Uma carta para o rei







Pobre daquele pintinho!
Nasceu pelado e feioso. Não havia no galinheiro quem não implicasse com ele, quem não o maltratasse. Eram os patos, as galinhas, os galos, os perus e até os marrecos.
Quando achava uma quirera de milho, lá vinha algum galo e –
zapt! – tomava dele. Se desencavava uma minhoca, lá vinha um peru e, a poder de bicadas, expulsava o pintinho e ficava com o achado! A vida do pobre peladinho era um verdadeiro inferno!
Cansado de tudo aquilo, o pintinho resolveu protestar ao rei. Só o rei, para acabar com aquela injustiça! Era isso! Ele tinha de levar uma carta de protesto ao rei!
Ciscou pelo galinheiro e achou um papelzinho jogado. Para ele, qualquer papelzinho era uma carta.
Todo feliz com o achado, pegou um saco, encheu-o de milho para a viagem e foi a caminho do palácio do rei, com o papelzinho no bico.
Andou, andou, até que encontrou uma raposa.
– Aonde vai, pinto pelado? – perguntou a raposa.
– Vou ao palácio do rei, entregar esta carta – respondeu ele.
– Ai, que vontade de ir com você!
– Pois venha. Entre no saco e vamos embora!
A raposa aceitou o convite e lá se foi o viajante pelo caminho.
Chegou à beira de um riozinho de águas claríssimas. E o rio quis saber para onde ia aquele pinto pelado com saco nas costas.
– Vou ao palácio do rei, entregar esta cartinha.
– Posso ir também? – pediu o rio.
– Claro que pode! – aceitou o pinto pelado, enrolando o rio como se fosse um tapete e enfiando-o no saco.
Na curva seguinte, encontrou um ouriço que ficou muito assanhado com a viagem do pinto pelado. Pediu, e o pintinho colocou o ouriço no saco, recomendando que encolhesse os espinhos, para não cutucar os outros ocupantes.
Andouque andou, até que chegou ao palácio do rei. Era um palácio belíssimo, cheio de janelas e de guardas.
O pintinho foi-se chegando ao grande portão de entrada e declarou:
– Sou o pinto pelado! Venho aqui entregar uma carta ao rei!
Os guardas acharam estranho aquele pinto com papelzinho no bico, mas resolveram levá-lo ao rei.
– Qui-qui-ri-qui-qui! – fez o pinto pelado, empolando o peito e estendendo o bico com a carta para o rei, que estava sentado no seu trono.
O rei pegou aquele papelzinho amassado, olhou dos dois lados e, vendo que aquilo era apenas um pedaço de lixo, ficou furioso:
– Que desaforo! Esse pinto veio aqui para me ofender? Guardas! Peguem já esse desaforado e carreguem-no para o galinheiro! E amanhã, para o almoço, mandem fazer uma bela canja com esse malcriado!
Pobre do pinto pelado! Estava de novo em um galinheiro e, pior, condenado à morte!
Como sempre acontecia com ele, lá vieram as galinhas, os patos, os perus e os marrecos. Caíram de bicadas em cima do novo ocupante do galinheiro, com uma fúria sem tamanho!
O pinto pelado estava apavoradíssimo. Recuava para o fundo do galinheiro, fugindo dos atacantes, quando ouviu a voz da raposa, de dentro do saco:
– Tire-me daqui, pinto pelado. Pode deixar que dessas penosas cuido eu!
O pinto pelado abriu a boca do saco e de lá chispou a raposa, investindo na mesma hora em cima daquela galinhada, daquela peruzada, daquela pataiada e daquela marrecada toda.
Foi um esparramo nunca visto! Pena pra todo lado, co-co-cós, qua-qua-quás e glu-glu-glus de socorro!
Livre daquele problema, o pinto pelado pulou a cerca do galinheiro e ganhou a estrada.
Ah, o rei ficou furioso quando soube da fuga! O pinto pelado e desaforado não poderia escapar assim, sem mais nem menos:
– Atrás dele, guardas! Tragam esse safado aqui, com todas as suas penas!
O pintinho corria como um doido, mas como escaparia dos cavaleiros do rei?
De dentro do saco, ouviu outra voz. Dessa vez era o rio que falava:
– Tire-me daqui, pinto pelado! Agora o problema é comigo!
O pinto desenrolou o rio de dentro do saco e, na mesma hora, o rio estendeu-se entre o perseguido e os perseguidores.
Deu certo. Bem, pelo menos deu certo durante algum tempo, pois o pinto pelado conseguiu livrar uma boa distância até que os soldados conseguissem barcos para atravessar o rio.
Demorou um pouco, mas logo lá estavam os guardas se aproximando do pinto pelado.
– Tire-me do saco, pintinho amigo! – era a voz do ouriço. – Que dos soldados me livro eu!
Mal o ouriço saltou para fora do saco, espalhou espinhos para todos os lados, espinhos que se multiplicaram, ocuparam toda a redondeza e formaram uma barreira de espinheirais que não havia tropa que pudesse ultrapassar!
Orgulhoso, o pinto pelado cantou com toda a força:
– Qui-qui-ri-qui-qui!
Daí percebeu onde estava. De volta ao galinheiro onde nascera! E agora? Antes que pudesse fazer alguma coisa, lá vieram as galinhas, os patos, os perus e os marrecos.
A raposa, o rio e o ouriço já tinham prestado seus serviços e tinham sumido no mundo. Ele agora estava sozinho, no papo dos inimigos!
Mas o que estava acontecendo? As galinhas vieram rodeá-lo, cheias de dengues e não me toques, cheias de vem cá meu galinho e ai mas olha que graça e coisas que tais.
O que tinha acontecido?
Tinha acontecido que a viagem do pinto pelado tinha demorado um tempão. O pintinho crescera e agora era um belíssimo galo!
Ninguém mais tinha coragem para provocá-lo. Curtido nas experiências da viagem, o pinto pelado era agora o rei do galinheiro!
E o pinto pelado, que tinha virado um galo penudo, subiu no ponto mais alto do galinheiro e cantou seu canto de vitória:
– Co-co-ri-cóóó!

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