Doutor, senhor juiz, me desculpe, mas o senhor tem de me ajudar. O
senhor tem filhos?
Pois então há de entender o desespero em que eu estou. Sou viúva, sim,
há muito tempo, não tenho ninguém que me ampare. Estou aposentada mas, o senhor
sabe, funcionária pública, não dessas aposentadorias dos figurões do serviço
público, isso não é coisa para uma trabalhadora modesta como eu fui, como eu
sou.
Oh, desculpe, sei que o senhor vai ter uma aposentadoria dessas graúdas
mas eu sei que o senhor merece, ah, sim, o senhor merece, seu serviço é
importante, está nas suas mãos decidir quem fica dentro e quem fica fora da
cadeia, isso é importante, eu sei, é como um trabalho de Deus, que decide quem
fica dentro ou quem escapa do inferno. Por isso o senhor pode ajudar uma pobre
viúva como eu.
A aposentadoria é muito pequena, muito pouco, como sustentar meu filho?
Nunca parei de trabalhar. Bicos, sabe? Porque minha única riqueza é o meu
filho. Uma joia única, o senhor devia conhecer meu filho, não do jeito que
olhou para ele, lá de cima do púlpito, como um padre. Mas o meu menino do jeito
que ele é, tão carinhoso comigo, tão dedicado... O senhor só olhou para o meu
menino como olha todos os réus, sem tentar ver dentro dos olhos dele, sem
procurar descobrir a beleza que mora em meu filho. Imagine, meu filho, meu
filhinho, um réu!
O pouco que eu tinha guardado dei para aquele advogado incompetente, que
nada fez para convencer o senhor nem aquelas pessoas do júri. Fiquei sem nada e
o senhor condenou o meu pobre filho a uma cadeia tão grande, tão grande... E eu
só vou poder ver a carinha dele nos domingos, no meio de tanta gente, de tantos
bandidos perigosos, de assassinos, como um carneirinho no meio dos lobos podem
até desviar meu filho para o mau caminho ele que é tão bom... Coitadinho dele
lá dentro sem mim para protegê-lo ele vai sentir fome não vai ter as comidinhas
gostosas que eu preparo com tanto carinho vai sentir frio sem o meu colo o
senhor tem de me ajudar sei que o senhor dentro do seu coração pode compreender
meu desespero pode olhar nos olhos doces do meu filhinho e perceber a pureza da
alminha dele.
Como alguém pode chamar o meu filhinho de assassino? Me lembro muito bem
quando aqueles brutamontes vieram buscar o meu menino dizendo que ele havia
assassinado a namorada. Imagine... Deviam é investigar aquela peste que faz
muito bem de estar enterrada e muito bem enterrada... Depois vieram dizendo que
aquela não era a única que ele tinha matado... Outras... Mais outras dessas
vagabundas que se diziam suas namoradas... Que absurdo! Que injustiça!!!!! E
aqueles carrascos que chamam de júri já entraram no tribunal decididos a
considerar meu filhinho como um criminoso. Imagine só! Condenar o meu filhinho
por causa da morte dessas
vagabundas que só queriam tirar o meu filhinho de mim. E essa última
então? Forte como ela só. Não aceitou tomar a limonada que eu tinha preparado e
tive de usar o machado... Um absurdo obrigar uma mulher da minha idade a
manejar um machado pesado daqueles...
Mas o senhor vai me ajudar não vai seu juiz? Meu filhinho é inocente eu
tinha de fazer tudo sozinha ele só ajudava a cortar e enterrar os pedaços... Coitado!
Tão fraquinho...
Devolva meu filhinho pra mim por favor... Estou vendo que o senhor é
como aquelas vadias que não ouvem a voz da razão, o pedido de uma pobre mãe com
o coração despedaçado...
Eu não gosto de usar isto, faz muito barulho, prefiro usar veneno...
Está vendo? O senhor não quis me ouvir e agora nem tenho o meu filhinho
para me ajudar... Vou ter de cortar tudo sozinha... Que trabalheira, meus Deus!
Ninguém tem pena de uma pobre viúva...
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