A fada que tinha ideias - Capítulo 02 - Os bolinhos de luz






  A maior amiga de Clara Luz era Vermelhinha, uma estrela cadente.
  Por ser cadente, Vermelhinha podia ir para onde queria, no céu. E como corriam, ela e Clara Luz,  brincando de esconder atrás das nuvens!
  - Minha filha, porque você não arranja uma amiga mais calma. hein? - perguntava a Fada-Mãe, às vezes, tonta com as travessuras de Clara Luz e Vermelhinha.
  Mas perguntava por perguntar, pois também gostava muito de vermelhinha. Tanto que, no  aniversário da estrela, resolveu dar uma festa.
  Vermelhinha ia fazer nove milhões de anos, o que, para uma estrela, e bem pouco.
  Clara Luz, que adorava festas, estava felicíssima, ajudando a mãe muito direitinho.
  Justamente na véspera do aniversário a Fada-Mãe teve que sair para desencantar uma princesa.
  - Não faz mal -- disse ela. - Está quase tudo pronto. Você pode ir fazendo a massa dos bolinhos de luz, enquanto eu saio. Acho que já sabe fazê-los sozinha.
  - Sei fazer muito bem.
  - Ótimo! Amanhã de manhã faço o bolo de aniversário. É só o que está faltando.
  E a Fada-Mãe, abrindo as asas cor de prata,  saiu voando pela janela.
  Clara luz correu para a cozinha e abriu o livro de receitas na página dos bolinhos:

  "Bolinhos de Luz
 
  250 gramas de raios de sol. 250 gramas de raios de luar.
  Uma colher de chá de fermento de relâmpago.
  Maneira de fazer: mistura-se bem os raios de sol e de luar até saírem faíscas. Junta-se então o fermento de relâmpago."

  - Que fácil! -- pensou Clara Luz. - Não sei como certas pessoa podem achar difícil fazer bolo!
  E foi tirando os raios de sol e de luar das latas onde estavam guardados, nas prateleiras. Despejou tudo num tacho e mexeu, como a receita mandava. A cozinha inteira começou a brilhar!
  Quando chegou a hora do fermento, Clara Luz teve uma ideia:
  - Fermento é que faz o bolo crescer. Se, em vez de uma colher de chá, eu puser um relâmpago inteiro, vai sair um bolão enorme. Mamãe amanhã nem vai precisar fazer o bolo das velas.
  É claro que não havia relâmpago inteiro em casa. Clara Luz não se atrapalhou:
  - O jeito é eu ir para a janela e pescar o primeiro que passar.
  Mas não foi fácil. Nenhum relâmpago concordava em entrar no bolo:
  - Eu não, ora essa! Tenho mais o que fazer!
  Afinal passou uma família inteira de relâmpagos: pai, mãe e cinco filhos. Ninguém deu confiança a Clara Luz. O menor de todos, um relempagozinho muito esperto, ia no fim da fila.
  - Psiu! -- chamou Clara Luz. - Você que entrar no meu bolo?
  -- Eu não, que não sou bobo. Pensa que quero ser comido em festa de aniversário?
  Clara Luz pensou um pouco:
  - Você entra e depois sai. É só para fazer  o bolo crescer.
  O relampagozinho começou a gostar da ideia:
  - Puxa! Deve ser divertido mesmo!
  - Garanto que você vai adorar.  Até podemos combinar assim: no meio da festa você pula de dentro do bolo e dá um susto danado em todos.
  O relampagozinho caiu na risada:
  - Vai ser formidável! Aceito.
  E largou os irmãos, que foram indo atrás dos pais, sem perceberem nada. Relampejou direto para a cozinha, numa correria louca.
  - Preciso ir depressa para ensiná-lo a entrar no bolo direito - pensou Clara Luz.
  Mas quando chegou à cozinha ele já estava mergulhado na massa, sem esperar explicação nenhuma. Foi uma beleza!  A cozinha se iluminou até o teto.
  Clara Lua teve que tapar os olhos.  Quando os abriu o relampagozinho tinha desaparecido.
  - Agora só o verei de novo amanhã, quando ele pular de dentro do bolo. Nunca vi ninguém tão afobado!
  O forno já estava aceso e Clara Luz tratou de pôr o bolo lá dentro.
  - Capriche, sim? Faça o bolo crescer bem! - gritou ela para o relampagozinho, antes de fechar a porta.
  Depois foi para a sala brincar e esperar o bolo ficar pronto.
  Não se passaram nem cinco minutos e começaram a sair faíscas pela  porta da cozinha. Clara Luz correu para ver o que era.
  A massa tinha espirrado para fora do forno e estava escorrendo pelo chão, como um rio de luz.
  - Meu Deus! Era para crescer, mas não tanto assim! - exclamou Clara Luz.
  A massa continuou a crescer. Da cozinha passou para a sala, da sala para o quarto. A casa inteira brilhava.
  Afinal a massa começou a espirrar pelas janelas e a pingar para fora da Via Láctea.
  Foi um reboliço. Todas as fadas do céu vieram para as janelas de suas casas de nuvens:
  - Olha só o chuveiro de luz que está saindo lá da Via Lactea!
  - Será que é alguma mágica?
  - Não pode ser. Não existe nenhuma mágica assim no Livro das Fadas!
  - Existe sim, na página vinte e três.
  Foram todas ver na página vinte e três.  Enquanto isso Clara Luz gritava:
  - Socorro! Não sei fazer isso parar.
  - Ela está pedindo socorro! Vê depressa a página vinte e três!
  - Olha aqui, olha.
  Todas olharam: a página vinte e três ensinava a transformar abóbora em carruagem. Ninguém ficou  sabendo nada sobre aquela mágica que estava acontecendo na Via Láctea.
  - Não está no Livro. Não podemos fazer nada.
  E as fadas coitadas, olhavam umas para as outras assustadíssimas. Elas nem queriam pensar no que  aconteceria a Clara Luz se a Rainha das Fadas soubesse daquilo tudo.
  Justamente naquele momento vinha chegando a Fada-Mãe, linda como um pássaro de prata.
  Quando viu aquele clarão enorme saindo de sua casa, quase morreu de susto:
  - Minha filha! Onde você está?
  - Estou aqui, mamãe. Faça uma mágica depressa! Não sei o que vou fazer com essa massa.  Vai acabar pingando lá na terra!
  A Fada-Mãe, resolveu, pela primeira vez na vida, fazer uma mágica que não era do Livro. Com Três varadinhas da vara de condão, fez a massa de luz dançar um bailado no ar e virar um cometa .
  E como era rápido! Sendo um cometa com relâmpago dentro, corria numa tal velocidade que nem era possível enxergá-lo direito. Só se via o rastro brilhante que ele deixava no céu.
  - Puxa, mamãe! Você quando quer faz cada mágica! - exclamou Clara Luz entusiasmada. - Pena você perder tanto tempo encantando e desencantando princesas!
  A Fada-Mãe estava se abanando, sem voz para falar. E como não sabia que o cometa tinha relâmpago dentro, não estava entendendo por que ele corria com tanta velocidade.
  - Minha filha - disse ela, assim que pôde fazer - por que você tem tantas ideias, hein? Seria tão bom se tivesse menos...



Fernanda Lopes de Almeida

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