A fada que tinha ideias - Capítulo 12 - A decisão da rainha












 E lá estava o bolor, esverdeado, cobrindo a capa do Livro.
  - Como é que nunca me avisaram disso? - berrou a Rainha, vermelha de raiva. - Será que eu sou sempre a última a saber de tudo, neste reino?
  - Mas Majestade, nós também não sabíamos - desculparam-se as damas e conselheiras.
  - Como é que não sabiam? Consultam esse Livro todos os dias e nunca viram que ele estava embolorado? Conselheiras, aconselhem imediatamente sobre esse bolor!
  As conselheiras olharam umas para as outras e não souberam o que dizer.
  - Majestade, essas conselheiras não podem aconselhar direito. É impossível - disse Clara Luz.
  - Impossível por quê?
  - Porque todo conselho, para ser bom, tem que ter uma ideia dentro. É preciso misturar a  ideia na massa do conselho, como eu misturei Relampinho na massa do bolo, no dia em que ele virou cometa.
  A Rainha não entendeu nada.
  - Ora - continuou Clara Luz - ninguém pode ter uma ideia que preste, aqui na corte, enquanto os  horizontes estiverem fechados e enquanto só se puder fazer mágicas por esse Livro embolorado. De modo que é  bobagem ter conselheiras. Vossa Majestade está gastando estrelinhas à toa.
  A Rainha, que era muito econômica, concordou:
  - Também acho. Gasto milhares de estrelinhas por mês com essas conselheiras e nunca ouvi um conselho que valesse a pena.
  - Pois é. Agora, Se Vossa Majestade ouvisse os conselhos belíssimos que todos deram, no dia da  festa, ai é que Vossa Majestade ia ver o que é conselho bom.
  - Festa? Que festa? - perguntou a Rainha.
  As últimas fadas ainda não desmaiadas,  desmaiaram nesse momento. Sobraram a Fada-Mãe e a Professora de Horizontologia, que só não desmaiaram para  proteger Clara Luz.
  - A festa que houve aqui no céu e que acabou quando os bichos vieram visitar o palácio de Vossa Majestade - explicou Clara Luz.
  - Ah! Aquilo foi uma festa? - perguntou a Rainha.
  - Foi sim. Houve balé de estrelas cadentes, a família Relâmpago cantou, todos esqueceram o Livro e cada um teve a ideia que quis. Aí todos começaram a dar conselhos em versos, que é uma maneira muito melhor de dar conselhos.
  - É? E que mais? - disse a Rainha.
  - Quando a professora começou a passear, montada num leão dourado, os outros bichos vieram correndo e nessa hora é que todos cismaram de vir conhecer o  palácio de Vossa Majestade.
  - E quem organizou essa festa?
  - Eu majestade.
  - É? Escute, menina, eu estou desconfiada de que você pensa que a Rainha é você.
  - Oh! Não, Majestade! Eu ainda sou muito pequena para ser Rainha. Eu estou só ajudando.
  - Ajudando quem?
  - Ajudando o mundo, não é? Quem inventa uma mágica nova está ajudando o mundo.
  A Rainha não respondeu.
  Clara Luz, muito contente por poder explicar todas as suas ideias, continuou falando:
  - Mas é preciso deixar as pessoas inventarem as mágicas que quiserem, Majestade. Não pode ser pelo Livro.
  A Rainha continuou calada.
  - Pelo Livro - disse Clara Luz - as pessoas ficam iguais  a essas suas conselheiras, que dão a vida inteira os mesmos conselhos.
  De repente a Rainha deu um berro tão grande que as paredes do palácio tremeram:
  - Quem é que educa essa menina? Onde está a mãe dela? Onde está essa tal Professora de Horizontologia?
  Perguntou isso à toa, porque no meio das fadas  desmaiadas, as únicas que estavam de pé eram as duas que estava chamando.
  A Professora de Horizontologia levantou-se:
  - Fiquei calada esse tempo todo, com muito medo dos berros de Vossa Majestade.  Mas agora vou falar. Vossa Majestade pode me dar o castigo que quiser, mas eu digo que tudo o que essa menina disse está certo. E se Vossa Majestade não abrir os horizontes eu não quero mais ser Professora de Horizontologia. Ou dou aula no próprio horizonte ou não dou aula nenhuma!
  A Fada-Mãe levantou-se também:
  - Eu acho a mesma coisa. Há muito tempo estou cansada desse Livro embolorado, mas só hoje estou com coragem de dizer isso. Não desencanto mais nenhuma princesa, nem torno a fabricar nenhum tapete mágico.  Vou inventar minhas próprias mágicas, como a minha filha. Estou muito orgulhosa de tê-la educado tão bem que ela é uma menina cheia de ideias. E peço desculpas a ela por ter atrapalhado as suas ideias, algumas vezes, com  a minha falta de ar. Se Vossa Majestade quiser nos despejar, despeje, porque quem tem ideias vive bem em qualquer lugar. Chega!
  E a Fada-Mãe sentou-se, cansada, porque nunca na vida tinha falado tanto.
  - Não sei por que essa gritaria! - disse a Rainha.
  - Eu só chamei vocês porque achei que gostariam de  saber que a fada Clara Luz está nomeada Conselheira-Chefe deste palácio.
  Foi uma algazarra! Todas as fadas desmaiadas voltaram a si do desmaio e começaram a falar ao mesmo tempo. A Fada-Mãe e a Professora de Horizontologia abraçaram-se radiantes. As conselheiras fizeram fila, para cumprimentar Clara Luz:
  - Que bom que você agora é nossa chefe! Já não aguentávamos mais dar sempre os mesmos conselhos!
  As damas de honra, vendo que a vida no palácio ia ser muito mais divertida, davam pulos de contentes.
  A Rainha nem parecia mais aquela velha rabugenta.
  - Graças a Deus, vou poder descansar - disse ela.
  - É horrível governar sozinha, sem ter conselheiras que sirvam!
  - Só há uma coisa, Majestade - disse Clara Luz. - É que eu só me mudo, aqui para o palácio, com mamãe e a professora de Horizontologia. Ainda sou pequena e só posso ser boa conselheira com uma boa mãe e uma boa professora.
  - Claro, menina. Traga quem quiser. O palácio é muito grande e eu estou pouco me incomodando. Quero é sossego!
  De modo que, no dia seguinte, Clara Luz mudou-se para o palácio e o primeiro conselho que deu foi mandar acabar com o Livro das Fadas e abrir os horizontes.
  - Pois não, menina - respondeu a Rainha. - Até eu já estou enjoada desse Livro, para falar a verdade.
  O Livro foi abandonado, os horizontes foram abertos e houve uma festa para comemorar. Até a Rainha dançou.



Fernanda Lopes de Almeida



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