Um pernilongo voava, em busca de alimento, sobre jardins, parques e bosques, mas não encontrava a carne macia que ele queria para dar aquela ferroada. Como costumava dizer, já estava cansado de usar seu ferrão em carnes duras, correndo o risco de o quebrar. E depois? Como faria para se alimentar? Um pernilongo com ferrão defeituoso é considerado um deficiente físico. É. Isso não podia acontecer com ele.
Continuando a sua procura, ele foi parar num galinheiro. Pousou na cerca e ficou olhando as galinhas, os patos, os marrecos e os gansos. Não. Ali não dava. Era muita pena junta. Queria algo mais exposto, cheiroso e fácil de picar e sugar. Foi embora. Depois de um tempo de voo, avistou um pasto com muito gado.
Embora o odor não fosse agradável, escolheu um galho de uma árvore em frente e, dali, se pôs a observar e, em pensamento, a mapear o corpo de cada boi e cada vaca para atacar o pedaço mais suculento e macio, o filé mignon. Porém seus olhos astutos repararam que bois e vacas abanavam o rabo batendo o próprio corpo com força para espantar os insetos. E lhe veio à cabeça a ideia. E se ele, no momento da chupança, levasse uma rabanada daquelas? Não. Era melhor não arriscar.
Bateu as asas e foi procurar outro lugar. Ah! Que beleza! Uma casa! Entrou pela janela aberta da sala de jantar onde dormiam um gato e um cachorro no tapete floreado feito à mão. Olhou para os dois com desprezo dizendo:
- Não perco tempo com estes pulguentos.
Continuou voando pela casa. Na cozinha não tinha nada para ele comer. Agora o banheiro, nada. Chegou a um quarto azul. No berço, protegido por um cortinado de filó, dormia um lindo bebê rosado. O pernilongo ficou todo arrepiado. Era aquilo que ele estava buscando.
Finalmente encontrou. Investigou o cortinado. Gente, não havia uma brecha para entrar! Que desaforo! E o pernilongo suava frio, as perninhas tremiam, ele levantava e abaixava o longo ferrão, estava atarantado com a visão das bochechas rosadas da criança. Não via nem ouvia nada além da criança e sua respiração suave. A fome aumentava mais e mais e ele se pôs a zumbir com sua voz de mosquito:
- Coisinha fofa, abra o cortinado. Deixe o papai entrar. Quero cantar uma canção no seu ouvido antes de dar uma ferroada nesta bochechinha tão linda. Olá! Psiu, você aí...!
O bebê dormia o sono dos anjos sem perceber o perigo que corria. Silenciosamente, a mãe da criança entrou no quarto e, olhando para o mosquiteiro que protegia o berço, exclamou:
- Mas que pernilongo insolente!
E com a fralda que trazia na mão ela acertou o pernilongo que, tombando ao chão, dizia com voz moribunda:
- Eu só queria co
co
m e
e
e
e r...
E assim terminou a aventura do pernilongo insolente que ousou desejar ferroar o filho de uma mãe zelosa.
Maria
Hilda de Jesus Alão
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