Era uma vez um homem muito
circunspeto e cioso de sua personalidade. Muito moço teve a dita ou desdita de
casar com uma mulherzinha extrovertida e por demais faladeira. Num dia de
domingo, depois do almoço, o homem estava sentado debaixo de uma árvore,
tomando fresco, quando a mulher veio para junto, querendo lhe catar cafuné.
De bom grado o homem deitou a
cabeça no seu colo. Cafuné para cá, cafuné para lá, acabou por cochilar,
enquanto a mulher já meio distraída mexia nos seus cabelos. De repente algo
estranho atravessou correndo o couro cabeludo do homem.
Mais que depressa a mulher diligenciou
uma busca meticulosa, terminando por encontrar um piolho.
— Um piolho!... Acorde marido!
Olhe um piolho na sua cabeça.
O homem acordou assustado e logo
viu o piolho esborrachado entre os polegares da esposa. Encabulou, mas nada
disse. Porém a mulher não parou mais de falar durante a tarde. A noite chegou e
ela falando. O homem calado estava, calado continuou. Noite a dentro, volta e
meia, a mulher exclamava: — Marido, o piolho!...
No dia seguinte, indo bem cedo
para a feira fazer as compras, percebeu que a mulher contava a todos quanto
cruzavam o seu caminho o achado da véspera.
— Gente, não lhe conto! ontem eu
encontrei um piolho na cabeça do meu marido.
— Um piolho! — Quem ouvia se
escandalizava e com justa razão.
— Sim, senhor. Um p-i-pi-o-l-h-o-lho.
O marido cada vez mais
aborrecido, calado estava, calado continuava. Entrava dia, saía dia, dormindo
ou acordada, a conversa da mulher convergia somente para o malfadado achado.
Por fim, já furioso, o marido
arranjou uma mordaça de cachorro e pôs na boca da esposa. Ela pareceu meio
sufocada mas teve medo de protestar e se conservou em silêncio. Assim o homem
acreditou ter solucionado a questão. Mas sua alegria durou pouco. Na feira, em
casa, na missa, toda a vez que alguém olhava para os dois, ela não perdia
tempo. Esfregava a unha do polegar direito da no esquerdo, como se estivesse
matando um piolho, e apontava depois para a cabeça do marido.
Em desespero de causa, o marido
carregou com ela para a beira de um rio fundo. Atou aos seus pés uma pedra e
lhe deu um empurrão. A pobrezinha caiu na água e começou a se debater, tentando
se manter à tona. Mas quando percebeu pessoas que corriam em seu socorro,
suspendeu os braços acima da cabeça e fez o gesto de esfregar as unhas dos
polegares. Foi afundando, se afogando, mas sem deixar de fazer o gesto de matar
um piolho.
Satisfeito, o homem voltou para
casa, crente de ter se livrado da desmoralização. Mas no dia seguinte, quando
foi à feira, todos se dirigiram a ele como o marido da mulher do piolho.
Repetindo o que ele pensava ter sepultado. Assim acaba a história.
(Em Viana, Hildegardes. "A mulher do
piolho". A Tarde. Salvador, 09 de outubro de 1967, primeiro
caderno, p.4)
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