Duas bonecas resolveram um dia viajar pelo mundo. Uma era de louça, com grandes olhos azuis, vestido de cetim branco bordado com fios de ouro e uma fita cor-de-rosa nos cabelos, sapatos de napa da cor do vestido. A outra era de pano. Tinha os cabelos feitos com fios de lã amarela, um laço de fita no meio da cabeça que mais parecia uma borboleta, olhos pretos, o vestido de algodão xadrez em preto e branco, sapatos de feltro vermelho com um botão branco servindo de fecho.
As duas caminhavam pela estrada conversando alegremente. A boneca de louça falava da sua vida. Ela era muito querida, todas as meninas a desejavam, gabava-se a linda boneca. A boneca de pano ouvia tudo com um sorriso abanando a cabeça como a dizer: - quanta vaidade...!
Já haviam percorrido um bom trecho do caminho quando ouviram o barulho das águas de um rio. A boneca de pano, entusiasmada, gritou:
- Corra, corra, venha ver o rio, ele é tão bonito!
A boneca de louça fez uma cara de enjoada dizendo:
- Não vejo graça nisso. Que coisa faremos aqui? Só tem água e areia...
- Nunca se sabe... Às vezes vamos a lugares que parecem sem importância ou sem propósito, mas é em lugares assim que Deus testa o coração e a alma dos seus filhos.
- Nós não somos filhas de Deus, não somos pessoas. Por que ele nos testaria? – disse a boneca de louça.
Sorrindo, a boneca de pano disse;
- Visto por esse ângulo parece ser verdade. Mas, quem faz as bonecas?
- O homem...! – respondeu a boneca de louça
- Então. Deus põe as ideias na cabeça do homem para ele criar tudo que necessita para viver, e ele as executa. E se as ideias são de Deus, somos, sim, filhas dele.
Foi durante a conversa que ouviram um abafado pedido de socorro vindo das pedras que brotavam na água do rio, um pouco além da margem. Olharam uma para outra. – Você ouviu? – perguntou a boneca de pano.
- Acho que é um pedido de socorro. – respondeu a outra.
Apuraram os ouvidos e novamente o grito, agora um pouco mais forte.
- Tem alguém aí? Preciso de ajuda. Por favor...
A boneca de pano gritou:
- Quem está pedindo socorro?
E veio a resposta deixando as duas de boca aberta.
- Sou eu, aqui nas pedras. Eu sou o soldadinho de chumbo.
- Por que está aí? – perguntaram as duas numa só voz.
- Eu estava marchando com o meu batalhão quando escorreguei e caí na água, só que estou preso entre as pedras. Meus companheiros não perceberam e, a esta hora, eles estão muito longe. Será que vocês podem me ajudar a sair daqui?
A boneca de louça foi logo dizendo que não sabia nadar, que estragaria seu lindo vestido e o seu penteado. E disse mais: onde já se viu um soldado que não sabe nadar. Isso não tem lógica. Um soldado deve estar preparado para todas as surpresas da carreira militar. Mas a boneca vaidosa não sabia que as pedras, onde o soldadinho estava preso, eram muito altas e ele, por ser pequeno, jamais poderia escalar para sair.
A boneca de pano percebeu e enquanto a amiga falava pelos cotovelos, ela se afastou do rio, por uns minutos, e ao voltar trazia nas mãozinhas um graveto ressecado. Puxou um fio de linha do seu vestido, amarrou-o na ponta do graveto e chegando a beirinha da água esticou o braço com o graveto e disse:
- Soldadinho, agarre-se à linha que eu o puxarei!
A boneca de louça, envergonhada do seu egoísmo, foi ajudar a amiga a resgatar o soldadinho. Tiraram-no do rio. Fizeram-no deitar na relva para se secar ao sol. Apresentaram-se. – Eu sou a boneca de louça. – Eu sou a boneca de pano. Para nós é um prazer conhecer tão importante militar.
- Não sei o que teria acontecido se vocês não aparecessem por aqui. Eu rezei muito, muito mesmo. Obrigado do fundo do meu coração. Serão minhas eternas amigas. – disse o soldadinho agradecido.
Depois de se recuperar, o soldadinho seguiu viagem junto com as duas bonecas. Andaram muitas horas. Ao meio-dia eles avistaram o batalhão de soldadinhos de chumbo acampado junto ao muro de uma ponte.
- Pessoaaaaaaaal – gritou o soldadinho.
Os soldadinhos correram para abraçar o amigo que julgavam perdido para sempre. Foi neste momento que o soldadinho falou:
- Meus amigos, apresento-lhes minhas grandes amigas, a boneca de pano e a boneca de louça. Sem elas eu não estaria aqui neste momento e vocês não tomariam conhecimento da minha aventura.
- Hip! Hip! hurra!!!! – foi o grito que se ouviu com os soldados jogando seus bonés para o alto, e o corneteiro do batalhão tocando a marcha militar “Sejam bem-vindos todos os amigos” em homenagem aos três.
Cantaram e dançaram o resto do dia. À noite foram dormir mais cedo para descansar, pois a jornada seria longa até o quartel do batalhão onde as bonecas receberiam medalhas de honra ao mérito pelo resgate do soldadinho de chumbo.
Maria Hilda de Jesus Alão
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