Havia em certo lugar uma velha muito beata e curiosa, que, às horas caladas da noite, se deixava ficar postada à janela da sala, vendo e ouvindo o que se passava na rua. Era um hábito que conservava de longa data.
Certa vez, viu um
cortejo fúnebre, que outro não era senão a procissão das almas penadas do
Purgatório conduzindo um caixão de defunto, ao clarão de velas acesas.
Aguçou-se-lhe mais a curiosidade e não se contentou de olhar apenas, através do
vidro da janela ou das venezianas, a lúgubre jornada das almas-do-outro-mundo,
vestidas nas suas mortalhas. Quis vê-las mais de perto.
Abriu de par em par a
janela. Aconteceu-lhe, entretanto, um fato estranho. Viu, estarrecida,
deslocar-se do cortejo e encaminhar-se rapidamente para ela uma das almas,
cujos segredos tentava desvendar na sua bisbilhotice. E antes que pudesse
fechar a janela, o vulto entregou-lhe um círio aceso dizendo-lhe na sua voz
fanhosa, como só devem possuir as almas-do-outro-mundo:
- Amanhã, virei buscá-lo,
às mesmas horas. Guarde-o bem guardado.
Mal pôde recobrar o ânimo, qual não foi o seu espanto quando notou que sustentava nas mãos ainda trêmulas e gélidas, uma canela de defunto. Entre horrorizada e arrependida, correu a colocá-lo no santuário, rezando o credo.
Mal pôde recobrar o ânimo, qual não foi o seu espanto quando notou que sustentava nas mãos ainda trêmulas e gélidas, uma canela de defunto. Entre horrorizada e arrependida, correu a colocá-lo no santuário, rezando o credo.
Na
noite seguinte, morta de medo, devolveu-lhe com duas velas bentas, ao que
lhe retrucou, na sua voz de falsete, ao recebê-la, a alma-penada:
- Foi o que
te valeu. Que te sirva esta de lição.
(DUARTE, Abelardo. Em Boletim alagoano de folclore)
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