Era a noite de Ano Novo, na
Dinamarca, lá no norte gelado do mundo.
Sozinha, naquela noite de inverno
rigoroso, andava pelas ruas uma garotinha pobre, descalça, com a cabecinha
descoberta. Fazia um frio terrível, nevava e já tinha escurecido há bastante
tempo. Ela havia saído bem cedinho do casebre onde morava, calçando os velhos chinelos de sua falecida avó. Mas eles eram
muito grandes e tinham caído de seus pezinhos, pouco antes, quando ela tivera
de correr para não ser atropelada por um carro que passava a toda velocidade.
Procurou, mas só achou um dos pés do par de chinelos. Na mesma hora, porém, um
moleque mau arrancou-o de suas mãos, rindo e dizendo, só de pirraça:
– Onde vai com esse chinelão,
garota? É tão grande que pode até servir de berço para um bebê! Ah, ah! Vou
levá-lo comigo para quando eu crescer e tiver um filho!
Com seus pezinhos nus, roxos de
frio, enterrando-se enregelados na neve fofa das calçadas, a menina vagava,
carregando caixinhas de fósforos num bolso de seu avental remendado. Ela já não
tinha mais mãe, nem pai, e sua avó havia morrido. Todos os dias, o padrasto
malvado a mandava para as ruas, para vender caixas de fósforos para os transeuntes.
Mas ninguém lhe comprara nem um palitinho de fósforo durante aquele dia
inteiro.
Ninguém lhe dera sequer uma
moedinha.
Faminta, tremendo de frio, a
pobrezinha olhava as janelas iluminadas nas casas que se preparavam para a ceia
de Ano Novo. Parou um pouco à frente de uma delas, admirando uma árvore de
Natal grande, iluminada. De lá de dentro, vinha um delicioso aroma de ganso assado
e seu pequeno estômago retorcia-se de fome.
Não ousava ir para casa, porque o
padrasto bateria nela por não ter conseguido vender nem uma caixinha de
fósforos. Chegar em casa sem trazer algum dinheiro era surra na certa. Na
verdade, mesmo tendo de levar uma surra de cinta, ela gostaria de estar naquela
hora aconchegada no meio dos trapos onde dormia todas as noites, embora soubesse
que continuaria a sentir frio, porque o casebre não tinha forro e o vento
assobiava atravessando as falhas do telhado mal tapadas com palha e trapos.
Exausta, a menininha encolheu-se
num vão entre duas casas. Sentou-se, encolheu as perninhas, mas continuava a
sentir frio, muito frio. Suas mãozinhas estavam enregeladas. Talvez, se
acendesse um dos fósforos, poderia esquentar-se um pouco. Com os dedos endurecidos,
riscou um fósforo. A chama ardeu na mesma hora. Que beleza! Envolveu a chama
com a mão. Clara e quente, parecia uma velinha de Natal!
Mas era uma luz estranha...
Refletida nela, a menina viu-se sentada dentro da sala que havia visto há pouco,
à frente de uma grande lareira de ferro, toda adornada em latão polido! O fogo
da lareira crepitava alegremente e aquecia tanto, tanto... Maravilha! A menina
já ia estendendo os pés, para esquentá-los também, quando tudo se apagou e a
lareira desapareceu. E ela viu-se de novo encolhida na calçada, só com um
toquinho de fósforo queimado nas mãos...
Riscou mais um fósforo, que
acendeu-se claro, brilhante, tornando a parede transparente como um véu. E ela
viu uma sala grande, aquecida, onde estava uma mesa, com toalha bordada e posta
com fina porcelana e talheres de prata. No centro da mesa, um ganso assado fumegava,
recheado de ameixas e maçãs. De repente, o ganso pulou da travessa de prata e
saiu na direção da menina, cambaleando pela sala, com o garfo e a faca espetados
nas costas! Aí, o fósforo se apagou e ela só via a parede, grosseira e fria.
Ela acendeu outro fósforo. Na
mesma hora, viu-se sentada sob os ramos da mais linda árvore de Natal, maior e
mais enfeitada do que a que ela acabara de ver pela vidraça da casa por onde
tinha passado ainda há pouco. Milhares de velas ardiam nos ramos verdes, e
figuras coloridas como as bonecas que ela às vezes via nas vitrinas das lojas, olhavam
para ela, sorrindo... A pequena estendeu as mãos para o alto mas, nisto, o
fósforo se apagou. As velas de Natal foram subindo, subindo, e ela viu que eram
estrelas cintilando no céu negro do inverno. Uma das estrelas caiu, traçando um
longo risco de fogo no céu.
“Isso é sinal de que alguém vai
morrer...”, pensou a menina, lembrando-se de sua querida avó, a única pessoa
neste mundo que lhe quisera bem. A avó costumava dizer que, quando uma estrela
cai, sobe aos céus uma alma.
A pobrezinha tornou a riscar um
fósforo. No clarão da chama, surpresa, a menina viu, radiante e luminosa, sua
velha vovó, com a expressão meiga e bondosa de que ela se lembrava tão bem.
– Vovó! – gritou a pequena. – Leva-me
contigo! Sei que não mais estarás aí quando o fósforo se apagar. Desaparecerás,
como a boa lareira, o delicioso ganso assado e a grande, linda árvore de Natal!
Riscou às pressas o resto dos
fósforos que havia na caixinha, para ter a avó ali a seu lado, para conservá-la
mais um pouco junto de si. O clarão dos fósforos tornou-se mais intenso que a
luz do dia. Nunca a avó fora tão grande e bela! Ergueu a menina nos braços e as
duas voaram, felizes, para as alturas, onde não havia frio nem fome, nem
apreensões.
Voaram para junto de Deus...
Adaptação de Pedro Bandeira de um
conto de Hans Christian Andersen
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