Numa das ruas que davam na pracinha de Belém, na antiga cidade de Huaraz,
havia uma casa dos tempos coloniais que sempre estava fechada e que vivia
cercada de mistérios. Diziam que estava repleta de almas penadas, que era uma
casa mal-assombrada.
Quando esta história começou, a casa já havia passado por vários donos, desde
um avaro agiota até o padre da paróquia. Ninguém suportava ficar lá.
Diziam que estava ocupada por alguém que não se podia ver e que em
noites de luar provocava um tremendo alvoroço.
De repente, ouviam-se lamentos atrás da porta, objetos incríveis apareciam
voando pelos ares, ouvia-se o ruído de coisas que se quebravam e o tilintar de
um sino de capela. O mais comum, porém, era se ouvirem os passos apressados de
alguém que subia e descia escadas: toc, toc, tum; toc, toc, tum... As pessoas
morriam de medo de passar por ali de noite.
Certo dia, chegou à cidade uma jovem costureira procurando uma casa para
morar. A única que lhe convinha, por ficar no centro, era a casa do mistério.
Muito segura, a tal costureira afirmou que não acreditava em fantasmas e
alugou o imóvel. Instalou ali a sua oficina, com uma máquina de costura, um
grande espelho, cabides e uma mesa de passar a ferro.
Com a costureira moravam uma moreninha chamada Ildefonsa e um cachorrinho
preto, de nome Salguerito. E foi o pobre do animal que acabou pagando o pato,
pois o fantasma da casa decidiu fazer das suas com ele: puxava-lhe o rabo, as
orelhas, e vivia empurrando o coitadinho. Dormisse dentro ou dormisse fora da
casa, à meia-noite Salguerito se punha a uivar de tal modo que dava medo.
Arqueava o lombo, se arrepiava todo e ficava com os olhos faiscando de medo. Só
dormia tranquilo na cozinha, ao pé do pilão.
As pessoas costumavam ir bisbilhotar para ver como era a tal
costureirinha e saber como aqueles três estavam se arrumando na casa
mal-assombrada.
As duas mulheres não demonstravam em absoluto estar assustadas nem se davam
por vencidas. A única coisa é que tinham que dormir com a lamparina acesa e com
o cão na cozinha.
O fantasma acabou se cansando de infernizar o animal, mas começou então
a deixar suas marcas na oficina da costureira: o espelho entortava sem que
ninguém o tocasse; a máquina de costura começava a costurar sozinha; os carretéis caíam e ficavam rolando no chão;
desapareciam as tesouras, o alfineteiro, o dedal e o caseador; as mulheres
sentiam a presença de alguém que as seguia o tempo todo e, às vezes, o espelho
ficava embaçado, como se alguém estivesse se olhando muito próximo dele.
Várias vezes o padre passou pela casa levando água benta, mas o copinho onde
ela ficava sempre aparecia misteriosamente entornado.
– Isso não é coisa do diabo – esclareceu o padre. – As coisas do diabo se
manifestam de outra maneira e acabam com água benta, invocações ou com a santa
missa.
Com isso, as mulheres ficaram mais tranquilas.
– O que eu acho é que deve haver alguma coisa enterrada por aí. Dinheiro
ou joias guardados em algum lugar. Talvez alguma alma penada queira mostrar a
vocês o lugar em que está o tesouro para poder repousar em paz e, neste caso, é
preciso ajudá-la – sentenciou o padre.
Havia, nessa época, pelas bandas de Huaraz, um homem que se dedicava a
procurar tesouros, cujo nome era Floriano. Era famoso e possuía uma larga experiência
nesse tipo de trabalho. Chamaram-no muito em segredo e, certo dia, chegou sem
que ninguém soubesse. Entrou na casa recitando rezas e súplicas, mascando coca,
fumando cigarros e queimando incenso:
– Alma abençoada, sabemos que estás aqui e que nos ouves. Se queres alcançar
o reino da paz, mostra-nos onde está enterrado o tesouro. Usa os sinais que
quiseres, mas comunica-te conosco.
O homem ia de canto em canto repetindo a mesma coisa. Salguerito olhava
para Floriano, latia e, em seguida, ia se deitar na cozinha, ao pé do pilão.
Floriano passou dois anos inteiros procurando o tal tesouro. A cada mudança
de lua, lá estava ele, mas nunca encontrava uma resposta. Removeu o piso da
casa inteira, bateu em todas as paredes, revistou as janelas e nada.
Salguerito fazia sempre a mesma coisa: olhava para ele, latia e corria
até a cozinha para atirar-se ao pé do pilão. Até que um dia Floriano se foi,
dizendo que nessa casa não havia nenhum tesouro enterrado.
Mas um domingo, quando Ildefonsa estava socando milho no pilão da cozinha
para fazer pamonhas, seus pés esbarraram numa espécie de alça enterrada.
Intrigada, a mulher foi cavoucando e cavoucando com uma faca, até que apareceu
não apenas a alça completa, mas a boca de uma panela de ferro. Era exatamente
no lugar em que Salguerito costumava se enfiar para dormir e onde se atirava
sempre que Floriano vinha procurar o tesouro.
Surpresa, Ildefonsa foi correndo chamar a costureira.
– Veja – disse-lhe –, há uma panela enterrada aí embaixo.
Imediatamente as duas mulheres empurraram o pilão e zás-trás! Apareceu o
tesouro: uma panela repleta de moedas antigas de ouro e prata, joias e pedras
preciosas dos tempos coloniais. Estava logo ali, à flor da terra, junto à pedra
de moer.
Dizem que à meia-noite, depois de benzerem a casa, a costureira e Ildefonsa
saíram da cidade levando consigo não apenas o tesouro encontrado, mas também
Salguerito, o cãozinho judiado que lhes deu o sinal preciso de onde estava
enterrado o tesouro.
Nunca mais se soube deles.
Coletânea de contos de tradição oral. Contos de assombração.
Co-edição latino-americana. São Paulo:
Ática, 1988, 4a ed.
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