A fada que tinha ideias - Capítulo 10 - A rainha e as fadas conselheiras







  A Rainha estava na sala do trono, rodeada pelas damas de honra e pelas fadas conselheiras.
  As fadas conselheiras eram as mais importantes da corte. Ganhavam duzentas mil estrelinhas por mês, só para dar conselhos. Era um emprego fácil, porque elas aconselhavam sempre as mesmas coisas.
  Naquele dia a Rainha estava de muito mau humor.
  As damas e conselheiras não sabiam mais o que fazer para distraí-la. Agora estavam todas reunidas ao redor do trono, muito caladinhas, porque tudo que diziam aborrecia a Rainha.
  Mas o silêncio também não adiantou.
  A Rainha bateu no chão com o cetro, que é uma espécie de bengala que as rainhas usam:
  - Façam alguma coisa! - berrou ela.
  - Mas o que Vossa Majestade quer que façamos? - perguntaram as fadas, gaguejando de tão atrapalhadas. - Diga e faremos!
  A Rainha não sabia o que queria, de modo que ficou mais furiosa ainda. Então berrou para as conselheiras:
  - Vocês não são conselheiras? Que estão esperando? Aconselhem!
  - Mas aconselhar sobre que assunto, Majestade?
  - Não interessa! Aconselhem imediatamente ou serão despedidas.
  Com medo de perder as duzentas mil estrelinhas por mês, as conselheiras trataram de aconselhar a toda pressa:
  - Eu aconselho juízo, capricho na caligrafia e nunca pôr os cotovelos em cima da mesa! - disse a primeira, muito afobada.
  - Eu aconselho cuidado com a saúde, porque a saúde em primeiro lugar! -- disse a segunda, com uma  reverência.
  - Eu aconselho que se faça, sem pensar, tudo que a Rainha mandar! - disse a terceira, rimando sem  querer.
  - Eu aconselho muita disciplina e aconselho que Vossa Majestade arranje um apito - disse a quarta.
  - Um apito para quê? - berrou a Rainha.
  - Porque sempre é mais fácil conseguir disciplina com um apito.
  A Rainha ficou vermelha de raiva:
  - Nunca ouvi conselhos mais idiotas na minha vida! Aconselhem direito ou deixaram de ser conselheiras,  hoje mesmo!
  - Mas, Majestade, o que é aconselhar direito? -  perguntaram as fadas, tremendo de medo.
  - Se eu soubesse não precisaria de conselheiras na corte! - gritou a Rainha. - Quem tem obrigação de saber são vocês.
  As fadas, muito nervosas, trataram de combinar,  em voz baixa, o que iam fazer:
  - Vamos experimentar aconselhar tudo ao contrário, para ver se ela gosta - decidiram elas, afinal.
  - Majestade, pensando melhor, eu aconselho que todos saiam por aí, virando cambalhotas e quebrando o que estiver no caminho - disse a primeira.
  - E eu - disse a segunda - aconselho falta de disciplina, nunca pentear os cabelos e pisar o pé do vizinho sempre que for possível.
  A Rainha atirou o cetro em cima das conselheiras, que fugiram para o outro lado do salão:
  - Estão despedidas! Desapareçam das minhas vistas imediatamente!
  Nesse momento, uma tromba de elefante entrou pela janela.
  - Que está acontecendo neste palácio? - gritou a Rainha. - Enxotem essa tromba imediatamente!
  As damas de honra, que não tinham sido despedidas, atreveram-se a dizer:
  - Majestade, vai ser muito difícil enxotar essa tromba, porque atrás da tromba deve haver um elefante.
  - Não digam tolices! Não pode haver elefante  nenhum aqui no céu, porque eu nunca  dei licença para  haver.
  As damas de honra baixaram os olhos:
  - Isso é verdade, Majestade. Então, com certeza,  estamos enganadas.
  Nesse instante ouviu-se um relincho e um cavalinho cor de fogo entrou galopando no salão. Logo atrás dele veio uma girafa, muito engraçada, que parecia ser ainda filhote.
  As damas de honra correram para as janelas e  avisaram para dentro, assustadas:
  - Está vindo uma quantidade de bichos! Até leão!
  Fechem tudo! - berrou a Rainha. - Que estão esperando?
  As damas e conselheiras correram para fechar.
  Quando chegou a vez da janela do elefante, não foi  possível. Por mais que pedissem, com bons modos, para ele tirar a tromba, o elefante não dava a menor confiança.
  A Rainha atirou-lhe o cetro em cima, mas,  pela primeira vez, isso não adiantou nada. Ao contrário. O elefante curioso, enfiou a cabeça toda na janela, para ver o cetro de perto.
  - Esse elefante está despedido! - berrou a Rainha.
  Mas o elefante, como não ganhava duzentas mil estrelinhas por mês, não se importou de estar despedido.
  Enquanto isso, lá fora, ouviam-se as vozes dos outros bichos, que estavam querendo entrar no palácio.
  - Que faremos, Majestade? - perguntaram as damas de honra.
  - Perguntem às conselheiras! Que adianta haver conselheiras na corte se, nessas ocasiões, elas não aconselham nada?
  - Elas foram despedidas, Majestade. Lembra-se?
  - Não me lembro de nada. Chamem as conselheiras imediatamente!
  As conselheiras, contentíssimas por não terem perdido o emprego, apressaram-se a vir aconselhar:
  - Eu aconselho que se faça de conta que esses bichos não existem - disse uma.
  - Eu aconselho que se mande construir uma jaula, para prender todos eles - disse outra.
  - Enquanto se constrói a jaula, que faremos com  os bichos? - perguntou a Rainha.
  A segunda conselheira não soube responder.
  A Rainha ia ter um acesso de raiva, mas o teto do  palácio se abriu e entrou voando a Fada Mensageira.
  A Fada Mensageira era o correio da Rainha. Tinha aquele hábito: entrava sempre pelo teto.
  - Até que enfim uma fada útil neste palácio! - exclamou a Rainha. - Essa, pelos menos, faz alguma coisa! Traz muitas cartas?
  - Não, Majestade. Desta vez só trago uma. Vem da Terra e parece muito esquisita.
  E entregou à Rainha um envelope todo amarrotado.
  A Rainha abriu-o e leu a seguinte carta:
         
  Majestade,
  Vossa majestade está proibida de colorir a minha casa. Eu já disse que detesto coisas bonitas. Outra vez que vossa majestade quiser me embelezar ou embelezar a minha casa, vossa majestade vai se arrepender. Depois não diga que não avisei.
                        Bruxa Feiosa

  - Quem é essa maluca? - quis saber a Rainha. - Que bobagem é essa de colorir casa? Não estou entendendo nada!
  As damas e conselheiras, que sabiam de tudo sobre a chuva colorida, começaram a pensar depressa o que iam dizer para disfarçar.
  Foi quando a porta do salão caiu. A bicharada, que estava lá fora, tinha conseguido derrubá-la.
  Até a Rainha, que já era velha, pulou do trono e saiu correndo com a coroa na mão.
  Um leão dourado correu atrás dela, como quem quer dar alguma notícia. A Rainha não entendeu isso e jogou-lhe a coroa no focinho.
  O leão, ofendido, foi-se embora e a Rainha avisou as outras fadas:
  - Estão todas proibidas de desmaiar!
  As fadas, que iam justamente desmaiar naquela hora, não tiveram outro remédio senão continuar a correr.
  Foi tolice tanta correria. Os bichos só queriam ver como era um palácio por dentro. Depois que viram tudo, saíram, galopando, sem fazer estrago nenhum.
  Mas uma Rainha, quando é obrigada a descer do trono correndo, e ainda por cima com a coroa na mão, não pode perdoar isso nunca.
  As fadas  viram que ia acontecer alguma coisa muito séria. De sobrancelhas franzidas e com um olhar terrível, a Rainha ordenou  às damas de honra:
  - Mandem chamar todas as fadas do céu, para uma reunião aqui no palácio, amanhã, às dez horas da noite.
  - Só as mães, ou as filhas também, Majestade? - perguntaram as damas, torcendo para que fossem só as mães.
  - Todas - disse a Rainha. - Eu disse todas.  Amanhã descobrirei o motivo desses transtornos que estão acontecendo aqui no céu. E agora nem mais uma palavra! Retirem-se!


Fernanda Lopes de Almeida


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