Mamãe Trouxe um Lobo para Casa!






Rosa Amanda Strausz

Acredite quem quiser. Mas foi isso mesmo o que aconteceu. Mamãe trouxe um lobo para casa.
O lobo chegou num belo dia de sol. Eu tinha acabado de chegar da escola. Como faço todo dia, joguei a mochila no sofá e chamei:
– Mamãe!
Mas em vez de escutar a voz tranquila de minha mãe, ouvi um grunhido baixinho. Assim:
– Humpff, humpfff.
Gritei de novo, e desta vez bem alto:
– Manhêêê!!!!!!
Só aí ela apareceu.
– Mãe, tem um monstro aqui em casa. Ele fez humpff para mim.
– Que bobagem, filho. Monstros não existem.
– Mas este existe e fez humpf para mim – repeti, com os olhos arregalados.
Neste momento, vi o lobo. Estava deitado debaixo da mesa da cozinha, comendo um bife e lambendo os beiços.
– Olhe ali – berrei para mamãe, apontando para o lobo.
De um salto, escalei a cadeira e subi em cima da pia. Mas minha mãe nem ligou:
– Ah, este é o Levi. Ele não é um monstro, é só um lobo – ela explicou, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E, para completar meu espanto, disse: – Ele chegou hoje de tarde e vai ficar aqui com a gente.
Minha mãe devia ter ficado doida. Que ideia, trazer um lobo para casa!
– Lobos são muito perigosos, eles são maus – eu disse para ela.
– O Levi é muito legal – ela disse, enquanto começava a fazer meu jantar.
– Eles comem porquinhos – eu falei, lembrando da história dos três porquinhos e do lobo mau.
– Nós não somos porquinhos – ela sorriu.
– Também comem meninas e vovozinhas – eu disse, lembrando da história do Chapeuzinho Vermelho.
– Nós não somos nem porquinhos, nem meninas, nem vovozinhas. E, além disso, o Levi só gosta de bife com batata frita – ela disse, tentando encerrar o assunto.
Mas eu não ia ceder tão facilmente. Engrossei a voz e falei bem alto:
– Eu não quero esse lobo aqui em casa de jeito nenhum!
Minha mãe olhou para mim muito séria, com ar de quem ia me dar a maior bronca do mundo. Pelo jeito dela, vi que não adiantava reclamar.
Dei uma espiada para baixo da mesa.
Levi era um lobo grande, peludo, com patas enormes, unhas compridas e dentes afiados.
De repente, ele se espreguiçou, levantou e foi andando devagarinho na direção da minha mãe. Comecei a gritar:
– Mãe, cuidado! Ele vai te comer!
Mas nada disso aconteceu. Ele chegou bem perto dela e esfregou o focinho no seu avental, como se pedisse carinho. Ela se abaixou, deu um abraço nele e depois voltou a se ocupar com a minha comida. Ele sentou no chão, do lado dela, e olhou para mim, com seus enormes olhos vermelhos.
Pensei:
– Céus! É a mim que ele quer comer!
Dei um pulo e saí correndo para meu quarto. Tranquei a porta, me enfiei na cama e fechei bem os olhos.
Eu devia estar sonhando. Aquilo não podia ser verdade. Com certeza, na manhã seguinte, não teria nenhum lobo na cozinha.
É, aquilo tudo só podia ser um sonho ruim.
A manhã seguinte era sábado, dia de meu pai vir me buscar para passear.
Corri para a cozinha assim que acordei. Minha mãe estava preparando o meu leite, viva e inteira, como todos os dias.
Fiquei aliviado. Claro que tudo aquilo tinha sido um sonho. Respirei fundo, tomei coragem e olhei debaixo da mesa.
Mas lá estava ele, enorme, peludo e bocejando: Levi, nosso lobo de estimação.
É bem verdade que ele não tinha devorado minha mãe, nem tentado me atacar. Mas, mesmo assim, eu não gostava nem um pingo dele.
Durante o café, não tive tempo para ficar emburrado porque logo escutei a campainha tocando. Era meu pai.
Corri para a porta. Para minha surpresa, Levi veio atrás de mim, fazendo humpf.
Fiquei gelado de medo. Aquele bicho ia atacar meu pai!
A campainha tocou novamente. Minha mãe gritou, lá de dentro:
– Abra a porta, meu filho. Deve ser seu pai.
Mas cadê coragem?
A campainha tocou de novo e escutei também umas batidas na porta. Meu pai chamava do lado de fora:
– Abra logo, seu preguiçoso. Está um dia lindo. Vamos pescar!
Finalmente, eu gritei, com a boca na fechadura:
– Não posso abrir. Tem um lobo aqui e ele está querendo atacar você.
Escutei novamente a voz do meu pai, desta vez divertida:
– Se o lobo me atacar, eu dou um tiro nele com a minha superespingarda a “laser”.
Como é que eu não tinha pensado nisso antes? Meu pai é um homem forte e poderoso, não tem medo de nada. Ele poderia se defender e ainda por cima salvar minha mãe e eu das garras daquele bicho.
Encarei Levi e abri a porta, pronto para assistir a uma luta espetacular, em que meu pai sairia vencedor.
Mas não foi nada disso que aconteceu.
Meu pai olhou para o lobo. O lobo olhou para meu pai. Os dois ficaram com cara de bobos.
– Ué, mas tinha mesmo um lobo aqui – meu pai disse, meio sem graça.
– Humpf… – Levi respondeu.
Ele não atacou meu pai. E meu pai não deu um tiro nele. Virou-se para mim e disse:
– Vamos logo, filho, vamos pescar.
Quando voltei, no domingo, mamãe e Levi estavam assistindo televisão na sala.
Ele não tinha me comido, nem devorado meu pai, nem matado minha mãe.
Mas também não desgrudava dela! Se minha mãe fosse para a cozinha, Levi ia atrás. Quando ela estava vendo televisão, ele ficava junto…
Podia até não ser mau, aquele lobo.
Mas era um chato!
Normalmente, segunda-feira era um dia complicado lá em casa. Cleide, a faxineira, nunca chegava cedo, mamãe precisava sair para trabalhar e não tinha com quem me deixar.
Ela sempre acabava pedindo ajuda à nossa vizinha, uma mulher chatíssima que tentava se passar por boazinha.
Nossa vizinha abria a porta e dizia:
– Ora, como vai o nosso lindo bebê! Pode deixar que eu cuido dele.
E me torrava a paciência a manhã inteira, me tratando como se eu fosse um bebezinho.
Eu não suportava aquela mulher!
Mas aquela segunda-feira foi diferente. Quando viu que a Cleide não ia chegar a tempo, mamãe disse:
– Não posso mais esperar. Já vou andando.
– Eu não quero ficar com aquela chata! – disse eu, como fazia toda segunda-feira.
E mamãe falou:
– Você não vai ficar com ela. Vai ficar com o Levi.
Meu coração disparou. Mamãe devia ter ficado maluca! Me deixar com um lobo!
– Ah, não! De jeito nenhum… – eu comecei a dizer.
Mas mamãe já estava me dando seu beijo de “tchau” e saindo pela porta.
Ficamos sozinhos, eu e Levi.
Pensei que ele fosse grudar no meu pé, como fazia com minha mãe. Mas Levi se sentou na sala e ficou ali, quietinho como se fosse um gato preguiçoso.
Fui até a cozinha, peguei água, voltei, liguei a televisão, desliguei, peguei meus carrinhos, brinquei um pouco, cansei de brincar…
E Levi continuava ali, quieto no seu canto.
Finalmente, sentei na poltrona e suspirei.
– Isso aqui está muito chato – eu disse, com raiva.
– Humpff. Também acho – disse Levi, bocejando.
Que susto! Ele falava! Um lobo que fala é mais interessante do que um lobo que só faz humpff. Então ele continuou, com uma voz rouca:
– Bem que a gente podia brincar de alguma coisa…
Fiquei desconfiado. Mas aproveitei que ele falava para perguntar:
– Você não vai me comer?
Levi começou a rir e eu levei mais um susto. Nunca vira um lobo rindo. Mas ele me garantiu que não ia comer ninguém. Só queria brincar um pouco.
Mas era difícil brincar com um lobo. Com suas patas enormes, era impossível fazer jogos de montar. Ele era grande demais para brincar de esconder, não cabia em lugar nenhum. Seus dentes afiados estourariam até mesmo minha bola de couro.
De que poderíamos brincar?
– Que tal fazer cavalinho? – sugeriu Levi.
Achei a idéia genial.
Subi em suas costas, que eram tão altas que meus pés ficavam balançando, sem encostar no chão. Agarrei os pelos do seu pescoço como se fossem rédeas, bati com os calcanhares em sua barriga e gritei:
– Atacar o inimigo!
– Quem é o inimigo? – Levi perguntou.
Nem precisei pensar duas vezes. A vizinha chata, é lógico!
Saímos em disparada pela casa, abrimos a porta, corremos até o fundo do corredor do edifício e paramos na porta da vizinha.
Antes que eu tocasse a campainha, Levi deu um grunhido tão pavoroso que até eu fiquei assustado.
Logo escutamos uma voz melosa perguntando:
– Quem está aí?
– Sou eu – respondi com a voz mais bem-comportada que consegui fazer.
– Ora, mas é o meu pomponzinho fofo, meu lindo bebê bilu-bilu – disse a chata, abrindo a porta.
Quando ela deu de cara comigo montado sobre aquele lobo enorme, deu um berro e desmaiou.
Eu e Levi voltamos para casa às gargalhadas. Eu estava começando a gostar daquela brincadeira.
Lembrei de todas as pessoas em quem gostaria de pregar um bom susto: o menino do 206, que sempre me batia, o filho do jornaleiro, que vivia me chamando de mulherzinha.
Talvez fosse mesmo bom ter um lobo em casa…
Quando minha mãe chegou para o almoço, a casa estava uma bagunça medonha. Levi era muito desajeitado e enquanto corríamos tínhamos derrubado quase tudo pelo chão: almofadas do sofá, abajur, antena de televisão, fitas de vídeo…
Antes que ela pudesse começar a reclamar, tocou a campainha. Era nossa vizinha, em pânico, dizendo que eu tinha sido comido por um lobo terrível.
Foi um custo mamãe acalmar a vizinha, mentindo que não tinha lobo nenhum lá em casa e me mostrando bem vivo e contente.
– Viu só? Ele está aqui, inteirinho. Você deve ter sonhado – disse mamãe, sem graça.
– Mas eu nem estava dormindo… – disse a vizinha.
A partir desse dia, as coisas mudaram muito lá em casa.
Sabe a história do sapo que ganha um beijo da princesa e vira príncipe?
Foi mais ou menos o que aconteceu. Só que eu não sou princesa, Levi não é sapo, eu não dei beijo em ninguém e ele não virou príncipe.
Mas a cada vez que a gente brincava, ele ficava mais parecido com um amigo de verdade.
Primeiro começou a falar, depois a rir, uns dias depois aprendeu a jogar bola, a andar sobre os dois pés, a fazer jogos de armar; começou a usar roupa de gente e a comer com garfo e faca.
Mesmo parecido com gente, Levi é um lobo.
Às vezes, ainda tenho medo dele, como quando ele se zanga.
Outras vezes, acho que ele é um lobo bobo e chato, como quando fica grudado na minha mãe ou come meu bife.
Mas na maior parte das vezes, nos damos bem.
Ele está mesmo ficando a cada dia mais parecido com um homem.
Em compensação, aprendi a dar grunhidos terríveis, a uivar para a lua e estou ficando cada vez mais forte.
Se continuar assim, acho que vou acabar virando um lobinho…

Historinhas pescadas : antologia de contistas brasileiros / [coordenação editorial Maristela Petrili de Almeida Leite, Pascoal Soto].- São Paulo : Moderna, 2001. – (Literatura em minha casa ; v. 2)

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