Já tinha parado a chuva e Clara Luz estava
louca que a Gota voltasse. Felizmente a Fada-Mãe veio com uma novidade:
- Minha filha, hoje vem uma professora nova.
Você vai ter a sua primeira aula de horizontologia.
- O que é isso?
- É saber tudo sobre o horizonte. As crianças
lá da Terra aprendem geografia. As fadas aprendem horizontologia.
- Acho que vou gostar dessa aula - disse
Clara Luz.
O sininho da porta bateu: era a professora
que vinha chegando. Clara Luz correu ao
encontro dela:
- Bom dia! Estou louca para aprender tudo
sobre horizontes!
- Que bom! - respondeu a professora. - Gosto
de alunos assim entusiasmados.
A professora era uma fada muito mocinha, que
tinha acabado de se formar professora de
fadinhas. Sabia horizontologia na ponta da língua.
A Fada-Mãe ofereceu um cafezinho de
pó-de-meia-noite e depois deixou Clara Luz e a Professora sozinhas.
- Muito bem - disse a Professora. -
Primeiro quero ver o que você já sabe.
Sabe alguma coisa sobre o horizonte?
- Saber, mesmo, não sei, não. Mas tenho
muitas opiniões.
- Opiniões?
- É sim. Quer que diga?
- Quero - respondeu a Professora, muito
espantada.
- A minha primeira opinião é que não existe
um horizonte só. Existem muitos.
- Está enganada - disse a Professora.
Horizonte é só um!
- Eu sei que todos acham que é só um. Mas
justamente vou escrever um livro, chamado Horizontes Novos.
- Você vai escrever um livro? - perguntou
a Professora, cada vez mais admirada.
- Vou. Eu acho que criança também pode
escrever livros, se quiser, a senhora não acha?
- Acho, sim.
- Pois nesse livro eu vou dizer todas as
minhas ideias sobre o horizonte.
- São muitas? - quis saber a Professora.
- Um monte. Por exemplo: eu acho que nós duas
não devíamos estar aqui.
- Ué! Devíamos estar onde, então?
- No horizonte, mesmo. Assim, em vez da
senhora ficar falando, bastava me mostrar as coisas e eu entendia logo. Sou muito boa para entender.
- Já percebi - disse a professora.
- Tenho muita pena das professoras, coitadas,
falam tanto!
É verdade - respondeu a Professora, com
um suspiro.
Clara Luz ficou muito contente:
- Então, se está de acordo, por que não vamos para o horizonte já?
A professora levou um susto:
- Não pode ser!
-- Por quê?
- Não sei se é permitido... Não foi assim que
eu aprendi horizontologia no colégio...
- Por isso é que a senhora é tão magrinha.
- Hein?
- Coitada, levou anos aprendendo
horizontologia sentada!
A Professora levantou-se de repente:
- Sabe de uma coisa? Vamos!
Clara Luz ficou radiante:
- Eu sabia que ia gostar dessa aula.
E foram.
- Viu como é fácil ir? - perguntou Clara Luz,
enquanto voavam, de mãos dadas.
- É mesmo. Nunca pensei que fosse tão fácil!
- respondeu a Professora.
Ela passava o dia dando lições para sustentar
a mãe, uma fada velhinha, que já não podia trabalhar nem fazer mágicas. Ganhava
vinte estrelinhas por aula e não tinha tempo para passeios.
Agora, com o ar puro lhe batendo no rosto,
estava até mais coradinha.
- A senhora é bem bonita, sabe? - disse
Clara Luz.
- Acha? - perguntou a Professora com um
sorriso,
Nisso, chegaram.
A Professora foi a primeira a pular sobre o
horizonte.
Estava tão alegre que se esqueceu de que era
professora e saiu aos pulos, com os cabelos voando:
- Viva! Estou no horizonte!
Clara Luz foi atrás, também muito contente.
Um navio ia justamente aparecendo no
horizonte.
- Aproveite! - gritou Clara Luz.
A Professora aproveitou. Segurou o navio na
mão, como se ele fosse um brinquedo.
O navio ia cheio de gente, que estava
voltando da Europa, mas ninguém percebeu
o que estava acontecendo. Só ficaram todos alegres. E o comandante resolveu dar
um baile.
A Professora, em criança, nunca tivera
brinquedos, porque era muito pobre. Ficou encantada:
- Olhe só, que gracinha! Estão dançando lá
dentro!
Ela se sentia como as crianças, quando vão ao
teatrinho de bonecos.
Ficaram as duas se divertindo, muito tempo, com aquele teatrinho.
Depois, a Professora colocou o navio no mar,
com tanto cuidado que não levantou a menor ondinha.
E o navio, assim que saiu do horizonte, virou
navio grande de novo, cheio de gente grande.
A Professora, agora, estava coradíssima e com
os olhos brilhando. Ter um brinquedo tinha feito um bem enorme a ela.
- Vamos brincar de escorrega no arco-íris? -
convidou Clara Luz.
Dessa vez a Professora nem se lembrou de
pensar se seria permitido, ou não.
Foi logo subindo por um lado do arco-íris e
escorregando pelo outro, com os braços para o ar:
- Lá vou eu!
No princípio, como não tinha prática,
escorregava muito desajeitada e Clara Luz morria de rir.
Mas logo se habituou e mostrou que tinha um
jeitinho louco para escorregar no arco-íris. Escorregava de costas, de frente,
em pé e até dançando.
Clara Luz fazia tudo para imitá-la, mas a
verdade é que não conseguia tão bem.
Tinha acontecido uma mágica com o cabelo da
professora: agora estava dividido em duas tranças, igualzinho ao que ela usava quando tinha dez
anos.
Clara Luz estava notando isso, mas não disse
nada. A professora ainda não tinha percebido o que lhe acontecera.
- Agora -- disse Clara Luz, - a senhora não
quer dar uma espiada nos outros horizontes?
- Que outros, querida? Só existe um.
- Então olhe para lá!
A professora, que só estava olhando para cá,
concordou em olhar para lá, já que Clara Luz fazia questão.
E viu mais de dez horizontes, um depois do
outro.
- Não é possível, Clara Luz! Estou vendo dez!
É?
Então a senhora é formidável em horizontologia mesmo. Eu só estou vendo
sete.
- Mas não é possível, Clara Luz! Será que não
estamos sonhando?
- Claro que não. Está sonhando quem só vê um.
Lá longe, na Via Láctea, a Fada-Mãe tocou o
sininho, para avisar que já tinha acabado a lição.
Clara Luz e a professora voltaram voando,
rindo da cara das fadas que abriam as janelas e comentavam uma com as outras:
- Que professora, essa! Onde já se viu dar
lição assim? Brincando no meio da aula!
A Fada-Mãe estava na porta, esperando por
elas.
- Onde estiveram?
- No horizonte, mamãe. Essa professora não
ensina falando, não. Ela ensina indo.
A Professora encabulou: só agora reparara que
estava de trancinhas. Que iria pensar a Fada-Mãe?
Mas a Fada-Mãe não era boba: foi lá dentro e,
em vez de vinte estrelinhas, trouxe trinta, para o pagamento.
- Muito obrigada -- disse ela. -- Nunca
vi minha filha gostar tanto de uma
lição.
A Professora não quis receber:
- Não vou cobrar nada por essa aula. Eu é que aprendi muito com sua filha.
- Não acredite, mamãe! Ela é a professora
melhor que eu já tive.
A Fada-Mãe já tinha percebido isso. Insistiu
em pagar as trinta estrelinhas e pediu à Professora que não deixasse de voltar,
duas vezes por semana.
Fernanda Lopes de Almeida
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