O baile das portas - Marô Barbieri






Porta é tudo  igual. Porta abre e fecha. Parece que é só isso. Mas não. Tem porta de todo tipo.
Naquela cidade não era diferente. Tinha a porta da igreja sempre reservada, tímida até. Bem diferente da porta do salão de beleza que era moderna, extravagante, colorida. E a porta da escola, então? Séria , responsável, muito fechada, abre só na  hora da entrada, do recreio e da saída. Grandona e alegre, a porta do supermercado faz  tempo que está de regime mas carrega no bolso umas balinhas. Ela explica: - Nem  é bem pra fome, é pra vontade....
Já a do correio, de uniforme e sempre  com  pressa, não gosta  de deixar pra amanhã o que pode fazer hoje.
A porta da venda do Godofredo se incomoda com os cupins e anuncia  que as bananas estão em oferta, bem maduras, dez por R$1,00.
A porta  do bar da praça , meio brega, toma  caninha  no fim  da tarde, entorna um tantinho  pro santo  e adora pastel.
Mas tem  porta chique  na cidade. É a porta da Escola de Dança   que sabe  falar  francês  e aprendeu balé!
Sorte a dela porque  a porta  da casa  do sapateiro não teve chance, sempre  dando duro, com pouco dinheiro  e muito trabalho.
Muito trabalho  também tinha a porta da  academia  de ginástica, puxando  peso,  fazendo exercício  pra ficar bonita e pra ter  um saúde de ferro.
Fora essas características pessoais, como  toda porta que se preze,  elas abriam  e fechavam, deixando  passar   os habitantes  da cidade. Que , aliás,  nem se importavam com elas. Só passavam  , entrando , saindo. Isso  as incomodava bastante.
- A gente passa a vida juntos e eles nem ligam!
As vezes, o vento  era parceiro. Embalava  as portas pra lá e pra cá.
Elas gostavam. Só não gostavam  quando era  vendaval  porque  aí elas batiam  com força. E tinha  hora que até  doía.
A porta  da casa da Dona Cecília, bem velhinha, já tinha  levado uma quantas  batidas e se queixava de dor nas costas.
Um belo dia , a porta salão olhou  para a porta da academia  e comentou:
- A gente  bem que podia  sair um pouco  desta mesmice  de abrir  e fechar, fechar e abrir.
- Tem  razão. Todo o dia esta ginástica de abrir, fechar, fechar, abrir. Puxa vida! Dá um tempo.
A porta do bar, querendo  agradar as amigas, resolveu  ver puxa-saco:
- Mas querida, com tanto movimento na academia, você deve viver  muitas emoções. Eu queria ser você. Aqui no bar, o pessoal é bem  sem graça...
Parece  que as  primeiras idéias vieram  destas três pioneiras mas foi a porta do sindicato quem realmente  começou  o movimento.
- Companheiras !  Faz muito tempo  que prestamos  serviços aos moradores desta cidade! As  mais antigas  de nós abrem e fecham há cinquenta anos! E que ganhamos hoje? Indiferença. A mais triste indiferença! Isto  não pode  continuar. Porta também  tem sentimentos. Porta também  precisa  de lazer. Porta também é cidadã!
No início, a porta  do sindicato parecia  estar falando sozinha. Mas,  com o passar do tempo, seu discurso passou a  interessar.
- Essa porta  sindical  até que tem razão. Estou  me  sentindo   enferrujada. – disse  a porta  da delegacia, que  era  de ferro.
O clamor foi aumentando ,mas  e mais portas falavam, dando  força. Descontentamentos, algumas mágoas.
- Faz anos que eu  não  ganho uma pintura,  uma só pinturinha.  O corredor e as salas cheiram a tinta nova. Mas eu estou  descascada e feia e,  quando bate a chuva, nossa!  Fico ensopada. É um  resfriado  atrás do outro! – disse a porta  do hospital. Disse e espirrou .  Espirrou  tao forte  que ficou  ainda   mais descolorida. – Ai, ai!
- E eu,  que nem  pude  opinar sobre a cor que me pintaram? – a porta  da creche suspirou. – Estou assim , neste vermelho-tomate horroroso faz anos!
A revolta foi crescendo. E, então , num belo dia, elas disseram:
- Basta! Chega!
Numa reunião histórica , as portas  resolveram :
- Queremos  ser valorizadas!
Em seguida decidiram:
- Temos  direito ao  lazer. Estamos  estressadas. Pra gente se distrair , faremos um baile!
- Isso ai!  É uma  idéia  original!  Eles vão  ter que  prestar  atenção  na gente!  E, ainda por cima , nos divertimos  muito!
Os habitantes  da cidade se espantaram.
- Um baile ? UM BAILE?  O que   as portas vão fazer  num baile?
- Ora, o que  vamos fazer ? Nos arrumar  , dançar, curtir. Não é isso que se faz num baile?
- Sim, mas...
O prefeito não teve  o que dizer, confuso, diante da comissão das portas que tinham ido à prefeitura para  informá-lo  do baile.
- Nem  mas nem meio mas – a porta  do sindicato foi cortante. E definitiva.
- Não tem  volta. Está  decidido. Será  em abril.
O professor  Toninho, simpático às idéias  democráticas, apoiou a decisão.
-Não tem  problema, sou  a favor, vou ajudar.
Dona Zuzu, dona  da escola  de dança, olhou com carinho para sua porta , pensando:
-Ela vai fazer bonito, a nossa porta. Ela sabe dançar tão bem!
Tiago Marceneiro, entusiasmado  por madeira, declarou:
-Serei parceiro!  Madeira é comigo. Querem  passar verniz?
O padre Marcelo declarou:
- Estou pensando sobre o assunto. Portas  são criaturas de Deus. De qualquer modo, a igreja tem de estar  sempre aberta. Vamos ver . Vou meditar.
Mas nem todos estavam  de  acordo.
- Isso  é uma grande  besteira! – declarou o delegado. –O  que faremos  na cadeia se  a nossa porta  resolve sair para dançar?
- É só trocar de lugar – respondeu a porta sindical. – Enquanto  dançamos, vocês  tomam conta das entradas.
- E das saídas. – completou  a porta da Academia.
-Mas, então , ficaremos  com as casas abertas?
- Sim. Isso mesmo. Sempre  que tiver baile.
O diretor  do Clube  Municipal, porém , recusou-se a emprestar o salão. Então as portas  resolveram  que seria  um baile  ao ar livre, no parque.
Cheios de curiosidade, os moradores acompanharam  os preparativos.
Primeiro foi a limpeza do espaço da festa, na maior  praça  da cidade.
Depois a colocação  do palco onde a banda iria tocar. E finalmente uns  balões  coloridos para alegrar  o  ambiente.
Alguns moradores chegaram  perto da  praça para olhar  e acabaram  ajudando, varrendo, atando os fios entre as árvores  para  pendurar os balões.
Outros  só sabiam  reclamar.
- Uma loucura!
- É um desaforo!
Abril chegou. No dia combinado, as portas desprenderam –se das dobradiças  e foram  enfeitar-se para o baile.
As casas  ficaram  assim, o espaço  vazio   das portas preenchido  pela visão  das salas e das pessoas lá dentro, muita coisa nova aparecendo aos olhos  dos vizinhos e dos  que passavam pela rua.
- Olha só, a Dona Cotinha pintou a sala de amarelo! Ficou  linda. Ei, Dona Cotinha, parabéns!
Dona  Cotinha sorri e fica feliz.
João vê  O Seu Felício lendo  e  grita lá do seu pátio:
-Boa tarde, Felício! Quer tomar um  cafezinho?
Seu Felício levanta a cabeça , vê o vizinho pela abertura da porta e se alegra. Fazia  um tempão  que não se encontravam.
- Estou indo! Um momentinho!
Susana  e Marisa , vendo  a Sueli na frente da  TV, propõem:
- Oi, Su! Quer bater um papo com a gente?
- Legal! – a Sueli  desliga a TV  e sai  pra rua para encontrar as amigas.
Assim  é que  a cidade,antes apagada e fria, vai se  aquecendo  ao  calor de alguns  reencontros de alegrias, de amizades refeitas.
À noite, o baile foi o maior  sucesso, as portas dançaram  até de madrugada.
Exaustas   e felizes,  cada uma voltou direitinho  para sua casa  e, na manhã seguinte, o sol  encontrou  na cidade um sorriso em cada casa.
Nas portas e nas pessoas.
Agora  as portas continuam  abrindo e fechando.
E ninguém   reclama  quando  elas  começam  a se enfeitar.

Viu só?





 Sugestão do avental no   blog: http://bonequeiras2.blogspot.com.br/ .


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