Ele nunca tinha feito aquilo.
Roubar? Nunca na vida. Lembrava-se até de seu tempo de menino, quando havia
encontrado uma bolsa caída na rua. O que fez foi bater de porta em porta até
encontrar a casa da dona da bolsa. Lembrava-se da surpresa da mulher e dos cumprimentos
que recebera na ocasião. Além dos cumprimentos, uma bela nota de vinte!
Uma fortuna para um menino.
O tempo tinha passado, mas
passara como um rio correndo para o lado da derrota, do desemprego, do
desespero, e ele sentia-se um náufrago quase a afogar-se. Naquela noite, ele
bem que gostaria de ter no bolso uma nota de vinte. Ou de dez. Bom, de cinco
até que seria alguma coisa, porque daria pelo menos para levar pão para casa.
Vagava. Não tinha coragem de
voltar para o cubículo onde morava de favor e encarar a jovem mulher, grávida
do seu primeiro filho e da convicção de que aquele maridinho adorado ainda iria
vencer na vida.
Mas nada dava certo para ele.
Tinha tentado oferecer-se em qualquer lugar, para qualquer serviço, não havia
comido nada o dia inteiro e tudo o que havia recebido tinham sido cabeças a
balançar de um lado para o outro: não, sempre não. Para ele, não havia nada.
Roubar? Talvez fosse a solução.
Quem sabe, na tentativa, a pessoa assaltada tivesse uma arma, reagisse e
acabasse logo com o pesadelo de sua vida. No bairro distante onde se criara,
muitos jovens como ele já tinham escolhido aquele caminho. Um antigo colega seu
de escola começara roubando carros e acabara até montando uma oficina mecânica
que, na verdade, era apenas a fachada que disfarçava um desmanche de carros furtados.
Parece que tinha sido fácil. Para o colega, bastara fazer sociedade com um policial
corrupto. Naquele desmanche a polícia não apareceria.
Entrou no estacionamento de um
supermercado, andando a esmo.
E seus olhos bateram no
interior de um carro. Um belo carro, como ele jamais sonharia um dia possuir.
Mas o que seus olhos viam era um descuido sem perdão: as chaves do carrão
estavam no contato!
Imediatamente, veio-lhe à
lembrança o desmanche do antigo colega. E se ele, apenas uma vez, esquecesse
tudo que tinha sido e levasse aquele carro para o colega? Algum dinheiro o
colega daria pelo carro, não daria? Afinal, não era para isso que serviam os
desmanches? Para receber carros furtados em toda a cidade e desmontá-los para
vender as peças avulsas? Não era para isso que serviam?
Misturada à idéia desesperada,
estava a imagem de sua esposinha, da única pessoa no mundo que ainda acreditava
nele. E ele decidiu-se: sua mulher merecia o sacrifício.
A porta do carro é claro que
estava aberta e ele sentou-se ao volante. Em um minuto estaria fora dali, na
direção do desmanche.
Mas, naquele exato momento, um
carro vermelho saía de uma vaga, manobrando desastradamente. O motorista dava a
ré, numa velocidade acima da correta e tentava fazer
a faixa para sair. E o
desastrado rodou para trás justo na direção dele e bateu violentamente na
traseira do carro que ele ia roubar.
Seu corpo foi jogado para a
frente e ele bateu a cabeça na direção. Tonteou, mas o susto e o pânico lutaram
para sobrepujar a tontura. Sacudiu a cabeça e tentou encontrar a maçaneta da
porta. Ele precisava sair dali, fugir, correr...
Mas a porta do carro era aberta
pelo lado de fora e alguém debruçava-se sobre ele.
No meio da surpresa, da
tontura, uma voz falava, excitadamente:
– Oh, meu amigo, desculpe... Eu...
O senhor está bem? Não se machucou? Olhe, eu estava com pressa, nem sei como
fui fazer aquela manobra... Oh, mas pode deixar, o senhor não vai ficar no
prejuízo não! A culpa foi minha, foi minha, nem sei como fui sair assim...
Minha mulher sempre diz que eu dirijo como um maluco, mas eu não tive intenção,
não tive... O senhor me desculpe...
Na escuridão do estacionamento,
ele mal conseguia distinguir a figura do homem, que falava sem parar e, ao
mesmo tempo, tirava um talão de cheques do bolso, apoiava-o no teto do carro e
preenchia a primeira folha.
– Olha, aqui está, isso deve
cobrir seu prejuízo, deve bastar... Me desculpe... Mas o senhor está bem, não
está? Não se machucou, verdade?
O homem enfiou-lhe um cheque na
mão e saiu, ainda se desculpando exageradamente.
– Aqui está... Aqui está... Desculpe,
oh, me perdoe...
A tontura passava rápido. Ele
saiu do carro e, a custo, olhou para o cheque. Uma bela quantia! Pronto! Tudo
havia saído melhor do que ele esperava: no dia seguinte, descontaria aquele
cheque, aquela verdadeira bolada, e tudo acabaria bem. O destino dera uma
guinada e corria a seu favor. Naturalmente não havia quem desconfiasse daquele incidente:
estava claro que o homem esperava que o cheque fosse descontado e o dono do
carrão amassado na certa tinha seguro e não ficaria no prejuízo. Também, um
carrão daqueles! Era lógico que aquele cheque não alteraria em nada, nem para
mais nem para menos, a fortuna que o dono de um carrão daqueles na certa
possuía.
E, no cinema do seu pensamento,
projetava-se a imagem de sua querida esposinha, feliz com tudo o que ele
poderia comprar para ela com todo aquele dinheiro.
Mas, ao mesmo tempo,
sobrepôs-se a imagem de um menino, um garoto de escola, batendo em todas as
casas da rua, à procura da dona de uma bolsa perdida...
E ele, apesar da fome, sorriu.
Encostou-se no carro e ficou esperando que o proprietário saísse do
supermercado para entregar-lhe o cheque.
Talvez, em troca daquele
cheque, ele recebesse uma nota de vinte do proprietário agradecido. Mas, ainda
que não recebesse, ele estava feliz.
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