Coisa de esquimó







Como morreu a pobre da Mercinha? Bom, foi uma tragédia mesmo que começou quando Adelaide ouviu a campainha, enxugou as mãos no avental e foi abrir a porta.
Era a Mercinha. Coitada da Mercinha! Vizinha querida, um toco de gente, recém enviuvara.
Também, o Gervásio, do jeito que bebia... E deixou a mulher, ainda nova, sozinha... Sozinha, coitada!
E Adelaide pensou na pobre amiga, numa noite chuvosa e fria como aquela, sem um homem para aquecer-lhe os lençóis. Um homem como o dela, o da Adelaide, um homem como o Anescar, de peito peludo e mãos acariciantes... Aquele maridão, o Anescar, que agora bebericava seu aperitivo na sala e assistia o jornal da tevê, à espera do jantarzinho com que a esposa agradeceria antecipadamente pelo carinho de logo mais...
E lá estava ela, a pobre da Mercinha, um fiapo de pessoa, com aquela cara de recém viúva, de mulher triste sem homem em casa, encolhida em seu casaquinho. Coitada da Mercinha! Não é toda mulher que tem a sorte de ter um Anescar como o da Adelaide na vida, não é?
– Oh, Mercinha... Entre, querida. Estou acabando de preparar a janta do Anescar, mas entre, que vou coar um cafezinho...
– Precisa, não, Adelaide. Só passei aqui pra te pedir uma coisa.
– Diga, querida. Você sabe que sempre pode contar comigo. Ainda mais agora, né?
– É que... bom, eu não queria incomodar...
– Incômodo nenhum, querida. Afinal, para que servem as amigas?
A vizinha sorriu de leve, e pediu:
– Você pode me emprestar o Anescar?
– Como?!
– O seu marido, o Anescar. É que já está escuro e...
– O quê?! Você não tem vergonha na cara?
– Mas...
– Mas o que “mas”, que meio “mas”! Você pensa que a gente é esquimó?
– Esquimó? O que tem a ver esquimó com...
– Não tem mesmo! Esquimó é que empresta a mulher para as visitas. Gente doida que oferece a mulher pra esquentar os visitantes lá no cantinho do iglu! Só que eu nunca ouvi falar de mulher esquimó emprestando o marido para as vizinhas do iglu do lado! E sabe do que mais? Isso aqui não é nenhum iglu de esquimó! Que pouca vergonha!
E bateu a porta na cara da Mercinha, que teve de voltar para casa, colocar uma cadeira em cima da mesa e tentar trocar sozinha a lâmpada da sala. Mas, daí, a cadeira escorregou, né? Culpa dessa coisa de esquimó.


www.bibliotecapedrobandeira.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário