do trabalho, era eles abrirem a porta, que ela vinha correndo, pulava no colo deles e pedia:
— Paiê, brinca comigo, brinca? Mãe, lê uma história para mim?
— Soninha, minha filha, o papai está cansado. Acabei de chegar do trabalho, dá sossego, querida! Depois o papai brinca, depois, tá?
— Filhinha, agora não. A mamãe está exausta, e ainda tenho que arrumar a cozinha. Depois, filha, depois.
Mas o problema é que o depois nunca chegava. Ela esperava, esperava, esperava e nada! Soninha fica triste.
Afinal, ela não estava pedindo muito, era só um tempo, um tempinho que fosse para os pais ficarem com ela.
Mas, é claro que a menina não desistia. No dia seguinte, bastou os pais abrirem a porta, que Soninha correu e dependurou no pescoço deles:
— Paiê, hoje você brinca comigo? Ô Paiê, por favor, brinca, vai?
— Mãezinha, linda do meu coração, hoje você conta histórias, por favor?
— Soninha, quantas vezes o papai e a mamãe vão ter que te falar que chegamos cansados do trabalho, dá um tempo! Vamos assistir ao jornal,  depois brincamos.
O casal foi para a sala de televisão, ligou a tevê e Soninha sentou-se ao lado deles:
— Pai, o jornal já acabou?
— Não, filha, o jornal acabou de começar.
— E agora, mãe, falta muito para o jornal acabar?
— Falta, filha, e silêncio, eu não estou escutando nada.
Paiê, quando o jornal acabar você me avisa?
— Não, filha, assim não dá! Você não está deixando o papai nem a mamãe assistirem ao jornal. Vai para o quarto dormir, não é hora de criança ficar acordada.
Ai, ai… era sempre assim! Os pais nunca tinham tempo para a filha, com tanta coisa para fazer: varrer, lavar, passar, ler jornal, ver revista, arrumar a cama, tomar banho, sair com amigos… a filha, bem que podia esperar um pouquinho.
Mas em uma noite, quando os pais chegaram do trabalho, viram Soninha estranha, deitada no sofá, tão quietinha. Os pais acharam aquilo muito esquisito; afinal, a filha chegava sempre pulando, sorrindo, gritando. Alguma coisa estava errada.
A mãe, ao lhe dar um beijo, notou Soninha um tanto quente. Achou melhor medir a temperatura. E acertou em cheio, a menina estava com febre. O pai preocupado saiu para comprar um remédio enquanto a mãe fazia uma sopa para a filha. Passaram a noite inteira ao lado de Soninha. Estavam realmente preocupados com ela. No dia seguinte, a mãe não foi trabalhar, ficou todo o tempo enchendo de cuidados a menina.
Soninha estava adorando aquela situação. Afinal, os pais arrumaram tempo para ficar com ela, e isso era o que mais queria. À noite, quando o pai chegou, encheu a menina de beijos, sentou do lado de sua cama e ficaram conversando um bom tempo.
Os dias passaram e Soninha estava cada vez melhor, quando então começou a ficar com medo. Pensou que, se ela melhorasse, seus pais não iriam ter tempo para ela, tudo voltaria a ser como antes.
Daí teve uma ideia: resolveu inventar todos os dias uma doença diferente; só assim os pais arrumariam tempo para ficar com ela.
Assim foi feito. Era só os pais chegarem do trabalho, que uma dor começava:
— Ai, ai, ai, papai. Minha cabeça tá doendo muito! Não estou nem aguentando!
O pai, preocupado, sentou-se ao lado da filha e começou a massagear sua cabecinha:
— Não se preocupe, meu amor, logo, logo, sua cabeça vai melhorar. Vou ficar aqui pertinho, até que você se sinta bem, combinado?
Que engraçado, não é que a cabeça começou a melhorar rapidinho? Carinho de pai, realmente, é um remédio infalível, pensou Soninha.
Na noite seguinte, quando os pais chegaram do trabalho, perceberam a menina trancada no banheiro. Quando a mãe lhe perguntou o que estava acontecendo, Soninha lhe explicou que a barriga doía muito.
A mãe ficou do lado dela, fez massagem na barriga, e não é que a dor sumiu? Também não existe melhor receita para a dor do que cuidados de mãe!
Desde então, toda noite, quando o casal chegava em casa, Soninha sentia alguma dor: era dor de barriga, dor no dente, dor de cabeça, dor no pé, dor de ouvido, dor, dor, dor, dor… Quanta dor Soninha arranjou.
Então os pais, preocupados com a menina, disseram que iam levá-la ao médico. Só de pensar nesta palavra, Soninha gelou. O que ela ia falar para ele? Ela não tinha doença nenhuma.
Por isso, achou melhor abrir o jogo e contar toda a verdade:
— Mãe, pai, eu queria contar para vocês uma coisa. Sabe o que é… Aquelas dores que eu sentia, na verdade eu não sentia dor nenhuma, era tudo invenção da minha cabeça.
Os pais arregalaram os olhos sem entender, e a menina continuou:
— A primeira vez que eu fiquei com febre era de verdade mesmo, e vivi os melhores dias ao lado de vocês. Vocês tinham tempo para ficar do meu lado, tempo para conversar comigo, para fazer comida que eu gostava, tempo para brincar, vocês até arrumavam tempo para contar histórias. Então, achei que, se eu melhorasse, vocês não iam arrumar mais tempo para ficar comigo, tudo voltaria a ser como antes. Por isso, inventei tudo aquilo.
Com o coração apertado, só agora eles perceberam que realmente arrumavam tempo para tanta coisa e tinham se esquecido de ter tempo para a pessoa mais importante do mundo: a Soninha.
Desse dia em diante, quando os pais de Soninha chegavam em casa, por mais cansados que estivessem, sempre arrumavam tempo para beijar, abraçar, brincar, pular, contar uma história para a filha.
Perceberam que a vida passa tão rápido! Em pouco tempo Soninha iria crescer, amadurecer, mas os bons momentos, os bons tempos, sem dúvida, permaneceriam para sempre!

Rúbia Mesquita
1,2,3 Contos de uma vez
Belo Horizonte, MG; Umi Duni Editora, 2009

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