E lá estava o bolor, esverdeado,
cobrindo a capa do Livro.
- Como é que nunca me avisaram
disso? - berrou a Rainha, vermelha de raiva. - Será que eu sou sempre a
última a saber de tudo, neste reino?
- Mas Majestade, nós também não
sabíamos - desculparam-se as damas e conselheiras.
- Como é que não sabiam?
Consultam esse Livro todos os dias e nunca viram que ele estava embolorado?
Conselheiras, aconselhem imediatamente sobre esse bolor!
As conselheiras olharam umas
para as outras e não souberam o que dizer.
- Majestade, essas conselheiras
não podem aconselhar direito. É impossível - disse Clara Luz.
- Impossível por quê?
- Porque todo conselho, para
ser bom, tem que ter uma ideia dentro. É preciso misturar a ideia na massa do conselho, como eu misturei
Relampinho na massa do bolo, no dia em que ele virou cometa.
A Rainha não entendeu nada.
- Ora - continuou Clara Luz -
ninguém pode ter uma ideia que preste, aqui na corte, enquanto os horizontes estiverem fechados e enquanto só
se puder fazer mágicas por esse Livro embolorado. De modo que é bobagem ter conselheiras. Vossa Majestade
está gastando estrelinhas à toa.
A Rainha, que era muito
econômica, concordou:
- Também acho. Gasto milhares
de estrelinhas por mês com essas conselheiras e nunca ouvi um conselho que
valesse a pena.
- Pois é. Agora, Se Vossa
Majestade ouvisse os conselhos belíssimos que todos deram, no dia da festa, ai é que Vossa Majestade ia ver o que
é conselho bom.
- Festa? Que festa? -
perguntou a Rainha.
As últimas fadas ainda não
desmaiadas, desmaiaram nesse momento.
Sobraram a Fada-Mãe e a Professora de Horizontologia, que só não desmaiaram
para proteger Clara Luz.
- A festa que houve aqui no céu
e que acabou quando os bichos vieram visitar o palácio de Vossa Majestade -
explicou Clara Luz.
- Ah! Aquilo foi uma festa? -
perguntou a Rainha.
- Foi sim. Houve balé de
estrelas cadentes, a família Relâmpago cantou, todos esqueceram o Livro e cada
um teve a ideia que quis. Aí todos começaram a dar conselhos em versos, que é
uma maneira muito melhor de dar conselhos.
- É? E que mais? - disse a
Rainha.
- Quando a professora começou a
passear, montada num leão dourado, os outros bichos vieram correndo e nessa
hora é que todos cismaram de vir conhecer o
palácio de Vossa Majestade.
- E quem organizou essa festa?
- Eu majestade.
- É? Escute, menina, eu estou
desconfiada de que você pensa que a Rainha é você.
- Oh! Não, Majestade! Eu ainda
sou muito pequena para ser Rainha. Eu estou só ajudando.
- Ajudando quem?
- Ajudando o mundo, não é? Quem
inventa uma mágica nova está ajudando o mundo.
A Rainha não respondeu.
Clara Luz, muito contente por
poder explicar todas as suas ideias, continuou falando:
- Mas é preciso deixar as
pessoas inventarem as mágicas que quiserem, Majestade. Não pode ser pelo Livro.
A Rainha continuou calada.
- Pelo Livro - disse Clara Luz - as pessoas ficam iguais a essas suas
conselheiras, que dão a vida inteira os mesmos conselhos.
De repente a Rainha deu um berro
tão grande que as paredes do palácio tremeram:
- Quem é que educa essa menina?
Onde está a mãe dela? Onde está essa tal Professora de Horizontologia?
Perguntou isso à toa, porque no
meio das fadas desmaiadas, as únicas que
estavam de pé eram as duas que estava chamando.
A Professora de Horizontologia
levantou-se:
- Fiquei calada esse tempo
todo, com muito medo dos berros de Vossa Majestade. Mas agora vou falar. Vossa Majestade pode me
dar o castigo que quiser, mas eu digo que tudo o que essa menina disse está
certo. E se Vossa Majestade não abrir os horizontes eu não quero mais ser
Professora de Horizontologia. Ou dou aula no próprio horizonte ou não dou aula
nenhuma!
A Fada-Mãe levantou-se também:
- Eu acho a mesma coisa. Há
muito tempo estou cansada desse Livro embolorado, mas só hoje estou com coragem
de dizer isso. Não desencanto mais nenhuma princesa, nem torno a fabricar
nenhum tapete mágico. Vou inventar
minhas próprias mágicas, como a minha filha. Estou muito orgulhosa de tê-la
educado tão bem que ela é uma menina cheia de ideias. E peço desculpas a ela
por ter atrapalhado as suas ideias, algumas vezes, com a minha falta de ar. Se Vossa Majestade
quiser nos despejar, despeje, porque quem tem ideias vive bem em qualquer
lugar. Chega!
E a Fada-Mãe sentou-se, cansada,
porque nunca na vida tinha falado tanto.
- Não sei por que essa
gritaria! - disse a Rainha.
- Eu só chamei vocês porque
achei que gostariam de saber que a fada
Clara Luz está nomeada Conselheira-Chefe deste palácio.
Foi uma algazarra! Todas as
fadas desmaiadas voltaram a si do desmaio e começaram a falar ao mesmo tempo. A
Fada-Mãe e a Professora de Horizontologia abraçaram-se radiantes. As
conselheiras fizeram fila, para cumprimentar Clara Luz:
- Que bom que você agora é
nossa chefe! Já não aguentávamos mais dar sempre os mesmos conselhos!
As damas de honra, vendo que a
vida no palácio ia ser muito mais divertida, davam pulos de contentes.
A Rainha nem parecia mais aquela
velha rabugenta.
- Graças a Deus, vou poder
descansar - disse ela.
- É horrível governar sozinha,
sem ter conselheiras que sirvam!
- Só há uma coisa, Majestade -
disse Clara Luz. - É que eu só me mudo, aqui para o palácio, com mamãe e a
professora de Horizontologia. Ainda sou pequena e só posso ser boa conselheira
com uma boa mãe e uma boa professora.
- Claro, menina. Traga quem
quiser. O palácio é muito grande e eu estou pouco me incomodando. Quero é
sossego!
De modo que, no dia seguinte,
Clara Luz mudou-se para o palácio e o primeiro conselho que deu foi mandar
acabar com o Livro das Fadas e abrir os horizontes.
- Pois não, menina - respondeu
a Rainha. - Até eu já estou enjoada desse Livro, para falar a verdade.
O Livro foi abandonado, os horizontes foram abertos e houve uma festa para comemorar. Até a Rainha dançou.
Fernanda Lopes de Almeida
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