Campeonato de jejum








O jabuti é famoso por sua longa resistência à falta de alimento. Conta-se que, se acaso na mata lhe cai sobre a carapaça uma árvore muito grande, ele se resigna: fica imóvel até que a árvore apodreça. Então, safa-se e vai procurar ganhar a vida. Esta lenda, dos índios da Amazônia, baseia-se nessa resistência e mostra-nos que os índios sabiam que os ananases levam dois anos para amadurecer, assim como as frutas do taperebazeiro só aparecem de dois em dois anos.
Um dia estava o jabuti muito satisfeito tocando sua flauta de canela de onça quando chegou o gambá para desafiá-lo ao jejum: qual deles resistiria por mais tempo? 
O jabuti aceitou. O prazo mínimo seria de dois anos. O gambá fechou o jabuti dentro de um buraco e se foi. Passado um ano, voltou.
— Olá, jabuti.
— Olá, gambá! As frutas do taperebá já amarelaram?
— Ainda não, jabuti. Os taperebazeiros ainda estão em flor.
O gambá se foi e voltou passado mais um ano, quando as frutas do taperebazeiro já estavam maduras e havia muitas pelo chão. Aí, o jabuti deixou o buraco e o gambá entrou. O jabuti fechou-o ali e se foi. Passado um ano, voltou.
— Olá, gambá!
— Olá, jabuti! Os ananases já estão amarelos?
— Ainda não, gambá. Estão pequenos e verdes.
O jabuti se foi e voltou um ano depois, quando os frutos estavam amarelos.
— Olá, gambá!
Mas ninguém respondeu. O jabuti tornou a perguntar. Silêncio. Entrou no buraco e encontrou o gambá morto, esturricado, ressequido. O jabuti puxou-o para fora:
— Esse diabo morreu! Eu sabia, gambá, que você não era gente para se medir comigo.

("Campeonato de jejum". Folha de São Paulo. São Paulo, 20 de maio de 1966)

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